Opinião

Pêras e Abacates: A justiça tem de ser cega, mas a imprensa não

José Sócrates foi detido à chegada ao aeroporto de Lisboa, na passada sexta-feira. Esta detenção já em si foi chocante, não só porque já vem tarde, na minha opinião, mas porque tal é inédito em Portugal. Algo igualmente chocante foram, no entanto, os comentários que alguns comentadores e jornalistas mediáticos fizeram sobre o acontecimento.

A justiça em Portugal parece estar a mudar para melhor nos últimos tempos. Falo concretamente do caso dos “Vistos Gold” e, agora, da detenção de José Sócrates. A mesma tem de ser cega e, infelizmente em Portugal, a “máscara” com que tapa os olhos, como simbolismo disso mesmo, parece ter muitas vezes, ironicamente, dois buracos para os olhos, como as máscaras que usam os ladrões, espreitando muitas vezes para ver as dimensões económicas, políticas e mediáticas de quem irá julgar, ou não. Já assim tinha acontecido com Sócrates há uns anos. Esperemos que agora seja diferente. Todos são inocentes até prova em contrário, sem dúvida, mas Sócrates já deixou, há muito tempo, de ser inocente aos olhos do tribunal social.

A justiça, desta vez cega, actuou e ordenou a detenção de José Sócrates, que aconteceu à chegada ao aeroporto de Lisboa. Esta é a parte que para aqui trago, porque, em relação à culpa ou não de Sócrates, já sou há muito tempo da opinião de que Sócrates é, de facto, culpado. Também porque não falarei do que ainda não sei, visto que, até ao fecho desta edição (24/11/14), apenas tinha sido indicada a prisão preventiva de José Sócrates sem causas justificadas. Porém, falou-se muito não só da atitude da polícia, como da da comunicação social neste processo. Do que ouvi, discordei bastante. Primeiro, como referi antes, a justiça é cega e, como tal, tem que tratar todos os cidadãos da mesma forma: como cidadãos. A ordem de detenção foi emitida e a polícia agiu (provavelmente com receio da fuga de Sócrates), detendo Sócrates mal este chegou ao aeroporto. Foi dito que não deveria ter sido assim. Devia ter sido dentro da manga do avião de uma forma mais escondida. No fundo, pedia-se tratamento especial porque se tratava de um ex-primeiro-ministro, uma figura pública com reputação nacional e internacional (o que quer que seja que isso quer dizer). Ouvi ainda que tal “espectáculo” era desprestigiante para Portugal (a isto já voltarei mais tarde). Por fim, acusaram a comunicação social de ter ajudado ao “circo” que foi montado no aeroporto; comunicação social que, a bem ou a mal, já sabia o que se iria passar e estava, por isso, a postos aquando da chegada de Sócrates. Este “argumento” perde força quando se “sabe” que José Sócrates também já teria conhecimento de que iria ser detido, adiando assim várias vezes o seu regresso a Lisboa.

O que é preciso perceber, na minha opinião, é que não podemos misturar alhos com bugalhos. A acção da polícia e da comunicação social são duas coisas distintas. Sócrates foi detido por suspeitas de práticas de crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais: ponto. A polícia fez o seu papel. A mediatização de todo o processo é algo completamente diferente. Aos olhos da justiça, Sócrates é nada mais do que um cidadão português, mas, aos olhos da comunicação social, é muito mais do que isso. Aliás, tem de o ser! Porque a imprensa não pode ser cega. Sócrates não foi só ministro do ambiente e do ordenamento do território ou primeiro-ministro, para citar alguns cargos mais importantes; esteve também envolvido em casos de corrupção, como o “Freeport” ou ”A Face Oculta”. Foi inclusivamente apelidado, por Charles Smith, de alguém que esteve envolvido em negócios (negociatas, mas pronto…) com o próprio, de corrupto. Ou seja, estas suspeitas não são coisas novas para Sócrates. Não se mediatizou alguém que era muito bonzinho e admirado por todos. O caso foi bastante mediático porque a pessoa em si é também bastante mediática – infelizmente, pelos piores motivos. Tanto a justiça, como a polícia e a comunicação social fizeram, na minha opinião, o seu papel.

Em relação ao que ouvi sobre o desprestígio que isto daria ao país, não podia estar mais em desacordo. Já chega de ver impunes quem mais tirou ou tira aos portugueses, de ver ex-políticos em cargos de excelência de empresas com quem negociaram enquanto membros do governo. Sempre disse: na Irlanda do Norte, quem levou o país à banca rota através de actos ilícitos está preso; em Portugal, estão no horário nobre. Penso que, seja ou não provada a culpa de Sócrates, ver a justiça actuar quando há suspeitas para tal só pode trazer prestígio a um país onde a corrupção passa, quase sempre, impune.

Volto a repetir: a justiça tem de ser cega, mas a imprensa não o pode ser.

CRÓNICA - A Justiça tem de ser cega, mas a imprensa não - Pedro Mateus

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