A Música como Arma de Protesto
25 de abril de 1974. O dia do derrube do regime ditatorial do Estado Novo e a implantação de um regime democrático. Celebra-se esta segunda-feira 48 anos da luta pela liberdade. Uma revolta liderada por um movimento militar – Movimento das Forças Armadas – que de forma discreta organizou o golpe. Ocuparam os estúdios da Rádio Clube Português e, através da rádio, explicaram o que pretendiam fazer: tornar o país numa democracia. Além do apoio popular, dos cravos e da forma pacífica como decorreu, a música também teve um papel de destaque. Passado quase meio século, as duas senhas de saída, E Depois do Adeus e Grândola, Vila Morena, ainda estão na memória de cada um de nós.
A música de intervenção é um tipo de música que tem o intuito de enfatizar um problema político, social ou económico que não está a ter a devida atenção. Era muito popular e utilizado nos anos 60 e 70, uma vez que a percentagem de pessoas analfabetas era grande e a música conseguia atingir as várias camadas da população. Em Portugal, teve o seu auge na ditadura do Estado Novo.
Às 22h55 do dia 24 de abril de 1974, E Depois do Adeus foi transmitida. A razão pela qual foi escolhida traduz-se simplesmente pela sua imparcialidade. Como foi a música vencedora da 12.ª edição do Festival RTP da Canção e como era conhecida da altura sem conteúdo político era perfeita, uma vez que não haveria suspeitas de uma segunda intenção. Letra de José Niza, composição de José Calvário e interpretação de Paulo de Carvalho. Muitos tentam interpretá-la de forma política, com o “adeus” a referir-se ao fim do regime, mas é apenas uma balada dos anos 70.
Por outro lado, Grândola, Vila Morena já é uma música austera, real e assente numa mensagem política óbvia. É um poema e canção composta e interpretada por Zeca Afonso, tendo sido, em 1974, ilegalizada pelo Estado Novo, pois segundo o regime fazia alusão ao comunismo.
José Afonso passou vários anos na prisão e como o seu nome era proibido nos jornais, utilizava “Esoj Osnofa”, o nome escrito ao contrário. Às 00h20 do dia 25, ouviu-se o locutor da Rádio Renascença no programa Limite a recitar os versos “Grândola, vila morena/ Terra da fraternidade/ O povo é quem mais ordena/ Dentro de ti, ó cidade”, começando assim a revolução. Tornou-se o hino da Revolta dos Cravos.
Além de Paulo de Carvalho e Zeca Afonso, outros artistas como Sérgio Godinho, José Mário Branco, Vitorino, Luís Cília, Fausto Dias, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e Carlos do Carmo marcaram a música de intervenção daqueles anos de ditadura. Um mês antes do 25 de abril de 1974, aconteceu no Coliseu dos Recreios o I Encontro da Canção Portuguesa: foi uma forma de protesto e de denúncia da ditadura do Estado Novo.
A sua concretização foi difícil e quando aconteceu a adesão foi incrível, não ficando um lugar disponível. A Polícia de Segurança Pública e a Guarda Nacional Republicana não receberam ordem de dispersão e permitiram a sua concretização, porém com toda a censura instalada.
Passaram quase 50 anos e a música continua a ter um papel fundamental nos dias de hoje. A música de intervenção pode já não ser utilizada como há 48 anos atrás, no entanto, aos poucos está a surgir de novo.
Atualmente, Dino D’Santiago é um dos nomes da música interventiva. Em março de 2021, num espetáculo transmitido pelo jornal PÚBLICO cantava: “Dizem preto vai para a tua terra / Sai daqui que não és ninguém” – versos de Flan Pamodi (disponível no álbum Kriola). A luta antirracista, tanto em Portugal como noutros países, tem sido a motivação de muitas das músicas de intervenção. Na transmissão encontrávamos em destaque notícias sobre crimes ou injustiças raciais, entre eles Alcindo Monteiro e Bruno Candé.
Os anos passam, mas o papel que a música desempenha perdura. Continua com o seu carácter intemporal e é regularmente utilizada como “arma de protesto”, para expor situações que têm de ser discutidas pelos cidadãos.
Fonte de capa: Getty Images
Artigo revisto por Ana Sofia Cunha
AUTORIA
A Mariana, estudante de jornalismo, nunca pensou que a sua vida iria tomar este rumo. Mas, recentemente, descobriu a sua paixão pela escrita e pela comunicação. Aventurou-se na escs magazine para sair da sua zona de conforto e atingir todos os seus objetivos. Curiosa e observadora acredita que este é o lugar certo para ela!