Gaspar Noé: A arte de nos deixar em êxtase
Nascido a 27 de dezembro de 1963, em Buenos Aires, Gaspar Noé é um dos realizadores cujos filmes geram mais controvérsia na atualidade.
Tratando temas como a violência, a sexualidade e os vícios, as obras de Noé não se adequam aos gostos e preferências de toda a gente e muito menos são as indicadas para ver com a família ao serão de domingo. Para além disso, todos estes filmes são desadequados para menores de 18 anos por serem extremamente explícitos e também por tratarem assuntos capazes de ferir suscetibilidades. Por favor, respeita a classificação etária.
No seguimento disto, atrevo-me a afirmar que não existe um meio termo no que toca ao seu estilo de realização – ou se ama, ou se odeia.
Gaspar puxou a veia artística do seu pai, Luís Flipe Noé, pintor e escritor. Autor de inúmeras pinturas e instalações, Luís Noé foi galardoado, em 2002, pela Fundação Konex, sediada em Buenos Aires, com o prémio Diamond Konex de Artes Visuais, sendo indicado como o artista mais importante da última década no seu país.
Embora tenha começado por realizar curtas e médias-metragens, foram as longas que levaram Gaspar ao estrelato, nomeadamente a de estreia, Seul Contre Tous (1998), e a mais conhecida pelo público em geral, Irreversible (2002).
Os filmes de Gaspar Noé são verdadeiras obras-primas. Com enredos que nos deixam colados ao ecrã desde o primeiro minuto e uma realização meticulosamente pensada, não há quem fique indiferente ao que acabou de ver. A junção perfeita das temáticas expostas com a abundância de estímulos visuais e sonoros garantem ao espectador uma experiência completíssima, como se entrasse na trama e estivesse à distância de um toque das personagens.
O apelo aos sentidos é o fio condutor de todas as criações de Noé. É de destacar o jogo de luzes, sempre com cores fortes e reluzentes nos momentos de euforia, em contraste com os momentos melancólicos que se seguem, retratados através de planos de apenas uma cor. Esta gradação de acontecimentos e, consequentemente, sentimentos das personagens, é algo comum a todos os filmes: existe uma crescente exaltação até se atingir o ápice e logo a seguir vários momentos de declínio que culminam num fatídico desfecho.
Segue a lista de longas-metragens de Gaspar Noé e as respetivas sinopses:
Seul Contre Tous, ou, em português, Sozinho Contra Todos, de 1998, é um filme sobre a solidão e o que esta carrega. A personagem principal é um talhante, que vê o seu estado mental deteriorado pelo afastamento da sua filha. O filme surgiu no seguimento da curta-metragem Carne, de 1991.
O facto de este ter sido o primeiro filme de Gaspar Noé não o torna, em nenhum momento, mais fácil de digerir do que os restantes. Repleto de comportamentos pouco éticos, a longa é uma análise e crítica social que desafia o espectador a permanecer em frente ao ecrã até ao fim da mesma.
Irreversible (2002) é, possivelmente, o filme mais conhecido de Gaspar Noé. Talvez pelo brilhante elenco principal – Monica Bellucci e Vincent Cassel –, ou talvez por conter uma cena de crime tão real que é impossível esquecê-la.
A longa mostra-nos uma saída à noite em França repleta de acontecimentos inesperados, sendo um deles o já referido acima.
Este filme tem uma especificidade que eu acho completamente brilhante: a história é contada de trás para a frente, o que significa que nos primeiros minutos já sabemos como a trama vai terminar. A grande questão passa a ser o que desencadeou tudo aquilo.
Enter The Void (2009) – Viagem Alucinante, em português – é um dos filmes onde reina o jogo de luzes e o estímulo visual de que falei há pouco.
Oscar, a personagem principal, é morto a tiros após uma transação de droga. A seguir, vagueia pela cidade de Tóquio, com dificuldade em aceitar que de facto vai ter de abandonar o mundo dos vivos e deixar a sua irmã, Linda, sozinha. Durante este processo, Oscar segue pelas ruas observando o que se passa à sua volta enquanto tem flashbacks da sua infância.
No decorrer de mais um dia infeliz na sua vida monótona, Murphy é surpreendido por uma chamada. Quem o contacta é a mãe da sua ex-namorada, que lhe pergunta se sabe onde esta se encontra visto não ter notícias dela há vários dias.
Love (2015) conta, em retrospetiva, o que foi a vida de Murphy nos últimos anos. O filme é constituído por um conjunto de memórias do antigo relacionamento do protagonista que foram desencadeadas pelo telefonema em questão.
A longa explora de forma crua e transparente as emoções e os sentimentos, a sexualidade e as relações interpessoais. É talvez o filme mais explícito de Noé.
Um grupo de dança, prestes a estrear a sua nova performance, realiza um ensaio geral num edifício localizado no meio de uma floresta. A certo momento do ensaio – que a este ponto já se tornou numa festa –, os dançarinos apercebem-se de que alguém dopou a sangria que todos estavam a beber. Posto isto, a euforia e a psicose apoderam-se de todos e enquanto para uns é o melhor momento das suas vidas, para outros é uma experiência tão má que chegam a preferir a morte.
Neste filme a música nunca para e com isto não conseguimos desviar o olhar da tela por um minuto que seja. O nosso coração palpita mais a cada acontecimento e, após 1h30 de filme, ficamos imóveis, mas com a mente a mil.
Não esperem, para qualquer um destes filmes, um final feliz. Estes filmes não são daqueles que trazem sentimentos bons. São feitos para incomodar e não para reconfortar. Em várias situações, o choque apodera-se de nós, dando-nos uma sensação quase entorpecedora. São retratadas situações que, por mais inusitadas, são perfeitamente possíveis. Tomamos consciência de que por cada coisa bonita que há no mundo, existe o dobro de coisas sombrias e tenebrosas.
Por fim, deixo aqui a meu top 3 dos filmes de Gaspar Noé: 1. Clímax; 2. Irreversible; 3. Love.
Espero que este artigo te tenha convencido a ver pelo menos um destes filmes, nem que seja para conheceres o esplendoroso trabalho deste realizador.
Artigo redigido por Filipa Amaro
Artigo revisto por Ana Sofia Cunha
Fonte da imagem de destaque: metalmagazine.eu
AUTORIA
Quase ingressou no curso de cinema aquando do início da sua jornada no ensino superior, porém, à última hora, decidiu que afinal queria enveredar pelo mundo do jornalismo. Veio da área dos números, mas após a sua entrada na ESCS Magazine - que tomou como um desafio - descobriu um gosto imenso pela escrita. Agora, enquanto editora da Secção de 7ª Arte, ambiciona proporcionar o conforto que sentiu quando entrou na Magazine a todos aqueles que, tal como ela, são apaixonados por cinema.