“Boys will be boys”- a infantilização do homem adulto
Quando falamos em desigualdade entre homens e mulheres passa-nos pela cabeça temas como a desigualdade salarial ou a desigualdade de oportunidades, por exemplo. No entanto, acredito que ainda pouco se fala na forma como homens e mulheres são vistos com expectativas diferentes e julgados pelas mesmas atitudes de forma completamente díspar. Atrevo-me a dizer que o tema central deste artigo é aquilo a que chamo “infantilização do homem adulto”. Falo-vos então da maneira como a sociedade trata homens adultos como crianças e bebés de colo, desculpando-lhes por vezes até as atitudes mais vis com razões ocas – como o seu amadurecimento tardio e muitas outras. Este artigo é uma espécie de crítica à sociedade misturada com uma autocrítica.
A verdade é que, em geral, os homens são muito mal-educados (falo da educação mesmo, não os estou a ofender). Os homens são educados segundo a máxima “boys will be boys”, sendo-lhes atribuída uma margem para o erro muito maior do que aquela que é permitida a uma mulher. Vamos ser sinceros, os homens amadurecem mais tarde também porque não lhes é exigida essa maturidade tão cedo quanto acontece às mulheres. E se acham que estou a mentir ou a exagerar, lembrem-se da quantidade de vezes em que já ouviram, disseram ou pensaram algo deste género: “é normal ele não perceber o que sentes, é homem”, “os homens demoram mais a amadurecer, tens de ter paciência“, “eles não levam as coisas tão a sério quanto nós”, “ele tratou-te mal mas também não teve consciência do que te estava a fazer”, “já sabes como os homens funcionam” e a lista é quase infinita. Os próprios homens aproveitam-se destas desculpas vazias para se livrarem de várias situações.
Outro ponto que quero abordar é que, indiscutivelmente, os homens são muitas vezes ensinados a reprimir os seus sentimentos ao máximo e, por isso, têm mais dificuldade em compreender e expressar o que sentem. Isto leva-os a não perceber a forma como as outras pessoas expressam os seus sentimentos, principalmente se o fizerem de forma livre e espontânea. Ou seja, quantas vezes é que não viram homens a gozar com mulheres por chorarem quando estão tristes? Chorar quando se está triste é igual a sorrir quando se está feliz, é natural. Uma vez, um rapaz que conhecia disse-me que não chorava há cinco anos e, caros leitores, para mim isso é que é pouco natural. Não diria que os homens são seres insensíveis como tendem a ser apelidados, acho que são bloqueados nesse aspeto e pouco self-aware. Esta falta de autoconsciência faz com que a maior parte deles nunca perceba isso e nunca tente melhorar. No entanto, toda a argumentação acima não justifica as atitudes completamente grotescas que alguns têm, uma coisa é sermos menos ligados às emoções, outra é sermos desumanos.
Sinto que, mesmo em amizades com mulheres, os homens vivem a vida em modo fácil. Vou argumentar isto dizendo que se uma amiga minha for pouco compreensiva e empática comigo eu serei bastante mais árdua com ela do que seria se fosse um amigo meu. Sei que não sou a única a fazer isto, porque a verdade é que nos ensinam a pensar que os homens não nos percebem tão bem e é normal não serem tão empáticos, ensinam-nos a ter mais expectativas nas mulheres e a castigá-las mais quando erram.
Além disso, parece que os homens se tratam como bebés entre si. Este é um grande hot take, confesso. Pelo que observo, há uma certa proteção excessiva e injustificada das ações uns dos outros. Ser amigo é proteger mas também é ajudar a enfrentar aquilo que nos incomoda e magoa, sem que os guardemos dentro de uma redoma até estarem preparados para finalmente encarar a vida.
Para acrescentar, há também uma tendência para se encobrirem e defenderem em situações como traições (refiro-me ao homem que trai a/o parceira/o) e, em alguns casos mais graves, violações e crimes do mesmo tipo. Volto a relembrar-vos das vezes que já devem ter ouvido: “ele nunca faria isso”, “ele é meu amigo e eu conheço-o”, “ele é uma boa pessoa e nem percebeu o que fez”. Se ainda não vos relembrei o suficiente, recordem o número de casos de violação por parte de celebridades que vieram a público e a forma como esse mesmo público protegeu o violador e duvidou da vítima, chamando-lhe mentirosa e interesseira. Estaria a mentir se dissesse que apenas homens tiveram essa postura nestes casos específicos, mas isso é conversa para outro artigo.
Não achem, depois de lerem este artigo, que tenho um ódio de estimação ao género masculino. Como dizia a Cher: “I love men, I think men are the coolest”. No entanto, tenho um ódio de estimação à forma como se lhes faz festinhas na cabeça depois de serem seres humanos deploráveis ou, fugindo a extremismos, quando são pessoas menos boas. Não podemos esperar evolução quando, enquanto sociedade, perdoamos tudo o que fazem sem sequer haver um pedido de desculpas ou uma melhoria no comportamento. A imaturidade e o amadurecimento tardio dos homens é culpa de quem os educa mas também de todos, no meu entender. Em simultâneo, nenhum de nós (exteriores à educação direta de um homem) tem de arcar com as culpas e perdoar certos comportamentos causados pela imaturidade só porque “boys will be boys”. Esta mania que temos de reduzir os homens a bebés que embalamos no colo e de chamá-los imaturos, como se eles fossem inaptos a amadurecer de forma mais rápida, precisa de mudar. As expectativas excessivas que temos nas mulheres e a forma como as sobrecarregamos psicologicamente desde novas também tem de mudar. Estaremos nós a criar uma sociedade digna e justa se somos tão árduos num dos seus grupos (sem justificação lógica) e tão benevolentes no outro? Creio que não.
Fonte da capa: Pexels – Pixabay
Artigo revisto por Matilde Ramos
AUTORIA
A escrita sempre foi um dos seus guilty pleasures. Desde pequena escrevia textos sobre tudo e sobre nada que entregava a alguém que nada conseguia fazer com eles. O seu intuito, com a entrada na revista, é deixar nas mãos de alguém os seus textos e opiniões de qualidade por vezes duvidosa – mas esforçada – e que esse alguém lhes veja utilidade. Nem que estes sejam, apenas, um entretenimento irrelevante porque a irrelevância também nos acrescenta algo.