Música

Duas Personas e um texto de opinião

Estaremos nós a ser invadidos por uma cultura repressora? O músico terá uma responsabilidade moral enquanto difusor? Dois elementos dos Persona 77 abriram as portas e as suas visões do mundo à ESCS Magazine.

“Nenhuma forma de arte invade a nossa consciência da forma que o cinema faz, entra diretamente nos nossos sentimentos, profundamente nos quartos escuros das nossas almas.” – Esta afirmação do realizador sueco Ingmar Bergman é o mote perfeito para enquadrar a banda Persona 77 no contexto da liberdade atual. Da sétima arte nasceu a intemporal obra Persona, do realizador sueco – criação idealista, inovadora e genuína. E da voz dos jovens membros dos Persona 77 nasceu uma visão que, longe de ser representativa da opinião da juventude portuguesa, revela inconformidade e a busca pela espontaneidade, ao estilo de Ingmar.

Seria acriançado fazer a analogia “personiana” sem um contexto coerente que subjaz a esta lógica. Vivemos numa era na qual a ausência de liberdade é vista como um elemento pacificador por uns e encarada como um castramento criativo por outros. Numa conjuntura de tensão entre a liberdade de expressão artística de toda a ordem versus um grupo que crê que a única forma de não propalar as práticas amorais é a censura dos meios difusores – a ESCS Magazine falou com dois dos elementos dos Persona77 que, neste cenário, são muito mais do que dois músicos. Daniel e Pedro – vocalista e guitarrista, respetivamente – são dois jovens que ecoam a voz da revolta sobre a temática.

Como afirmou Bergman, a arte invade os nossos sentimentos. Para o sueco, nenhuma o faz de forma tão vigorosa como o cinema. Todavia, qualquer forma artística é e sempre foi alvo de escrutínio. Será que é legítima a apreensão no que concerne aos temas abordados pelos artistas? Falamos de realizadores, dramaturgos, escritores, músicos, pintores, escultores, humoristas, entre outros.

O nome da banda foi inspirado pelo filme Persona de Ingmar Bergman

Os Persona 77 – banda oriunda de Montijo – foram fundados no final de 2012, pelas mãos de Henrique Vitorino (baterista) e pela voz de Daniel Vitorino (vocalista) –, irmãos que tiveram o desejo de dar corpo a um projeto que viria a albergar mais dois elementos: Pedro Maceira (atual guitarrista) e, posteriormente, Filipe Peuch (atual baixista). Contudo tivemos de esperar até 2016 para que os “aldeanos” (expressão popular que designa um cidadão de Montijo) fizessem ecoar a sua sonoridade fora de um contexto regional. O lançamento do single A Solução foi como um desbravar de caminho. Serviu de rampa de ascensão – catapultando os Persona 77 para o próximo patamar. Já contam com um ep, chamado Monomania, que integra as músicas: Diferente em Mim, Polícia, Não Quero Voltar e O Mergulho.

Foto: Ricardo Crato

O género musical dos Persona 77 começou por flutuar entre o hard rock e o post punk. Depois surgiram temas mais ligeiros e melódicos, como por exemplo O Mergulho, A Solução e, mais recentemente, Porta Aberta. Para Daniel Vitorino essa evolução resulta de um “amadurecimento musical”, um desencadeamento normal do processo criativo: “Hoje em dia, temos uma identidade mais firme, mais estanque”. Pedro Maceira acrescenta: “Todos nós ouvimos coisas muito diferentes”. Diz também que há uma variedade enorme nos temas criados pelo conjunto musical.

O próximo passo de expansão

O grupo de rock alternativo teve um pico de notoriedade com a participação na Festa do Avante em 2014, e com a atuação num grande palco – aquando do Festival da Liberdade, em Alcochete (2018). Após essa subida para lá do patamar regional, o próximo passo de expansão a nível de planeamento é, segundo o vocalista, “encontrar alguém no campo do management para tratar da parte dos concertos, para nos ajudar na organização e a divulgar o nosso trabalho.” O objetivo seguinte é a criação de um álbum, apesar de ainda não estar agendada uma data, mas o guitarrista e teclista em part time garante: “Não vamos lançar mais nada (referindo-se a singles) até ao lançamento do álbum”.

Fonte: Ricardo Crato
Persona 77 no Festival da Liberdade, em 2018

Singularidade de Robotika

O mais recente single, intitulado Robotika, é acompanhado de um videoclip no mínimo invulgar. Sãos vários os planos que mostram os dois atores e os quatro músicos visivelmente descaracterizados, num cenário apocalíptico e decadente: Daniel, o vocalista de 25 anos, admite ser uma crítica a um mundo alienado da interação social e que venera a autoimagem: “É sem dúvida um cenário com essa descrição e ainda está mais para além disso. Uma pessoa pode ver aquilo que quiser, mas está relacionado também com o narcisismo.” O jovem guitarrista de 21 anos justifica a escolha do tema: “Nenhum de nós é alheio a essa realidade. É um tema que nós escolhemos porque nos dizia muito”.

Fonte: MLN Studios
Robotika retrata um cenário de obsessão digital

O músico enquanto criador – RESPOSTA RÁPIDA

O músico tem uma responsabilidade enquanto emissor, visto que está a conduzir uma mensagem para as massas?

Pedro Maceira: “O músico tem a liberdade de dizer o que lhe apetece. A responsabilidade moral de este estar a exprimir algo politicamente errado ou correto não deve ser julgada.”

A escrita de Persona 77 é, hoje em dia, mais consciente?

Daniel Vitorino: “Sim, porque antigamente quando fazia uma letra era tudo muito repentino, fazia a música e, de seguida, escrevia a letra sem pensar. Agora demoro mais, mas tento sempre fazer algo não linear.”

Tendo como base o caso da mais recente polémica que envolveu o rapper Valete e a sua música BFF, a expressão artística pode influenciar fortemente os comportamentos de quem tem contacto com ela?

Pedro Maceira: “A música tem impacto, porém acho impossível aquela obra potenciar atos de violência doméstica, como está a ser falado. Se estivermos a falar da possibilidade de ofender alguém por ser uma obra crua ou rude, pode dizer-se que sim. A violência doméstica é horrível e problemas relacionados com isso surgem de outros fatores que não a música, na minha opinião.”

Fonte: Pixabay

“Nada é absoluto. Tudo muda, tudo se move, tudo gira, tudo voa tudo e desaparece.” – É uma posição sobre a vida, de Frida Khalo, que transmite bem o que é mutável, o que pode ser desconstruído e moldado como plasticina. O criador de arte é um inconformado que não descansa enquanto não virar o mundo do avesso. Quer amassá-lo, despedaçá-lo, voltar a uni-lo e olhar por dentro dele, encontrando as suas incongruências. E, finalmente, juntar-lhe uma pitada das suas emoções e ideologias. Esta é a missão do artista, que se esgota na sua obra, sem prestar contas a ninguém.

Texto revisto por: Miguel Bravo Morais
Foto de capa: MLN Studios

AUTORIA

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O meu sonho, para além de conseguir aprender a jogar xadrez, é tornar-me num homem dos sete ofícios da área da comunicação. Para além do jornalismo, tenho um fascínio enorme pelo entretenimento, representação, guionismo, realização e literatura. O cinema é a forma de expressão artística que mais me agita, juntar-lhe a escrita é aliar ao entusiasmo tresloucado um cubo de gelo refrescante e ponderado: o meu ying yang.