Grande Entrevista e Reportagem

Atletas que viram os sonhos adiados devido à pandemia

Fomos todos atingidos por uma pandemia, sem aviso prévio e sem termos a possibilidade de alterar tantos aspetos da nossa vida atempadamente, mas ainda assim nunca parámos. Todos sentimos o efeito do Covid-19 nas nossas rotinas: desde a alimentação, ao exercício físico e até nos horários de sono. Tantos de nós saímos prejudicados no que toca a atingir objetivos e, por isso, apresento-vos dois testemunhos de jovens atletas que viram a sua vida adiada.

Cheila Vieira. Fotografia cedida pela mesma.

A Lisboeta Cheila Morais Vieira tem 22 anos e pratica natação artística no clube Gesloures. É integrante do dueto nacional absoluto,  em conjunto com a Maria Beatriz Gonçalvez, que tentará pela primeira vez uma qualificação olímpica desta modalidade.

A realidade mudou e as suas rotinas de treino tiveram de ser adaptadas. Antes do confinamento, começavam os treinos de manhã, com o treino de água, cerca de quatro horas. De tarde, faziam duas horas de ginásio e uma de ballet. Durante o confinamento, por vezes, tinham horas marcadas para fazer o cardio, a força, a flexibilidade e o ballet. A certa altura não lhes foi permitido treinar em piscina e por isso, tinham apenas duas horas de trabalho em água, três dias por semana.

Apesar disto, a partir do final do primeiro confinamento e até ao momento, têm conseguido treinar normalmente devido às exceções criadas para atletas profissionais.

A atleta conta que em Maio de 2020, em conjunto com a Beatriz iria participar no Torneio de Qualificação Olímpica, em Tóquio – uma prova para o qual se tinham vindo a preparar desde abril de 2019. Em janeiro de 2020 encontravam-se na sua melhor forma física devido aos treinos de natação, ballet, ginásio e sincronizada, especificamente. 

Com o início do confinamento em março, deixaram de poder frequentar a piscina. Ainda que muito trabalho seja feito fora dela, a modalidade que praticam é aquática e por isso, não poder tocar na água durante muito tempo fez com que perdessem as sensações e a técnica que precisavam para realizar os movimentos das coreografias de forma correta.

Para além disto, quando ficaram uma semana sem treinar já sentiram essa mesma falta de sensibilidade. Na primeira quarentena, ficaram três meses fora de água e, devido a isso, quando regressaram já não se encontravam na boa forma física em que estavam previamente, tendo de trabalhar de novo. 

Cheila e Beatriz. Fotografia de Luís Filipe Nunes.

Por adição, tinham como maior objetivo fazer a melhor prestação de sempre no Torneio de Qualificação Olímpica e tentar a primeira qualificação portuguesa na modalidade. Para isto, focaram-se a cem por cento, pararam os estudos e mudaram-se de Lisboa para Lagos (região onde está o Centro de Alto Rendimento). 

Cheila desabafa que por causa da pandemia a prova foi adiada para março de 2021, depois para maio e agora já não sabem se se irá realizar ou se voltará a ser adiada. Assim, conta a frustração que sentiu com toda a situação, visto terem mudado a sua vida para, na reta final, o seu sonho ser adiado.

“Estávamos entusiasmadas com a aproximação da prova e de repente ela “foge-nos”, mas focámo-nos no lado positivo: mais tempo de preparação.”

Ao não saberem como é que a situação se iria desenrolar, e visto que durante a quarentena não podiam deixar de treinar, tiveram de dar a volta e ser criativas. Assim, a treinadora e selecionadora nacional Sylvia Hernandez, criou planos de treino com materiais que tinham em casa, de forma a garantir que trabalhavam o que era necessário para não saírem de forma. Adicionalmente, as atletas treinavam, às vezes, com o clube e com a treinadora Chilua e, como atletas de todo o mundo se encontravam na mesma situação, também realizavam treinos conjuntos de forma a fomentar o apoio uns dos outros.

Pela mesma razão, a atleta evidencia o impacto da pandemia a nível psicológico. “Já não se tem segurança de nada, se as provas se vão realizar ou não, se ‘parei’ a minha vida (estudos) por algo que vai continuar a ser adiado até não dar mais para se realizar e acabar por não acontecer, se realmente se realiza a prova mas momentos antes sou infetada pelo vírus e todo o trabalho e sacrifício são ‘deitados ao lixo’.” Acrescenta que, apesar de lhe passarem imensas coisas pela cabeça quando está desocupada, quando está dentro de água não pensa em nada, consegue treinar como se estivesse tudo normal, como se o vírus não existisse.

 Cheila e Beatriz na Copa da Europa em São Petersburgo, Rússia 2019. Fotografia cedida por Cheila.

“A inexistência de provas, o sentimento de trabalhar para ‘nada’, as saudades daquele ambiente competitivo que nos faz sentir que todos os esforços e sacrifícios feitos valem a pena só para poder estar ali e mostrar o quanto evoluímos, a não possibilidade de realização pessoal após o trabalho” foram os impactos mais negativos de ser uma atleta a viver uma pandemia. 

Não tendo planeado adiar os estudos mais um ano, criou novos hábitos, mas revela que foi complicado desligar-se das distrações em casa para conseguir ir treinar.

Para já, o próximo objetivo de Cheila é participar no Torneio de Qualificação Olímpica com a Beatriz tendo a melhor prestação de sempre.

O Carlos Prieto tem 18 anos e pratica Rugby no Caldas Rugby Clube e no seu caso, a paragem forçada devido à pandemia teve um impacto bastante positivo, levando-o a conseguir recuperar a cem por cento da sua lesão. Visto que o Rugby é um desporto que implica muito espírito de equipa, com o Covid-19, a sua maior dificuldade foi treinar sozinho e com poucos equipamentos. Como ponto positivo, diz: “Um atleta conseguir olhar para trás e ver o que fez de bom e de mau, e conseguir perceber o que tem de treinar e melhorar.”

Se antes do confinamento acordava, ia dar uma corrida, seguia para o ginásio e treinava Rugby duas horas por dia, três dias por semana, agora treina em casa todos os dias.

Carlos Prieto. Fotografia cedida pelo próprio.

Quanto à sua concentração durante o treino, garante que agora se sente mais concentrado visto não ter mais nada com que se distrair para além do Rugby.

Carlos Prieto a jogar pelo Caldas Rugby Club. Fotografia cedida pelo próprio.

Com a pandemia, existiu uma mudança no seu treino. Se antes desta, a equipa só treinava o físico uma vez por semana, agora em todos os treinos têm uma hora de treino físico, em que conseguem estar a conviver todos juntos e a trabalhar ao mesmo tempo.  Adicionalmente, Carlos conta que, com a pandemia, as últimas jornadas do campeonato foram canceladas tal como o dia do Caldas Rugby Club, o Dia do Pelicano .

Para além disto, o atleta desvenda alguns hábitos imprescindíveis que o levam a cumprir os seus objetivos: Acordar cedo, treinar bem em casa e descansar muito bem.

De forma a manter as suas rotinas antes da pandemia, conta: “As estratégias foram associar a pandemia a uma final, que tem de ser jogada com concentração até ao final. As únicas diferenças da pandemia para uma final, é o facto da Covid-19 não ser uma bola e a pandemia não ter tempo estipulado. Temos de seguir as regras à risca sem muitos deslizes.”

Os atletas viram os seus sonhos adiados. Desde as alterações nas rotinas, no tipo de treino, na frequência deste, às mudanças emocionais e frustrações pelo caminho. Apesar de as suas realidades terem mudado, a sua determinação e persistência não os para. Mal podem esperar pelos objetivos que a pandemia deixou pendentes.

Artigo revisto por Constança Lopes

AUTORIA

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Sempre quis pilotar aviões, mas a vida mudou-lhe os planos e descobriu o prazer na escrita. Movida a desafios e curiosidade, a Mariana adora correr, meditar e trabalhar em multimédia. Pensa no futuro mas vive muito o presente, confia na vida e sabe que vai ter sempre um lugar para a escrita. Nasceu em Lisboa mas vive nas Caldinhas, “o oeste é vida”, garante. Perde-se no mar, mas o surf dá-lhe vida.