Editorias, Opinião

Da Democracia na América

Deixem-me, antes de mais, sedimentar a minha parcialidade: apoio o Bernie Sanders nas primárias democratas. É de notar a absoluta, mas algo bela, irrelevância desta afirmação, já que não sou estadunidense, nem tão pouco espero que este artigo seja lido por um. Não deixa, no entanto, de servir como sólido ponto de partida para esta crónica.

Devido à natureza bipolar do sistema político americano, e dada a minha orientação de esquerda, só alguém do partido democrata poderia ter o meu aval. Graças à virtual inexistência de Martin O’Malley, só Hillary Clinton e Bernie Sanders concorrem ao mais alto cargo do mundo livre.

Retrocedendo momentaneamente, lembro-me muito bem da euforia de 2008, aquando da 1ª eleição do ainda presidente Barack Obama. “Verdadeira mudança” era uma das suas bandeiras – este prometeu alterar profundamente o sistema político americano da democracia-leilão, dos lobbies e da osmose monetária de Wall Street. A verdade é que, e apesar do geral balanço positivo dos seus dois mandatos, a onda progressista de Obama murchou muito rapidamente e aquilo que era intrínseco ao sistema político nos Estados Unidos assim se manteve.

Pouco ou nada sabíamos sobre o Presidente quando este se candidatou, mas a paixão com que falava, e a vontade que demonstrou em aniquilar a promiscuidade político-económica na América apaixonou meio mundo. Agora parece que a história se está a repetir, mas não é bem assim.

Por um lado, temos a apática e quase psicopata Hillary Clinton, uma bela cadelinha corporativa, que decide a sua ideologia consoante aquilo que ditam as sondagens. Em 2002, quando as sondagens mostravam que o povo americano era contra o casamento gay, esta também o era. No mesmo ano, quando o povo apoiava, com uma natural sede de vingança, a invasão unilateral do Iraque, esta também a apoiava.

Recomendo este vídeo que, apesar do seu título algo agressivo, mas honesto, mostra inequivocamente o caráter da candidata.

A Maria de Belém americana não quer pensar pela própria cabeça. Não que esta não seja capaz de o fazer – fá-lo meramente por desejo eleitoral. A verdade é que esta estratégia está-lhe a correr miseravelmente: depois dos múltiplos escândalos económicos e estatais, a popularidade de Clinton está em queda vertiginosa há já vários meses.

Surge aqui Bernie Sanders, o novo Obama.

O problema com esta afirmação é a sua pura falsidade. O senador de Vermont, ao contrário do atual Presidente, tem anos e anos de experiência política e as suas posições estão bem documentadas, não só por escrito, mas como também no formato áudio-vídeo. Sanders demonstrou a sua espinha no passado, quando em 2002 teve a coragem de dar um discurso magnífico contra a invasão do Iraque.

Ao contrário de Clinton, apoiada por tudo o que é Super PACs e lobbies corporativos, este não recebeu um tostão de nenhum bilionário – é a sua principal bandeira de campanha e as contas são acessíveis e transparentes. Numa nota que adoça a minha boca, este não é particularmente religioso, nem tão pouco sente a falsa necessidade de apelar a essa, como já aqui lhe chamei, “arma dos simples”.

Toda a campanha de Sanders é baseada numa única coisa: a verdadeira mudança, agora sem aspas. Porque Sanders é, ao fim ao cabo, aquilo que Obama deveria ter sido – um progressista com tomates.

Este artigo é escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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