Doclisboa através do conforto de casa, de 18 a 24 de fevereiro
O Doclisboa, o mais antigo festival de cinema em Portugal exclusivamente dedicado ao documentário, regressou a 22 de outubro de 2020 e tem-se adaptado aos novos tempos. A 18.ª edição do Festival Internacional de Cinema, dividida em sete módulos distintos com o intuito de se ajustar ao contexto da pandemia, abriu na Culturgest com a estreia mundial de Nheengatu – A Língua da Amazónia, do realizador português José Barahona, inserido no âmbito do primeiro módulo inteiramente dedicado aos Sinais. Perante a renovação das medidas restritivas de combate à Covid-19, a organização do festival voltou a sofrer alterações, com adiamento de programação e colocação das peças online. Mantém-se, no entanto, intocável nos valores e propósitos prezados: o cinema como um modo de liberdade, impulsionador da análise do presente e o apoio ao seu desenvolvimento independente, com enfoque em novas problemáticas presentes na imagem cinematográfica.
Com as salas de cinema encerradas, de 18 a 24 de fevereiro o Doclisboa viabilizará um ciclo de filmes e conversas online em doclisboa.org/2020/, em concordância com a planificação inicialmente divulgada, a partir do programa Ficaram Tantas Histórias por Contar. Inserem-se neste módulo obras cujo foco assenta sobre questões de identidade e memória «que trazem luz aos cantos mais escuros da História, seja esta de um país, de uma cultura ou de uma pessoa», como indicado no próprio site.
Ficaram Tantas Histórias por Contar apresenta, ao longo dos sete dias destinados, nove estreias nacionais, europeias e internacionais que se intersetam no tema que lhe subjaz: o aprimoramento do futuro através da evocação dos erros do passado. Haverá ainda diariamente um debate com os realizadores de cada exibição, moderado por programadores do festival, que ficará disponível no respetivo «Bonus Content». Qualquer sessão tem um valor de 2,50€ , mas existe a possibilidade de adquirir o Passe Programa, por 14€, que providencia o acesso a todo o conteúdo online deste programa, nomeadamente aos filmes e ao material bónus exclusivo. Neste módulo, está disponível o aluguer de duas sessões compostas por várias obras (a primeira com «A Morte Branca do Feiticeiro Negro» e «A Storm Was Coming», e a segunda com «Unlocking Doors of Cinema» e «The Dream») sem qualquer adição de custo. Os filmes estarão disponíveis a partir das 00h00 do primeiro dia e até às 23h59 do último. Segue-se a descrição dos filmes que estarão acessíveis, à distância de um clique, já a partir da próxima semana:
A Morte Branca do Feiticeiro Negro (The White Death of the Black Wizard)
Atendendo a memórias do passado, o esclavagista brasileiro Rodrigo Ribeiro descreve, ao longo de 11 minutos, paisagens etéreas e ruídos, através de um ensaio poético visual e de uma reflexão sobre silenciamento e invisibilidade do povo negro em diáspora, numa jornada íntima e sensorial.
A Storm Was Coming (Anunciaron tormenta)
Com duração de 1h28m, o documentário produzido pelo diretor espanhol Javier Fernández Vázquez procura refletir sobre as lacunas, os silêncios, as contradições e as falsidades sobre os quais assenta normalmente a história colonial. Em 1904, Ësáasi Eweera, o último líder bubi que se opôs ao domínio espanhol na atual ilha de Bioco (Guiné Equatorial), foi detido por guardas coloniais e levado à força para a capital da colónia, onde morreu passados três dias. A sua aldeia natal foi incendiada e a maior parte dos seus habitantes desapareceu. Alguns relatos orais sobreviveram e opuseram-se à versão oficial espanhola, procurando contribuir para uma espécie de memória coletiva emancipada.
Numbers (Nomery)
Dirigido pelo realizador ucraniano galardoado com o Prémio Sakharov para a Liberdade de Imprensa em 2018, Oleg Sentsvo, o filme com duração de 1h44m, assenta sobre a história de uma sociedade distópica de dez números presos em rotinas diárias reguladas por regras rígidas estabelecidas por uma divindade omnipresente, o Grande Zero, e impostas por Juízes armados. Neste mundo escrupulosamente ordenado, houve um erro que levou à criação de um novo mundo. Será melhor do que o anterior?
Radio Silence (Silence Radio)
México, Março de 2015. Carmen Aristegui, jornalista incorruptível, é despedida da estação de rádio onde trabalha há anos. Carmen prossegue com a sua batalha: consciencializar e lutar contra a desinformação. Realizado por Juliana Fanjul, o filme conta, ao longo de 1h19m, a história dessa missão difícil e perigosa, mas essencial para a saúde da democracia. Uma história em que a resistência se torna numa forma de sobrevivência.
The Exit of the Trains (Ieşirea trenurilor din gară)
Radu Jude apresenta, ao longo de 2h54m, um ensaio totalmente constituído por fotografias de arquivo e documentos do primeiro grande massacre de judeus na Roménia: na cidade de Iași, a 29 de Junho de 1941, foram mortos mais de 10.000 – primeiro, à bala; depois, por asfixia em comboios de mercadorias. Na primeira parte do filme, fotografias das pessoas que acabaram por ser mortas pelo exército romeno e por civis são acompanhadas por vozes que recitam os documentos relacionados com o destino do massacre. A segunda parte é uma montagem das restantes fotografias do massacre em si (tiradas na sua maioria por soldados alemães que estavam na cidade).
Downstream to Kinshasa (En route pour le milliard)
Há duas décadas que as vítimas da Guerra dos Seis Dias na República Democrática do Congo lutam em Kisangani pelo reconhecimento desse conflito sangrento e exigem uma indemnização. Dieudo Hamadi dá voz, durante 1h29m, às exigências que, cansadas de apelos infrutíferos, decidiram finalmente expressar, em Quinxassa, após uma longa viagem pelo Rio Congo abaixo.
The Last City (Die letzte Stadt)
Um arqueólogo e um criador de armas encontram-se no deserto do Neguev e começam a discutir o amor e a guerra. O filme realizado pelo produtor alemão Heinz Emigholz prossegue com atores diferentes em papéis diferentes – uma dança de roda que nos leva às cidades de Atenas, Berlim, Honguecongue e São Paulo. Os personagens incluem um artista de idade que encontra o seu eu mais novo, uma mãe que vive com os dois filhos crescidos (um padre e um polícia), uma mulher chinesa e uma mulher japonesa, um curador e um cosmólogo. Os diálogos abordam tabus sociais atualmente obsoletos, conflito geracional, culpa de guerra e meditações cosmológicas.
Unlocking Doors of Cinema (Fath Abwab Assinima)
O filme do realizador árabe Nezar Andary analisa, ao longo de 1h10m, os cinquenta anos de contribuição artística do ousado autor sírio Mohammad Malas. Exilado da sua terra natal, Quneitra desafia o público a contemplar a perda, a memória e o lar. Da Guerra de 1967 e dos campos palestinianos em Beirute às canções de Alepo e às tragédias políticas da Síria, Malas é um exemplo do que significa ser autor e intelectual. O filme leva-nos numa viagem cinematográfica única em que a cinematografia criativa se torna numa conversa visual com as cinco décadas de trabalho do autor.
The Dream (Al-Manam)
Rodado em 1980 e 1981, o filme de Mohamad Malas enfoca, no espaço de 45 minutos, entrevistas com vários refugiados palestinianos, incluindo crianças, mulheres, velhos e militantes dos campos refugiados de Sabra, Chatila, Bourj el-Barajneh, Ain al-Hilweh e Rashidieh, no Líbano. Malas, que viveu nos campos durante a rodagem e entrevistou mais de 400 pessoas, pergunta pelos sonhos à noite e estes convergem sempre na Palestina. Em 1982 deram-se os massacres de Sabra e Chatila, que mataram várias das pessoas que entrevistara, e Malas deixou de trabalhar no projeto, ao qual regressou em 1986.
Cada filme está limitado a 300 alugueres, pelo que se torna necessário que te apresses e garantas já o teu lugar. Não percas ainda a oportunidade de participar nas sessões de Q&A com os realizadores das sessões em destaque cujas datas se seguem:
18 de fevereiro às 21h: Com a participação de Rodrigo Ribeiro (A Morte Branca do Feiticeiro Negro) / Javier Fernández Vázquez (A Storm Was Coming)
19 de fevereiro às 21h: Com a participação de Oleg Sentsov (Numbers)
20 de fevereiro às 21h: Com a participação de Juliana Fanjul (Radio Silence)
21 de fevereiro às 21h: Com a participação de Radu Jude (The Exit of the Trains). Moderador convidado: Paulo Catrica (Instituto de História Contemporânea – FCSH-UNL)
22 de fevereiro às 21h: Com a participação de Dieudo Hamadi (Downstream to Kinshasa)
23 de fevereiro às 21h: Com a participação de Heinz Emigholz (The Last City)
24 de fevereiro às 19h: Com a participação de Nezar Andary e Yann Seweryn (realizador e diretor de fotografia de Unlocking Doors of Cinema)”
A 18.ª edição do festival não se fica, no entanto, por aqui: em formato online, terá lugar o “Arquivos do Presente”, de 25 de fevereiro a 3 de março, para além de outras sessões ainda a anunciar. Em tempos conturbados como aqueles que vivemos, em que a dubiedade se tornou a maior das certezas, o Doclisboa não deixa de assegurar a existência de um lugar onde a realidade é fruto da imaginação, cumprindo a expetativa com um cartaz surpreendentemente promissor.
Artigo redigido por Inês Galrito
Artigo revisto por Rita Asseiceiro
Fonte da imagem de destaque: DocLisboa
AUTORIA
Apaixonada pela área da comunicação. Numa relação com o bichinho do jornalismo desde que se lembra. Criativa, curiosa, dedicada e resiliente. Frequentou o curso de Ciências e Tecnologias no secundário, mas cedo percebeu que não era o match perfeito. Romântica incurável em full time, cantora de duche, chef e federada em mergulho no sofá nos tempos livres. Sonha em viajar pelo mundo, e ambiciona dar voz a quem dela carece.