O melhor da Sétima Arte nacional
Desde a projeção dos primeiros filmes portugueses dirigidos por Aurélio Paz dos Reis em 1886, o cinema português foi alvo de críticas negativas. Atualmente, há cineastas que são reconhecidos internacionalmente, tal como Manoel de Oliveira (1908-2015), premiado com o Leão da Honra do Festival de Veneza, sendo a nível mundial o realizador cuja carreira foi a mais longa da história da cinematografia.
De modo a lembrar o potencial da sétima arte nacional, sugerimos quatro obras cinematográficas produzidas no país do sul da Europa onde se comemora a História, a cultura e a tradição.
Os Maias: Cenas da Vida Romântica (2014), de João Botelho
A longa-metragem dramática e romântica de João Botelho desenha o percurso detalhado da vida de três gerações da família Maia. Os seus obstáculos, a nível pessoal e social, são exibidos através de uma lente externa que oferece ao espetador uma visão pormenorizada da vida da classe média-alta. Desse modo, o autor apresenta uma crítica do retrocesso que dominava a capital portuguesa do século XIX.
A tragédia da vida do médico aristocrático Carlos da Maia (Graciano Dias) começa, cresce e termina ao mesmo ritmo do que a trágica História de Portugal. Na companhia do seu amigo próximo, o escritor João da Ega, Carlos desfruta da sua vida ociosa e repleta de paixões até ao momento em que se apaixona por Maria Eduarda (Maria Flor), uma mulher bela e misteriosa.
Neste romance revolucionário, o amor entre os protagonistas protagoniza o pecado. É uma união vertiginosa que vai além da escuridão do passado para chegar a um novo e mais obscuro abismo, o incesto.
Apesar da escassez de recursos cenográficos, o realizador conseguiu alcançar uma profundeza espacial que nos transporta até à época onde se desenrola a trama. A adaptação cinematográfica de uma das mais importantes obras da Literatura portuguesa, da autoria de Eça de Queirós, não ficou aquém das expetativas.
Call Girl (2007), de António-Pedro Vasconcelos
Dois anos após a estreia do primeiro filme no qual participou, O Crime do Padre Amaro (2005), cuja projeção originou comentários negativos da sociedade conservadora portuguesa, Soraia Chaves volta a assumir o seu caráter sensual na interpretação da personagem Maria, uma mulher poderosa e irresistível, uma call girl de luxo que vive no mundo da sedução e da ambição.
É empregada por Mouros (Joaquim de Almeida) e tem como dever seduzir o presidente da Câmara Municipal de Vilanova, Meireles (Nicolau Breyner). O objetivo é convencê-lo a autorizar a construção de um empreendimento por uma multinacional.
Diante de sinais de corrupção, dois polícias, Neves (José Raposo) e Madeira (Ivo Canelas), investigam Meireles. Madeira apercebe-se de que a cúmplice é o amor da sua vida, por quem ainda se encontra vivamente apaixonado, anos após o primeiro encontro. No desfecho, Maria enfrenta um dilema significativo: perseguir o seu papel de mulher manipuladora até ao fim ou ceder diante do seu ponto fraco.
Call Girl foi adicionado ao catálogo da plataforma da HBO Portugal no dia 1 de janeiro. A importância do filme no cinema nacional reside na sua ousadia face ao tradicionalismo da altura, tendo sido o papel da atriz principal imprescindível na luta contra o espírito retrógrado da sociedade portuguesa.
Numa entrevista ao Expresso em março de 2018, a figura feminina reflete sobre o tema da sensualidade, enfrentando os preconceitos e reafirmando assim a sua identidade: “A exposição da alma é bem mais generosa e difícil do que a exposição de um corpo.”
Soraia Chaves participou também em A Vida Privada de Salazar (2009), de Manuel Fonseca, um filme histórico de drama e romance que desenha o retrato realista da história pessoal do líder do governo ditatorial do Estado Novo.
A Gaiola Dourada (2013), de Ruben Alves
Uma outra figura importante da arte do cinema português é Rita Blanco, atriz bem-sucedida que pertence ao elenco de A Gaiola Dourada, um filme realizado pelo cineasta luso-francês Ruben Alves. A sua infância na França foi o elemento que inspirou a génese da obra cinematográfica baseada na história de um casal de emigrantes, Maria (Rita Blanco) e José Ribeiro (Joaquim de Almeida).
O enredo desenvolve-se em torno da receção da notícia do possível regresso a Portugal, sendo esse o maior sonho de Maria e José, personagens simpáticas e humildes, após trinta anos de vivência num bairro luxuoso de Paris.
A vida do casal é vítima de uma reviravolta quando os dois se apercebem de que a sua presença em Paris é essencial para muitos. Os patrões, familiares e vizinhos decidem, de forma independente, convencer a família Ribeiro a pensar duas vezes antes de abandonar o país.
Para além de ter tido uma influência positiva no estudo sociológico da comunidade portuguesa emigrante, o filme foi elogiado pelos críticos franceses, devido à qualidade cenográfica e à sensibilidade do autor. Sincero e solidário.
O título também merece elogios, sendo uma analogia inteligente que resume perfeitamente o filme. As personagens sentem-se presas numa gaiola, Paris, mas esta é dourada, porque lhes permite o desenvolvimento de uma vida de qualidade que não seria possível em Portugal em tempos de crise. A distância entre eles e a família acentua o sentimento de aprisionamento, mas o bem-estar e a estabilidade que a França lhes oferece é um luxo.
Uma verdadeira homenagem aos “avecs”. A comédia foi um sucesso de bilheteiras no território nacional, sendo a longa-metragem mais assistida de 2013 em Portugal.
A Herdade (2019), de Tiago Guedes
A família é o tema que está no coração de outro filme português bem-sucedido, A Herdade. O cineasta português Tiago Guedes retrata a história política, económica e social de Portugal, do ponto de vista de uma linhagem familiar de ricos proprietários rurais.
Com a participação de Albano Jerónimo e Sandra Faleiro como protagonistas, a longa-metragem revela a história dos portugueses que herdaram um dos maiores latifúndios da Europa. Situada na margem sul do rio Tejo, é o cenário no qual se desenvolvem as cenas mais marcantes do filme que traça a vida político-social de Portugal desde a Primavera Marcelista até à Revolução de Abril, passando pelos dias de hoje.
A Herdade é um conto épico que em nenhum momento põe à prova a harmonia possível entre temas distintos, como o amor e a política, no mesmo relato. O filme permite-nos mergulhar nos segredos familiares e, simultaneamente, autoriza a admiração das paisagens panorâmicas devido ao seu desenvolvimento rápido mais minucioso.
Graças a um enredo que floresce à volta dos rumores da revolução e dos conflitos entre as gerações da família de João Fernandes (Albano Jerónimo), o filme luso comoveu a sociedade e conquistou lugares nos festivais de cinema internacionais.
A obra cenográfica de Tiago Guedes foi bem recebida em Veneza e em Toronto, sendo, sucessivamente, o candidato português a uma nomeação para o Óscar de melhor filme estrangeiro de 2019.
A Herdade estreou no início de dezembro na RTP1 e encontra-se atualmente disponível no catálogo da HBO Portugal.
Artigo redigido por Marília Lúcia
Artigo revisto por Ana Sofia Cunha
Fonte da imagem de destaque: Medeia Filmes
AUTORIA
Aspirante a jornalista, nasceu no coração da Europa e foi laureada com o diploma do European Baccalaureate. O amor pela escrita está sempre presente na sua vida, sob a forma de diários de viagem e artigos de opinião. Sonha em ser redatora, vive da curiosidade e da criatividade. Desde nova, dedica-se a experiências que abrem os horizontes do seu mundo pessoal e profissional.