Literatura

Alfarrabistas: um livro já não precisa de papel?

Francisco Pereira e Maria Albertina Ribeiro são alfarrabistas e vivem rodeados de livros amarelecidos pelo tempo. Amam o papel dos livros e olham, preocupados, para os e-books, para as grandes superfícies comerciais e para a decrescente vontade de ler das novas gerações.

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Autoria de Inês Monteiro

“As pessoas vão à Fnac à procura de um livro e não encontram. Depois vêm aqui”, conta Maria Albertina Ribeiro, que é dona do «Az do Livro» há 55 anos. Encontramo-la sentada à janela da loja, na Calçada do Duque, onde existem livros até perder de vista. Do chão ao tecto, nas quatro paredes, cada recanto tem um livro.

Noutro lado da cidade, na Avenida de Roma, fica o quiosque de Francisco Pereira, o «Alfarrabista Roma». Aproveitando um dos quiosques de metal que povoam as avenidas da cidade, Francisco criou um oásis de literatura no meio de todo o movimento daquele lugar. “A estação do Fertagus é ali em baixo?”, pergunta uma senhora que passa na avenida. Exemplo perfeito do que Francisco tinha acabado de dizer: “A maioria das pessoas que cá passam ou querem vender ou é só por curiosidade. Ou então, é mesmo só para perguntar os nomes das ruas aqui da zona”.

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Novas tecnologias “inimigas do livro em papel”

Francisco tem o negócio há 31 anos. Conta que “há uns seis ou sete anos começou a reduzir muito. Antes vendia muito mais”, lembra o alfarrabista. “Para aí há 10 anos deixei de viver só disto”, conta Francisco, não escondendo que se antecipou à crise que previa. Actualmente, já não vive apenas da venda dos livros, mas não fecha a loja: “Mantenho isto porque gosto mesmo muito. Já não dava para viver só disto, e para manter é preciso gostar bastante”.

E o que está na origem desta crise? Francisco aponta vários factores. A crise é um, naturalmente. Mas não só: “as novas tecnologias estão a tornar-se inimigos do livro em papel”, garante, lembrando que “na feira do livro de Lisboa, grandes editoras já vendiam mais de metade em e-book”. Aliando a facilidade em aceder aos conteúdos de forma digital à cada vez maior “falta de vontade de ler dos jovens”, explica-se que “até o livro em papel” esteja para desaparecer.

“Se for ao site da casa Fernando Pessoa, está lá a obra dele, completa, disponível gratuitamente. Quem é que quer um livro?”, lamenta. Naturalmente “há sempre quem compre”, até porque, como lembra Francisco, “para aí a partir dos 50 anos começa a ser mais difícil mexer na internet”. Apesar de se confessar um utilizador das novas tecnologias, não é “como as novas gerações”: “Não troco um livro em papel por um electrónico”.

Maria Albertina, na sua loja da Calçada do Duque, também partilha desta opinião. “Os computadores foi o pior para o negócio”, garante. Visivelmente afectada pela falta de clientes, a comerciante aponta ainda que “agora está na moda ir à Fnac”. As grandes superfícies que vendem todo o tipo de literatura estão também, na opinião de Maria Albertina, a condenar os pequenos vendedores de livros ao encerramento.

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    Uma actividade sem futuro?

    Maria Albertina não hesita em dizer que “estas lojas estão condenadas”. No «Az do Livro» entram “três ou quatro clientes por dia para comprar”. A dona recorda um dia em que “uma senhora queria uma lombada bonita para encher um espaço na estante. Levava um livro qualquer, desde que a capa fosse bonita, para encher o espaço”, episódio que faz pensar que a importância dada ao livro em papel é cada vez menor.

“Dou 15 anos a esta actividade”, adianta Francisco, e acrescenta: “Tenho semanas em que não me estreio”, revelando a falta de clientes deste negócio. O facto de já estar tudo na internet levou à extinção, de acordo com Francisco, “do chamado livro técnico”. Diz que este livro “está mesmo a morrer, as enciclopédias já acabaram”, e ainda que “vão sobrar livros, e o livro em papel vai passar a ser uma antiguidade”.

A própria actividade do alfarrabista vai ao encontro desta realidade. Francisco conta que não trabalha com livro antigo, mas sim com livro usado. “O livro usado é o livro em segunda mão, que se compra por ser mais barato. Para mexer em livros antigos é preciso saber muito, e conhecer muito bem o meio. Trabalho mais para as pessoas normais, curiosas, do que para os bibliógrafos, os que trabalham com livros antigos e coleccionam primeiras edições”.

Muito do trabalho actual de Francisco é, na verdade, comprar. “90% das pessoas que cá passam é para vender, para despachar enormes quantidades de livros. Os herdeiros não querem livros, e, quando ficam com casas e querem devolver aos senhorios, despacham os livros todos”, comenta. Assume-se como um apaixonado por literatura. “Tenho pena de não ter muitas primeiras edições”, lamenta, mas não se considera um vendedor “apenas por vender”.

Também Maria Albertina sente a crescente necessidade de vender livros das pessoas. “Agora, compramos só o que nos interessa, e temos a loja é para vender”, conta a senhora, com um tablet na mão, em que vai jogando palavras cruzadas.

O futuro dos livros em papel é incerto. A internet está a demover as novas gerações do interesse pela leitura e as grandes superfícies a dominar o comércio que ainda resta da literatura. Aos alfarrabistas resta o gosto por guardar e vender obras antigas, livros raros, pedaços de papel que nenhum computador há-de substituir.

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