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A Anatomia de um Suspiro, por Wilbur Soot

Um suspiro de reflexo é, segundo diversos estudos, muito mais do que um sinal de depressão ou sentimentos menos positivos; é, acima de tudo, uma ação que mantém as funções respiratórias do corpo em bom funcionamento. É uma função sustentadora da vida humana, apesar de tudo. Algo comum a vários mamíferos, é um reflexo que surge após um longo período submerso em água. O fenómeno consiste num ataque de ansiedade que obriga o animal a ir à superfície em busca de ar. Esta necessidade primitiva força vários da espécie a continuar a viver com suspiros ocasionais.

Posto isto, o álbum Mammalian Sighing Reflex, de Wilbur Soot, leva-nos numa jornada de autoavaliação, exaustão e situações de burn out.

Quem é Wilbur Soot?

Para aqueles que conhecem Wilbur a partir da música, é um tanto chocante descobrir o contraste entre a  profundidade da sua arte e a carreira que o lançou na internet. O atual músico iniciou a sua carreira no Youtube, onde teve atenção pela primeira vez em 2017, e, a partir de 2020, cresceu também na Twitch. Foi também em 2020 que se lançou na música, ainda que tenha sido através da vertente de comediante, mais tarde percebendo que, de facto, queria seguir esta área de uma maneira séria.

Nesse mesmo ano lançou o álbum Your City Gave em Asthma, onde deixou o público conhecer um lado mais profundo e pessoal da sua arte. No ano seguinte, chegaram até nós os Lovejoy, a banda na qual Wilbur participa como vocalista e que está, até hoje, a crescer cada vez mais em termos de público. Até 2023, o público conheceu várias músicas e lados dos Lovejoy, sendo Call me What You Like, One Day e Perfume as mais conhecidas, e Normal People Things a mais recente.

Mammalian Sighing Reflex

O álbum abre com Amazon Standing Lamp, onde o cantor reflete sobre o facto de  a tristeza e a depressão serem o motivo de vários amigos se terem afastado da sua vida, sendo que a única luz que lhe resta é a luz artificial da lâmpada, que acompanha os sentimentos de solidão.

Em Around the Pomegranate, são explorados sentimentos de luto, provavelmente ligados à morte de um dos seus amigos, conhecido na internet como Technoblade. Além disso, é aqui que começam a ser expostos os sentimentos relativamente aos concertos constantes, bem como tudo o que a carreira na música tem envolvido, terminando a música num outro, no qual o cantor suplica pela normalidade que já esteve presente na sua vida.

I Dont’t Think It’ll Ever End é uma das músicas em que dá para sentir a teatralidade presente na maior parte da discografia dos Lovejoy, sendo esta faixa apenas um monólogo que recorre ao sarcasmo para refletir os mecanismos de defesa do compositor.

Há um ditado inglês que diz “Those who live in glass houses shouldn’t throw stones”; no entanto, em Glass Chalet, presenciamos o cantor numa casa de vidro a atirar pedras, na esperança de que estas voltem para ele. A hipocrisia é explorada aqui, e a metáfora é utilizada para justificar sentimentos de aversão do escritor por si mesmo.

A próxima faixa aborda não só a ansiedade e depressão do artista, como também o desgosto pela indústria da música ser guiada pela procura incessante de dinheiro. Este álbum foi lançado “do nada”, sem promoções, quase como uma maneira de o músico conseguir ganhar controle sobre a situação.
Recentemente, junto com a publicação no Youtube da versão de Mammalian Sighing Reflex com áudio melhorado,  o cantor mencionou uma breve pausa não só na carreira musical, como também nas redes sociais pelo bem da sua saúde mental, admitindo que a vaga de concertos de 2023 o afetou, ainda que tenha sido uma ótima experiência.

Oh, Distant You e Eulogy andam ambas em volta do arrependimento e sentimentos de hipocrisia relativamente a relações amorosas do passado. Em Dropshiped Cat Shirt observamos uma mudança de pensamento do escritor, onde ele se apercebe do quanto a sua vida se tornou preenchida por shots instantâneos de dopamina, acompanhados por stress e extravagância, e admite que o que mais quer é sentir-se aborrecido outra vez.

As últimas músicas abordam os mesmos temas de introspeção sobre sentimentos e situações pelas quais o cantor passou nos últimos anos. Fechamos o álbum com 10 Week Rule, que pode ser interpretada literalmente, onde assumimos que o cantor passou por uma situação que envolveu um aborto – sendo que dez semanas é o tempo limite para se poder fazer um aborto medicado –, ou no sentido metafórico, onde podemos pensar que o cantor vai “fazer um aborto” ao seu eu antigo, tornando-se numa nova pessoa, ou numa nova versão.

Apesar de tudo, na faixa The Median, composta apenas por um verso, Wilbur pede simultaneamente para não o inquirirem sobre o significado das músicas. Além disso, pede para não ser mal-interpretado, navegando mais uma vez por sentimentos contrariantes de não querer explicar a sua arte por causa do momento em que foi produzida e do incómodo que esses tempos lhe trazem, mas também de não querer um significado errado atrelado a ela.

Deixo aqui uma sugestão de álbum para aqueles que gostam de sentimentos reais e honestos na arte, entregues com um toque de teatralidade e poesia.

Fonte da capa: Twitter/X

Artigo revisto por Sofia Santos

AUTORIA

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Com interesses em várias áreas, a experimentação faz parte do currículo da Joana. Atualmente estudante de Publicidade e Marketing na Escola Superior de Comunicação Social, quer desenvolver o amor que tem pela escrita utilizando a Magazine como ponto de partida. Desde a música, passando pela política, filosofia e até ficção, são várias as áreas onde pretende deixar as suas palavras escritas.