Editorias, Opinião

O aparente paradoxo

Pobres que votam na direita. É estranho, não é? Alguém apoiar um espetro partidário que vai contra os seus interesses? Desde o começo da minha puberdade política me questionei sobre isto. Será preconceito meu? Incompreensão das posições conservadoras? Escapa-me qualquer pormenor, certamente. Não consigo acreditar que a iliteracia populacional seja assim tão devastadora. A direita, defensora dos cortes no IRC e do alívio fiscal nas altas classes económicas, aliada das privatizações e do retrocesso social e amiga do peito dos “gatos-gordos” de Wall Street, entra em direto conflito com os interesses da classe média. Há algo que absolutamente não encaixa nisto tudo. Como podem os republicanos ter qualquer base de apoio nas classes trabalhadoras? A resposta é, surpreendentemente, simples: religião.

Por mais imorais que sejam, há que reconhecer os sucessos adversários. A genialidade da direita é a de conseguir extrair votos a todas as classes sociais. A esquerda não apela aos 10% mais ricos e isso é compreensível. É, diria até, geneticamente natural. Os democratas perdem, em consequência disto, toda essa base votante. Se adotássemos o invés da lógica que descrevi anteriormente, as classes pobres seriam totalmente de esquerda e a verdadeira luta pelo voto estaria na classe média. Não é, infelizmente, tão verdade quanto aquilo que deveria ser. A direita tem a arma dos tolos: a religião e o conservadorismo social. Com esse laço sagrado agarram uma forte fatia das zonas do interior, populadas por iliteracia, populismo e tradicionalismo.

Admiro genuinamente a técnica neste delicado equilíbrio de pratos. A horrenda, mas irónica, simbiose entre a doutrina religiosa de “vende tudo o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro nos céus” e os Ricardos Salgados desta vida. Felizmente, consoante as gerações vão passando, e também graças às novas tecnologias e à biblioteca virtual googlesca, esse bonito rito da idade do bronze tem caído em desuso. A classe não religiosa é uma das minorias em maior ascensão, principalmente nos jovens e, não coincidentemente, a juventude é, segundo as estatísticas, maioritariamente de esquerda. A globalização está a destruir um dos blocos de apoio da direita. Quando este morrer de vez, a direita vai ter grandes problemas em arranjar um substituto, mas a necessidade é a mãe da invenção. Vamos a ver.

Até lá, é isto que temos: na Bíblia, Cristo refere que “é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus”. Das duas, uma: ou a agulha está cada vez mais larga, ou o camelo cada vez mais pequeno.

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(Escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico)

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