O impasse do regresso
Sinto que, enquanto redatora, tenho uma certa facilidade em incluir pequenos desabafos e confissões ao longo do texto, muitas vezes, subtilmente e em tom de piada. Começo este artigo com uma confissão clara: escolher sobre que tema escrever é, para mim, uma confusão. Devo ter talvez uns dez artigos começados para esta mesma editoria, que acabei por abandonar devido ao facto de me apetecer escrever sobre outra coisa qualquer. Começo-os com uma ideia estruturada do que quero escrever, acabo por parar por alguma razão e regressar ao assunto torna-se num dilema. Hoje, a minha cabeça está centrada em regressos. Tenho dificuldade em regressar a artigos deixados a meio; tenho dificuldade em regressar seja onde for. Penso que este artigo se dirige àqueles que, tal como eu, ficam muitas vezes na dúvida em relação às andanças da vida, ao largar e agarrar de novo, e a tudo o que isso implica. Abandonamos sítios, pessoas e situações quando as mesmas não nos favorecem ou não nos fazem felizes. Não interpretemos de forma negativa a palavra “abandonar”. Deixamos porque temos de deixar e pouco ou nenhum drama nisso deveria haver. Em relação a pessoas, aconselho afastamentos graduais, naturais e mútuos. Aconselho também alguma transparência de intenções, caso haja necessidade de explicações e conversas mais sérias.
Sinto que existe alguma pressão para que consigamos manter tudo: manter relacionamentos, manter os hobbies que temos, manter círculos de amigos, manter a vida tal e qual como sempre esteve – pelo menos, eu já a senti –, e isso acaba por nos prejudicar. É legítimo que a vida mude e que mudemos com ela. É legítimo que abandonemos aquele relacionamento ou aquela amizade que já não é boa para nós; que deixemos o nosso desporto favorito de lado; ou até que apresentemos a carta de demissão se já não estivermos bem no nosso emprego.
Sentir saudades é legítimo também. Fechar ciclos e mudar a nossa envolvente não é tarefa fácil e é normal que, por vezes, tenhamos dúvidas – o que não quer dizer que seja preciso voltar com a nossa decisão atrás. Habitualmente, é só preciso algum tempo para nos habituarmos à ideia. Se querem um conselho, tenham calma e percebam que quando a nostalgia nos cega tudo parece encantado e até o relacionamento mais tóxico se assemelha a um conto de fadas; é preciso sermos um bocadinho mais racionais quando avaliamos este tipo de decisões – estou a tentar impedir-vos de ligarem à/ao vossa(o) ex, desculpem.
Querer regressar é legítimo também. Vou parecer contraditória agora, mas a verdade é que, por vezes, também tomamos decisões erradas ou que na altura são certas, mas que, uns tempos depois, deixam de nos favorecer. Dito isto, é importante referir que nada é irreversível e que se a dúvida persistir demasiado tempo, se as saudades forem demasiado grandes e se não for nocivo para nós mesmos, vale sim a pena tentar regressar seja onde for, seja para quem for (é extremamente importante ter em atenção estes “se’s” e pensar neles muito bem; não sejam impulsivos, por favor). Não nos deixemos controlar pelo ego e pelo orgulho no que toca a estes assuntos. Regressar e pedir segundas oportunidades não é motivo de ferimento.
O impasse entre regressar ou não assola-nos a todos. É preciso ter alguma cautela neste assunto e não tomar uma série de decisões precipitadas, diria eu que, normalmente, tomo uma série de decisões precipitadas que tento redimir depois – outra confissão: eu bem disse que tenho tendência para isto. Acima de tudo, é preciso analisar as coisas e tirar a dose de nostalgia que ganhamos à medida que o tempo passa. É preciso também deixar de lado possíveis medos de tentar de novo e de dar o passo que é necessário para tudo se encaminhar.
Foto de capa: Pexels
Artigo revisto por Beatriz Merêncio
AUTORIA
A escrita sempre foi um dos seus guilty pleasures. Desde pequena escrevia textos sobre tudo e sobre nada que entregava a alguém que nada conseguia fazer com eles. O seu intuito, com a entrada na revista, é deixar nas mãos de alguém os seus textos e opiniões de qualidade por vezes duvidosa – mas esforçada – e que esse alguém lhes veja utilidade. Nem que estes sejam, apenas, um entretenimento irrelevante porque a irrelevância também nos acrescenta algo.