Editorias, Opinião

Respeito hereditário

Artigo escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico

Uma das oposições mais violentas que tenho à religião organizada é a sua fé no dogmatismo. Ao invés das ciências ditas exatas, ou até das ciências sociais ou da filosofia, o sistema de crenças religioso baseia-se na verdade absoluta. Encadeada, irrefutável, eterna. Impermeável a estímulos externos, a novas descobertas nas áreas do conhecimento humano, ou a novas correntes de pensamento. Não obstante, não é só no reino de Deus que se fala de dogmatismo.

Há construções sociais que aceitamos passivamente. Contractos invisíveis que permitem que vivamos em sociedade. Hipocrisias, traduzindo as prévias orações para a minha opinião. Há um campo em específico em que esta conversa de despotismo da verdade é muito usada: o respeito ao próximo. Fala-se muito em axiomas no que toca à reverência a outros indivíduos: devemos respeitar os idosos e as suas opiniões, porque estes têm experiência de vida; as crianças e os adolescentes, pela sua inocência e ingenuidade; os nossos progenitores, porque praticaram o coito que, intencionalmente ou acidentalmente, levou ao nosso nascimento. Um dos meus heróis, o falecido comediante George Carlin, ao abordar a temática dos 10 mandamentos num dos seus stand-ups, referiu o seguinte ao analisar a 5ª ordem divina: “Honra o teu Pai e a tua Mãe. Obediência. Respeito por autoridade. Apenas mais uma forma para controlar as pessoas. A verdade é que a obediência e o respeito não deveriam ser automáticos, mas sim merecidos e baseados na performance dos pais. Alguns pais merecem respeito, a maioria deles não. Ponto final.”

A biologia, a mão genética involuntária e inelegível que recebemos à nascença, não cria nem deve criar laços de empatia automáticos, robóticos ou “zombísticos” com ninguém, particularmente no que toca ao relacionamento que temos com os nossos progenitores. O conceito de amor incondicional, de uma estática sentimental imutável por factos ou atitudes externas, é uma doença, um sinal de submissão e de vassalagem cega, de um escravo apaixonado pelas próprias correntes. É ser-se castrado de livre arbítrio emocional. É a causa da perpetuação da violência doméstica de quem se diz “ser amado de uma forma menos convencional”. É o porquê dos que se sentem culpados de ter um pai bêbado ou um tio pedófilo. São as saudades de quem é expulso de casa por ser homossexual.

Amem quem merece e os outros que se lixem. Ninguém deve amor nem respeito a ninguém. Não há um laço, um elo visível ou invisível que obrigue ao amor compulsivo, ao respeito injustificado. Quem que diz que ama, aconteça o que acontecer, é, tal dizia C. S. Lewis quando se referia à personalidade de Cristo, um mentiroso, um lunático ou um messias. Esta última parcela é discutível. Até porque não sou o tipo de gajo que oferece a outra face.

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“Jonathan Allen, um jovem de 20 anos expulso de casa dos pais por ser homossexual. Aspirante a cantor e concorrente ao programa America’s Got Talent, disse aos jurados que continuava a amar os pais com todo o coração.”

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