Opinião

“O estado-social é imoral!” – uma resposta

Este artigo é uma resposta escrita à crónica de Telmo Azevedo Fernandes publicada no jornal online “Observador”, passível de consulta aqui.

Não faço a minima ideia de quem seja Telmo Azevedo Fernandes e, com todo o respeito, não tenho interesse em saber, principalmente depois do vómito asqueroso que o vi projetar para as páginas do Observador, conhecido jornal online de direita regido pelo curioso misto de valores “iluministas e cristãos”.

Depois dos clássicos títulos, igualmente exclamados, “Imposto é roubo!” e “Liberalismo, sempre!”, Telmo traz-nos outro clássico da estupidez com “O Estado Social é Imoral!”.

O Licenciado em Relações Internacionais apela a um objetivismo ético, à la Ayn Rand, a sempre sensual musa do egoísmo. Rand, que, recordo eu aos leitores, acabou a vida a pedir uns trocos à segurança social.

A deliciosa existência libertária que D. Telmo defende seria, para todos os efeitos e feitios, o fim da humanidade. “Ao prometer segurança, rendimento básico e subsídios às pessoas, o Estado compra a liberdade do indivíduo e garante a futura servidão deste perante o poder”, diz. Este papaguear já conhecido das direitas é de uma abjeção atroz. Malvado o Estado que dê o rendimento básico a um indivíduo! Antigamente, nos tempos da tuberculose, da sardinha para três e da água não potável, é que se vivia bem!

Telmo Azevedo também é venerador do livre arbítrio e certamente do famoso mote pull oneself up by one’s bootstraps – “Se queremos uma sociedade mais digna, a tónica tem de ser dada não à sustentabilidade do nosso estado social, mas sim à necessidade de reconquistar a nossa liberdade individual.”. A liberdade individual de quem nasce na sarjeta, doente, indesejado pelos pais, desprezado pelos amigos e marginalizado pela sua raça ou religião. Nascer com a colher de prata na boca tem que se lhe diga.

Foi aqui que atingi a fase do artigo em que não mais fui capaz de resistir à tentação de procurar a área de trabalho do Telmo. Como esperado é um númerico, adapto das economias! Fez-se luz; agora percebo o objetivo disto tudo: “Devemos lutar para que os poderes e âmbito de actuação do Estado sejam drasticamente diminuídos e que nos deixem tratar das nossas próprias vidas.”. O amigo Telmo é certamente daqueles adeptos da redução de impostos nas empresas. “O Estado que largue as nossas empresas!”, dizem eles enquanto fingem utilizar os superavits para a criação de postos de trabalho. “Deixem-nos trabalhar em paz!”, dizem eles enquanto derrubam as leis Glass-Steagall (legislação americana que, através da separação do commercial e investment banking, deu quase 80 anos à América sem uma crise bancária). “Cumprimos fiscalmente!”, dizem eles enquanto causam o dominó financeiro de 2008. Take the money and run, choram eles, os queridos ratos modernos.

Uma frase especialmente asquerosa do Sr. Azevedo relaciona-se com a 3ª idade: “Exemplo disso são as pensões e reformas. Estas são pagas com os rendimentos de quem está no ativo e não com o dinheiro de quem se aposentou, ficando estes por vezes em situação mais confortável do que os que ainda trabalham.”. Não posso falar pelo alheio, mas estou extremamente orgulhoso de ser capaz de contribuir para a reforma dos outros, para a manutenção dos serviços mínimos nacionais, para o subsídio de desemprego das pessoas que vivem em dificuldades e mesmo para ajudar o querido Telmo, que, talvez um dia, quando estiver num hospital público a lamentar a sua sorte, porque o tratamento de que precisa não existe em terrenos privados, sinta no céu o brilhar forte de uma estrela – a gigante vermelha “Marx”. When you wish upon a star…

Felizmente o mundo dos ricos não tem só Telmos, também tem Rui Nabeiro, Bill Gates e Warren Buffett, homens dignos do dinheiro que têm. Bill Gates já pediu em público para que o estado o taxasse mais, Rui Nabeiro aumentou o salário dos empregados em tempo de crise e Buffett firmou o compromisso de doar pelo menos metade do seu património à caridade.

Telmo, como todos os hipócritas libertários, utiliza o fruto social enquanto o renega. Utiliza-o quando usa uma estrada, quando põe o lixo à porta para ser recolhido, quando passeia o seu caniche por um jardim público arranjado ou quando saceia a sede num chafariz.

São este tipo de criaturas mimadas que param o avanço da Humanidade, que apelam ao nosso cérebro de lagarto, incapaz de compaixão, de amizade ou de fazer o que o bom Atticus Finch nos ensinou em To Kill a Mocking Bird“You never really understand a person until you consider things from his point of view – until you climb into his skin and walk around it.”.

O mundo de sonho de um libertário é um mundo porco, de desconfiança total, de exércitos privados e de ausência de infraestruturas. Triste o jornal que dá voz a este discurso mesquinho e infantil. Mas é o Observador.

 

Esta crónica é escrita ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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