Eleições Autárquicas de 2021 – Entrevista a Bernardo Blanco: “Em Portugal, acontece-nos com frequência: nós desperdiçamos os ciclos bons, e estamos sempre aflitos quando chegam os ciclos maus.”
Sob o sol ardente da capital portuguesa, a desistência do candidato Miguel Quintas das eleições autárquicas surgiu inesperadamente, na terça-feira, dia 9 de março. O ex-cabeça de lista da Iniciativa Liberal à Câmara Municipal de Lisboa retirou-se por motivos pessoais, e o fundador Bruno Horta Soares irá substituí-lo.
Face à promessa da breve emergência de uma solução alternativa, é essencial averiguar o pensamento liberal. Este mês, essa oportunidade surgiu na conversa com um dos membros da Comissão Executiva do partido político. Bernardo Blanco ocupa o terceiro lugar na lista dos liberais à Câmara.
Nasceu em Torres Vedras a 19 de novembro de 1995 e vive em Lisboa. É licenciado pela Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade Católica Portuguesa e ingressou no Mestrado em Estudos de Governança, Liderança e Democracia do Instituto de Estudos Políticos (IEP) da mesma instituição.
Bernardo Blanco tem sido o porta-voz da luta pela liberdade económica, social e política, exercendo o cargo de assessor no gabinete parlamentar da Iniciativa Liberal desde outubro de 2019. Além disso, a nível partidário, desempenha um papel fundamental na gestão das redes sociais da Iniciativa Liberal e no domínio do networking, das relações internacionais e das parcerias com outros partidos políticos, universidades ou organizações.
Ao longo do seu percurso académico, trabalhou em consultoria e na gestão de projetos em diversas áreas. Mostrou também interesse na cidadania ativa, sendo, entre janeiro de 2018 e abril de 2019, Vice-Presidente do Instituto Mises Portugal, a primeira ONG portuguesa vocacionada para a defesa da liberdade económica e política.
Bernardo Blanco é uma pessoa de mente aberta e de pensamento estruturado e coerente. O seu espírito modesto permite-lhe dissipar a complexidade dos temas da atualidade com uma generosa dose de transparência. Por esses motivos, o seu discurso é o reflexo do liberalismo contemporâneo.
Como figuras inspiradoras de referência, salienta, na ótica pessoal, o seu avô. Na ótica profissional, evidencia o político britânico do século XIX William Gladstone e a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, embora não alinhe com a mesma em todas as áreas, sobretudo nas questões de costumes.
Em entrevista à ESCS Magazine, apresentou-nos o seu ponto de vista em relação a diferentes ramos da sociedade, como a política e a economia, passando ainda pela saúde. A sua opinião mantém-se firme ao longo do diálogo, defendendo de modo implícito a ideia expressa por Friedrich Hayek (1899-1992) de que a posição liberal é contra aquilo que o Estado concede e garante a alguns, e que não é acessível em iguais condições a outros.
Qual é o plano da Iniciativa Liberal (IL) para as próximas eleições autárquicas, tendo em conta a decisão de Miguel Quintas?
O plano é manter a mesma estratégia que já estava assumida, que é irmos com um candidato próprio. Por um lado, nós achamos que há vícios de prática política que tanto estão instalados no PS (Partido Socialista) como no PSD (Partido Social Democrata). Não nos queremos aliar a isso, sem pelo menos antes mostrar às pessoas quais é que são as nossas ideias para a cidade. Por outro lado, a nível das ideias, achamos que há propostas liberais que só podemos apresentar à cidade se formos sozinhos.
Em relação ao candidato, o núcleo já o escolheu, mas ele tem de ser aprovado pelo Conselho Nacional. Entretanto, será anunciado brevemente. Como o João Cotrim Figueiredo disse em entrevista ao SIC Polígrafo, é uma pessoa que, não só tem uma dinâmica positiva, como também está ligada ao início do partido. Por esse motivo, já tem toda a cultura e o espírito da Iniciativa Liberal em si. Consideramos isso uma vantagem.
O que pensa do regime de oligarquia em que vivemos, onde quem tiver o cartão do partido certo tem o futuro garantido?
Cada caso é um caso. Portugal é um país pequeno. Nós sabemos que uma pessoa que é nomeada por uma relação familiar, por exemplo, há de tirar o lugar a uma pessoa que é mais competente. No PS há vários casos desses. Acho que é por aí que devemos analisar a situação, isto é, pelos custos e pelas oportunidades perdidas, em que fica a perder não só a pessoa que era competente e tinha mérito, como todos nós.
É injusto se formos funcionários públicos. Obviamente, não queremos criar uma cultura de ódio ao funcionalismo público. A Iniciativa Liberal acha apenas que esse deve ser reduzido. No funcionalismo público, tanto há funcionários bons como maus. O facto de haver esses casos faz com que haja um estigma sobre todos. O setor público, tal como o setor privado, é competente e não deve ser estigmatizado devido aos benefícios que alguns possam ter.
Como é que se iniciou a sua relação com a Iniciativa Liberal? Por quais motivos é que se sentiu atraído pelo partido?
Eu sempre gostei muito de política e participei em diversos projetos, como no instituto liberal e libertário Mises de Portugal (IMP) e no Students For Liberty (SFL), que é uma ONG que tem como objetivo promover valores liberais através de uma plataforma dinâmica de jovens estudantes.
Na faculdade, também organizei vários eventos. No entanto, nunca me senti confiante para ser filiado nem no PSD nem noutro partido, porque, essencialmente, já me considerava liberal, e achava que não havia nenhum partido completamente liberal. Na altura, tive a oportunidade de conhecer pessoas que estavam a criar a IL. Mesmo assim, demorou uns meses para me convencer a tomar a decisão. Eventualmente, entrei em novembro de 2017, e o partido foi oficializado em dezembro. Já passaram mais de três anos, e temos vindo a crescer gradualmente, mas sem atalhos, que é o mais importante.
No programa online do partido, a IL afirma que quanto maior o Estado, mais centralismo, menos diversidade e menos liberdade de escolha há para os cidadãos. Em que áreas da sociedade é que se sente mais limitado, em termos de opções?
Em diversos temas, não só económicos como sociais, e quando digo sociais não é só a nível de costumes. Por exemplo, a nível da educação, das escolas públicas, não podemos escolher livremente a escola em que queremos colocar os nossos filhos. No modelo público, só se pode escolher uma escola localizada na nossa área de residência. Ainda por cima, atualmente, a morada está associada à informação fiscal, logo não se pode fazer aquilo que se fazia antes. Antigamente, as pessoas usavam as moradas de familiares de modo a inscrever os filhos em outra escola. Aliás, isso é uma prova de que as pessoas queriam escolher. O facto de as pessoas usarem métodos ilegais de modo a tentar pôr os filhos noutra escola é um sinal do desejo pela liberdade de escolha, seja pela qualidade das instituições ou pela proximidade de localização.
O primeiro passo é esse dos pais poderem escolher em que instituição do ensino público querem colocar os seus filhos. O passo seguinte é ter as escolas, seja do setor público ou privado, num único sistema, em que entram as privadas que quiserem, de modo a oferecer às pessoas uma maior liberdade de escolha.
Outro tema social é a Segurança Social. Em Portugal, não se pode escolher para onde descontar, enquanto que em vários outros países da Europa se pode. Aqui, desconta-se para o Estado e acabou. Só temos uma opção, ou seja, é uma obrigação.
Na minha opinião, esses são bons exemplos da falta de liberdade de escolha na nossa sociedade.
A Iniciativa Liberal defende o acesso universal à saúde e a liberdade de escolha entre o setor público e privado, independentemente do prestador. Os liberais querem acabar com o Sistema Nacional de Saúde (SNS)?
Os liberais não querem acabar com o SNS, nem com o direito das pessoas à saúde. Uma coisa é o direito das pessoas à saúde, outra coisa é o modo como esse direito é garantido. O que achamos é que o Estado deve garantir esse direito, mas que não tem de ser sempre o Estado a prestar. As pessoas acham este conceito complexo, mas não é.
Vejamos o exemplo do modelo atual dos testes da COVID-19. O SNS comparticipa, o utente recebe um código no telemóvel, e pode, de uma lista de entidades, sejam elas clínicas públicas, privadas ou do setor social, escolher onde é que fará o teste. Os liberais querem replicar essa situação em todo o sistema de saúde.
Quando se fala em alterar o sistema atual, parece que é algo muito irrealista. Porém, metade da Europa funciona de forma diferente, com sistemas com as suas diferenças, similares ao modelo do sistema de saúde alemão, enquanto nós funcionamos com um sistema similar ao modelo inglês. Em Portugal, nós já temos vários casos, como os testes da COVID, que replicam esse modelo. O objetivo da Iniciativa Liberal é expandi-lo, no sentido em que todo o sistema passe a ter esse modelo como base.
Pensa que as atuais ligações entre partidos, poder legislativo e empresas são nefastas para a economia?
Considero importante haver uma ligação entre o mercado e os políticos, visto que são os trabalhadores e os empregadores que sabem as dificuldades que enfrentam para criar mais oportunidades. No entanto, há dois aspetos a ter em conta. Um é que nenhum deles, sejam os empregadores ou os trabalhadores, deve fazer legislação, e isso é diferente de influenciar. O outro é garantir que todos os que interagem com os políticos estejam em pé de igualdade.
Uma empresa não pode ter mais poder do que outra empresa no que concerne a relação com o Parlamento, por exemplo. Uma empresa não pode ter mais facilidade em obter uma determinada licença, nem pode saltar uma fase de um certo processo só porque conhece alguém do Parlamento. Concluindo, depende, acho que há uma parte da relação que é positiva e outra que tem de ser evitada. Isso vê-se sobretudo na diferença entre as grandes empresas e as pequenas no que toca à relação com o Estado.
Em Portugal, o salário mensal médio é de 950€, o preço da renda de um apartamento é elevado (> 500€) e o custo mensal de um filho varia entre 200-600€. Como é possível construir uma família em Portugal? O que leva um português a não emigrar?
Sem querer arranjar desculpas, convém dar um contexto. Nos últimos vinte e cinco anos, o PS governou dezoito. Essa informação pode ajudar a explicar a situação. É uma pergunta muito difícil, porque é verdade que há certos custos, e que temos um rendimento que não aumenta na mesma proporção do que esses. Logo, ou tentamos decretar, por lei, uma baixa dos custos, ou tentamos aumentar o rendimento das pessoas. Isso é a parte mais difícil para Portugal, sobretudo quando comparamos com outros países. Há uma ligação óbvia com a falta de capital.
Efetivamente, Portugal tem pouco capital, e pouco investimento interno, já que o rendimento é baixo e, por isso, as pessoas não conseguem poupar. Sendo as taxas de poupança muito baixas, não há capacidade de investimento. Tentamos atrair investimento estrangeiro, mas há países europeus mais atrativos.
A Irlanda tem um IRC de 12% (a taxa de IRC em Portugal é quase o dobro), e atrai empresas tecnológicas que pagam muito bem. Cá temos pessoas qualificadas que recebem uma miséria e que decidem emigrar de modo a ganhar um salário três ou quatro vezes maior.
A Iniciativa Liberal propõe uma solução face à falta de capital: a redução da carga fiscal, isto é, a diminuição do valor dos impostos, nomeadamente do IRS. A nível das empresas, sugere a diminuição drástica do IRC. Na minha opinião, deveria ser no mínimo dos mínimos igual ao da Irlanda.
Outro indicador português negativo é a instabilidade legislativa, porque de dois em dois anos alteramos os códigos. Isso é mau para as empresas que estão a fazer planos para investir. Adicionalmente, temos a parte da Justiça. Os processos demoram muito tempo. Essa instabilidade não é muito atrativa para quem pensa investir no país.
Um dos projetos de uma empresa em que trabalhei era a possível criação de um centro de inovação na Europa. Eu comparei as condições de Lisboa, Barcelona e Dublin. Portugal ganhava no posicionamento geográfico, na meteorologia, nos salários baixos, infelizmente, e no facto de falarmos muito bem várias línguas, especialmente o inglês, com facilidade. Em tudo o resto perdíamos, nomeadamente na parte dos impostos, das regulações, da burocracia exigida, etc. Enquanto não mudarem isso, vai ser difícil.
Segundo os dados do INE (Instituto Nacional de Estatística), o rendimento médio mensal líquido aumentou 15% desde que a Geringonça assumiu o poder em 2015 (830€ face a 950€ em 2020). Será que a liderança do Partido Socialista (PS) beneficia a economia portuguesa?
Eu acho que o PS é capaz de beneficiar alguns na economia portuguesa, não todos. No entanto, já em 2017 se falava nessa questão. A ideia básica é que a economia cresceu apesar do governo socialista, e não devido a ele. Na verdade, a economia já vinha crescendo, desde 2013, ou seja, já estava a recuperar. Toda a conjuntura internacional era positiva.
Aliás, a maior parte dos países que se equiparam economicamente a nós cresceu mais. Por isso, não houve nenhum sucesso: a economia nacional até cresceu menos do que aquilo que era expectável quando se compara com outros países. Pessoalmente, não querendo ser pessimista, acho que foi uma oportunidade perdida. Em Portugal, acontece-nos com frequência: nós desperdiçamos os ciclos bons, e estamos sempre aflitos quando chegam os ciclos maus.
Considerando as restrições da União Europeia (UE) na definição da política económica e monetária, como pretende a IL aplicar a sua visão do liberalismo? Será necessário abandonar a UE para tal concretização?
Não é necessário abandonar a União Europeia de modo a implementar a visão liberal. É claro que podemos ter uma discussão de ordem económica, e até filosófica, sobre a questão da concorrência de moedas, e até que ponto é que isso é mau ou não. Porém, essa questão já não tem tanto a ver com a Iniciativa Liberal.
A nossa posição enquanto partido é que somos europeístas, achamos que Portugal deve pertencer à União Europeia. Pessoalmente, eu não acho que a integração europeia, tirando em matéria de defesa, deveria ser mais do que aquilo que já é. Isso poderia levar, pouco a pouco, ao enfraquecimento da UE e à saída de outros países, como já aconteceu com o Brexit.
A União Europeia tem imensas vantagens, e se Portugal não fosse um dos estados-membros estaríamos pior. A UE é um sinal de luz do liberalismo para Portugal. Como Portugal está mais à esquerda economicamente do que a média europeia, a UE tem a vantagem de “empurrar” o país, em alguns temas, para o sentido em que nós queremos. Há vários países europeus, como a Holanda, que adotam medidas com as quais nós concordamos, e que funcionam muito bem. Não foi preciso sair da UE para implementar essas políticas liberais.
Quais são as suas ambições a nível pessoal e profissional?
Como liberal, gostava de no futuro conciliar o privado com o público, no sentido em que não quero estar dependente do setor público. Nós achamos que deve haver Estado, mas que o seu tamanho deve ser limitado. Por mais pequeno que seja o Estado, haverá sempre representação política dos cidadãos, ou seja, haverá gente a trabalhar e a receber. É difícil fazer esse balanço, porque não quero depender financeiramente do Estado e, por outro lado, quero contribuir publicamente para a melhoria do país e ter uma vida política.
Quando ajudamos a criar alguma coisa, é difícil desligarmo-nos dela, porque se torna um projeto nosso, em parte. É possível, mas é difícil. Por isso, eu sei que quero fazer algo relacionado com a política e com a Iniciativa Liberal. Mas deve haver um balanço, não deve ser só isso.
Artigo revisto por Lurdes Pereira
Artigo escrito por Marília Lúcia
AUTORIA
Aspirante a jornalista, nasceu no coração da Europa e foi laureada com o diploma do European Baccalaureate. O amor pela escrita está sempre presente na sua vida, sob a forma de diários de viagem e artigos de opinião. Sonha em ser redatora, vive da curiosidade e da criatividade. Desde nova, dedica-se a experiências que abrem os horizontes do seu mundo pessoal e profissional.