“À Porta da Eternidade” ou quando a pintura e o cinema entram num bar
Mais do que um filme sobre a vida e obra de Vincent Van Gogh, À Porta da Eternidade, de Julian Schnabel, é um quase uma pintura em movimento do artista holandês.
William Dafoe transforma-se completamente no incompreendido e atormentado artista e é absolutamente brilhante na sua performance, permitindo-nos sentir a espiral de esperança, confusão, desilusão e angústia pela qual Van Gogh é engolido ao longo da sua curta vida. Mas, embora seja um filme sobre a vida do pintor, é certo, a obra também nos deixa com a ideia de que é o pretexto perfeito para fazer um filme sobre a sua arte. Quase como um estudo, uma análise, ao olhar do artista e de que forma esse olhar se refletia na tela.
É que há muito tempo que a pintura e o cinema se cruzam. Basta olharmos para filmes como: Shutter Island, de Martin Scorsese, e a sua referência a Gustav Klimt; a icónica cena de 1988, no filme The Adventures of Baron Munchausen, na qual Uma Thurman recria a pintura Birth of Venus, de Botticelli; ou ainda a subtil posição de Scarlett Johansson em Lost in Translation, a fazer lembrar a Jutta, de John Kacere. O fascínio pela colisão entre as duas artes está longe de ser novo, mas a forma como a colisão é feita aqui, por Julian Schnabel, está longe de ser comum. O único filme de que me lembro que tenha seguido as mesmas linhas é Frida (2002), de Julie Taymor, que retrata a vida e obra de Frida Khalo. E porquê?
Porque as cores mais utilizadas pelos artistas nas suas obras são também as cores mais presentes no filme e, no fundo, é como se o ambiente criado nos permitisse entrar dentro de um dos seus quadros.
Schnabel, o realizador de À Porta da Eternidade, é também pintor e, por isso, tem a sensibilidade estética necessária para saber tomar as rédeas de uma obra como esta. Sabe que nas pinturas de Van Gogh predominam principalmente os azuis, amarelos, verdes e alguns lilases – são essas mesmas cores que vemos no ecrã durante todo o filme. Sabe que Vincent pintava com muita tinta e, por isso, são frequentes os planos de pormenor em que vemos as pinceladas sobrepostas e o relevo nas telas. Sabe também a importância dos planos nos quais o público é colocado na posição da personagem, para que possa sentir o que ela sente e ver o mundo como ela vê.
Mas, para além de Schnabel, há outro nome do qual é impossível fugir neste filme: Bênoit Delhomme, o cinematógrafo. Delhomme afirmou, numa entrevista, que a ideia inicial não era “forçar” a estética de Van Gogh no filme, mas que isso simplesmente acabou por acontecer de forma inconsciente enquanto filmavam. Foi um processo experimental, que incluiu filmar em sítios onde o próprio Vincent esteve, e, portanto, as cores já lá estavam (afinal, Van Gogh pintou-as assim). Só foi preciso o uso de umas lentes que alteraram ligeiramente a cor e saber jogar com a luz para obter o resultado desejado.
À Porta da Eternidade é uma belíssima obra da 7.ªArte, mas também um brilhante exemplo do que pode acontecer quando o cinema colide com a pintura. Van Gogh nunca soube o quão apreciado o seu trabalho viria a ser, mas bonito seria se ele aqui estivesse para ver aquilo que fizeram em sua homenagem.
Fonte da caoa: Cirko-Gejzír
Artigo revisto por Beatriz Merêncio
AUTORIA
Com 20 anos, Madalena, futura jornalista, já sabe há muito tempo que o seu futuro passa pela comunicação e é na escrita que se sente em casa. Mãe de três gatos, voluntária num abrigo de animais e fervorosa cozinheira amadora, ama dias de chuva e viagens de autocarro. É profissional da procrastinação e foi nas tardes passadas a ver filmes, para adiar o estudo, que surgiu a paixão pelo cinema.