Preguiça
Depois de ouvir os doces comentários de um youtuber acerca de como todas as doenças mentais são “uma grande treta inventada por essa malta esquerdista”, senti-me inspirado a escrever esta crónica. Admito a tentação, mas não vou deixar aqui o link do vídeo, apenas por não querer que essa “obra-prima” receba mais visualizações. Portanto, senhor vlogger, dê-me um bocadinho da sua atenção, se faz favor.
Há uma diferença clara entre as patologias mentais e as doenças físicas – aquilo que designo por hipersubjectividade.
A experiência de um doente psiquiátrico é estritamente solitária. Sim, claro que a dor de um doente oncológico também não pode ser partilhada, mas pode ser empiricamente detetável. Mas não há análise ao sangue que detete uma depressão. Não há eletrocardiograma que diagnostique a esquizofrenia, nem uma biopsia que acuse uma doença bipolar. É isto fundamentalmente que separa as patologias mentais das doenças físicas: uma pessoa com depressão pode ser acusada de fabricar a sua doença para benefício próprio; “mais um subsidiozinho”, como dizia o ilustre José Rodrigues dos Santos. Já um doente de cancro nunca é acusado de mentir – como poderia ele? As análises e os sintomas são visíveis, inegáveis.
É aqui que reside a grande fonte do estigma associado às doenças mentais. Quantos de vós ouviram dizer que “eu também fico muito nervoso antes de fazer um teste”, ou que “era preciso é que voltasse a tropa obrigatória para esses meninos mimados”?
Os dados podem ajudar, mas apenas aos que se interessarem por eles: o suicídio é agora a terceira causa de morte em adolescentes norte-americanos, por exemplo.
Um deprimido não é um preguiçoso, nem alguém que “não quer trabalhar”. É alguém que, afligido pela sua má genética e/ou más experiências de vida, está num marasma, num labirinto sem saída. Quando estes pensamentos entram na nossa cabeça, agarram-se e criam raízes – tudo se torna inútil, niilístico. O sexo não dá prazer, o corpo dói e a morte já não assusta.
Felizmente, graças à ciência, e à sua ausência de estigmas, temos agora tratamentos eficazes para estas doenças, desde a medicação psiquiátrica à terapia psicológica. Coisas que este vosso cronista admite com orgulho que lhe devolveram qualidade de vida.
A próxima vez que ouvirem uma dessas “belas” frases e que isso vos deixe em baixo, façam o que agora vos digo: tenham pena dessa pessoa. A arrogância e a ignorância andam sempre de mãos dadas.
AUTORIA
João Carrilho é a antítese de uma pessoa sã. Lunático, mas apaixonado, o jovem estudante de Jornalismo nasceu em 1991. Irreverente, frontal e pretensioso, é um consumidor voraz de cultura e um amante de quase todas as áreas do conhecimento humano. A paixão pela escrita levou-o ao estudo do Jornalismo, mas é na área da Sociologia que quer continuar os estudos.