De “Not quite my tempo” para “I was perfect”: o percurso do artista sacrificado
Em relação aos títulos: podem não ter nada em comum; mas, quanto ao conteúdo, não podemos dizer o mesmo. Curiosamente, tanto Black Swan como Whiplash tiveram um orçamento relativamente baixo, um grande enfoque na construção do guião e foram ambos premiados com o maior dos títulos no mundo cinematográfico: o Óscar. “Melhor atriz principal” para Natalie Portman em Black Swan e “melhor ator secundário” para J. K. Simmons, que representa o papel de mentor em Whiplash. Este último filme arrecadou ainda o título de “melhor montagem” e “melhor mixagem de som”.
Black Swan, lançado em 2010, revelou-se um êxito nesse ano e provou ser, ainda hoje, um filme de culto. Já Whiplash chegou quatro anos depois e está à altura de ser objeto de comparação com Black Swan.
O grande foco de cada um dos filmes não tem que enganar. Logo de início, conhecemos duas personagens principais. Por um lado, Natalie Portman que, no papel de Nina, é uma bailarina profissional tímida, recatada, inocente e angélica que tem o grande sonho de vir a representar a rainha cisne na peça de bailado O Lago dos Cisnes; por outro, Miles Teller encarna a pele de Andrew, um baterista talentoso e, acima de tudo, com muita ambição, cujo principal objetivo é provar que merece ser o melhor. Ambos os filmes abrem uma porta para um mundo que poucos de nós chegam a experienciar. Ao espectador é concedido um vislumbre daquilo que é a vida do artista que faz tudo (e quero dizer mesmo tudo) para conseguir chegar ao topo – ou, como diria Nina, “à perfeição”.
Tanto em Black Swan como em Whiplash há o clássico ponto de viragem. Basta uma ligeira alteração nos acontecimentos para os nossos protagonistas começarem a agir de forma diferente, o que irá levar a drásticas mudanças na vida de cada um. Andrew decide que quer entrar no conservatório de Schaffer, em Nova Iorque, enquanto que na escola de ballet em que Nina treina são abertas as candidaturas para O Lago dos Cisnes, uma das peças de ballet mais célebres e aclamadas de todos os tempos.
Para além de um grande sonho e de um longo caminho pela frente, tanto Andrew como Nina têm um seio familiar bastante parecido. A mãe de Nina, uma bailarina falhada, quer que a filha atinja aquilo que ela própria nunca conseguiu. Já “banal” é a palavra que melhor descreve o pai de Andrew, um homem que foi mediano toda a sua vida. Este é um medo com o qual alguns de nós são capazes de se identificar: o medo de ficarmos iguais aos nossos pais; o medo de envelhecermos sem termos alcançado nenhum dos nossos sonhos; o medo de não passarmos de medíocres.
Entretanto, vemos aparecer aqueles que deveriam ser os principais impulsionadores dos dois artistas, mas que se revelam os seus principais obstáculos: os mentores.
Os protagonistas perseguem o seu sonho, praticando dia e noite, exaustivamente. Pouco a pouco, dão-se pequenas mudanças até que cada um arrisca, num grande ato de coragem. Eventualmente, Nina consegue o papel que queria e Andrew é recrutado para se juntar à Schaffer. Por momentos, a vida destas duas personagens irradia positividade e esperança.
No entanto, o mentor de Nina aponta-lhe um grande defeito. Apesar de, graças à sua disciplina e delicadeza, ser perfeita para o papel de cisne branco, Nina não tem o que é preciso para se transformar no cisne negro. Fletcher, o mentor de Andrew, exige do baterista a maior precisão e rapidez através de abuso psicológico e até físico. São os mentores que colocam a grande questão em cada um dos filmes: será que os dois aprendizes serão capazes de cumprir as exigências que lhes são impostas?
Contudo, para se ser o melhor é preciso ultrapassar o “eu” antigo. É preciso mudar de forma rápida e drástica; deixar de ser quem éramos, pois só assim poderemos evoluir. O caminho para se chegar ao topo é o mesmo que o da autodestruição. Para além disso, existe a ameaça de poderem vir a ser substituídos por artistas mais competentes. E esta é a cereja no topo do bolo para os conduzir à completa loucura.
Nina começa por entrar num mundo completamente contrário àquele em que viveu até agora. Também Andrew irá ultrapassar drasticamente os seus limites. Ambos foram longe de mais e é assim que se aproximam do maior momento das suas carreiras.
Ao fim e ao cabo, temos duas histórias repletas de sacrifício e sofrimento. Muitas perguntas ficam agora no ar. Será que vai valer a pena? O baterista e a bailarina a quem nos afeiçoamos irão vingar? Serão capazes de provar que estão à altura? E a que custo? Os meios justificam os fins?
Apesar de um grande tema comum, também existem diferenças entre os dois filmes. Não apenas no género dos artistas (feminino e masculino) e no estilo/área artística em que se integram, mas no próprio modo como o tema é explorado por parte dos realizadores das duas longas-metragens. As conclusões que tiramos de cada um acabam por ser incrivelmente distintas. Não querendo entrar em detalhes, posso simplesmente implorar que vejam estas duas obras cinematográficas, de preferência uma a seguir à outra. Por qual começam é indiferente. Por isso, sugiro que façam um dó li tá e desfrutem de uma boa tarde de cinema.
Fonte de capa: nofilmschool.com
Artigo revisto por Andreia Custódio
AUTORIA
Lembro-me que em pequena tinha o desejo de pisar cada pequeno recanto do mundo. Assim que pude fugi da minha terra natal, onde a única coisa de que ainda tenho saudades é de comer tripa com chocolate enquanto apanho com um vento gelado no rosto e olho por entre o casaco para o mar bravo. Vim para Lisboa com o intuito de estudar algo que me fizesse realmente sentir feliz e realizada. Nos meus tempos livres o mais provável é encontrarem-me pelas ruas de Lisboa a tirar fotografias ou então enfiada numa biblioteca com uma pilha de livros à minha frente.
Adorei o texto, que tal como os referidos filmes, nos deixam a pensar.
Parabéns