Opinião

Eu era um cruzeiro sem direção

Eu era um cruzeiro sem direção. 
A cada dia, 
À velocidade de uma mota de água
E com a cólera de um tubarão adormecido, 
Deixava-me ir. Permitia-me tudo. 

O meu cruzeiro era à vela,
Porque me haviam sugado a força.
E navegava 
Rigorosamente fiel aos instintos do vento. 

O mundo parecia do tamanho do universo. 
O universo parecia do tamanho da Beleza. 
E a disposição um brinquedo sexual do vento. 

Tudo era consentido 
Na intimidade de mim para mim próprio.
Estático, porque escrevia versos, 
Extático, porque escrevia versos. 

Naquele cruzeiro de luxo, 
A restauração era à base de lágrimas, isolamento, narcóticos e poemas. 

Até que a Terra ficou do tamanho da Terra, 
O universo do tamanho do universo, 
A Beleza do tamanho do infinito.

Descobri, no cruzeiro de mim mesmo, 
Uma âncora florida a pétalas brancas. 

O vento parou.
Atraquei. 

A perfeição que existe hoje, 
De ter chegado a Ítaca,
É anestésica como uma epopeia. 

O que há depois dos finais felizes?

Artigo revisto por Maria Ponce Madeira

AUTORIA

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Um indivíduo que o relembra, leitor, de que os livros e as opiniões são como o bolo-rei: têm a relevância que se lhe quiser dar. O seu maior talento é insistir em fazer coisas que não servem para nada: desde uma licenciatura em literatura luso-alemã, passando por poemas de qualidade mediana, rabiscos de táticas de futebol (um bizarro guilty pleasure) ou ensaios filosofico-autobiográficos, sem que tenha ainda percebido porque e para que o faz. Até porque já ninguém sabe o que é um ensaio.