Opinião

Os 35 Anos de Chernobyl e o Incontestável Preço da Energia Nuclear

É indevido falar-se de desastres sem mencionar o de Chernobyl. Em memória do maior acidente nuclear da História, e em homenagem a todas as vítimas que perderam a vida durante o mesmo, assinala-se hoje o Dia Internacional de Lembrança de Chernobyl e o seu trigésimo quinto aniversário. 

A Usina de Chernobyl, localizada na Ucrânia, na fronteira com a Bielorrússia, foi construída pela União Soviética na década de 1970. A 26 de Abril de 1986, os habitantes da cidade de Pripyat – a mais próxima da central nuclear, atualmente designada como cidade fantasma – observaram uma explosão de grande importância. 

A origem do desastre
A explosão ocorreu ao nível do núcleo do Reator 4 de Chernobyl, originando a libertação e disseminação de uma nuvem radioativa maciça. Erguida pelo calor do coração do dispositivo nuclear, foi levada pelo vento até à Europa Ocidental, alcançando uma distância superior a 1500 quilómetros. Sendo a explosão tão significativa, partículas foram detetadas na Suécia e noutros países nórdicos da península escandinava.

O acidente deu-se no procedimento de um teste de segurança, na madrugada em que os operários avaliaram, sob supervisão do vice-engenheiro chefe, Anatoly Diatlov, as vulnerabilidades dos serviços. Estão na origem do desastre de Chernobyl vários fatores, desde as imperfeições inerentes ao projeto de construção do reator RMBK-1000 até ao surgimento de um fator externo desestabilizador, sendo esse o pedido de adiamento do horário do teste pela rede elétrica Kiev. Face a uma forte demanda energética no começo da noite, Chernobyl viu-se obrigada a adiar a redução gradual da produção da energia cujo teste exigia.

Monumento às vítimas do acidente de Chernobyl de 1986, junto ao Reator 4 da central nuclear. Fonte da imagem: O Globo

Por último, são denunciados os lapsos dos funcionários, porque não seguiram à letra as instruções do teste de segurança. O atraso levou à substituição do turno do dia que havia sido preparado para a missão, pelo turno noturno. Os funcionários tiveram um tempo limitado para se prepararem, sendo que estavam ausentes quando se iniciaram as primeiras etapas do procedimento experimental, às 13h do dia 25 de Abril.

Entre os operários, encontra-se Leonid Toptunov, um engenheiro jovem com experiência profissional de somente três meses que faleceu eventualmente por envenenamento radioativo, junto ao chefe do turno da noite, Aleksandr Akimov.

Nessa atmosfera tensa e sombria, é responsável pelo desenrolamento do trágico episódio uma série de elementos imprevisíveis, inclusive uma queda inesperada da energia do reator, na ausência do estímulo manual, devido à produção do xenônio-135.

Os efeitos de Chernobyl
Apesar dos indícios das falhas técnicas, Aleksandr Akimov terá insistido na emergência de terminar o teste de segurança, ameaçando de demissão todos os operários que se opusessem e arriscando, assim, as vidas deles.

Enquanto o número total de vítimas se mantém uma questão controversa, o valor do desastre de Chernobyl na contribuição para a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) é fruto de consentimento. Segundo Gorbatchov – secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética e último líder da mesma – o acidente do reator em Chernobyl foi, mais que a perestroika, a verdadeira causa do colapso da URSS, em 1991.

Porém, esta verdade não foi apurada desde o início, devido à negação social relacionada com a ocorrência do acidente. Em plena Guerra Fria (1947-1991), e apesar da dimensão da catástrofe, parecia que a culpa iria morrer solteira. No final das contas, tudo aponta para uma questão de má gestão e de pouca transparência governamental. 

Demorou alguns dias para o Governo ucraniano entender a gravidade do cenário, sendo que a Usina era administrada pela Federação Russa. A evacuação de Pripyat iniciou-se na manhã do dia 27 de Abril, aproximadamente trinta e seis horas após a explosão, quando os cidadãos começaram a sentir, de entre os primeiros sintomas da radioatividade, náuseas e dores de cabeça.

De modo a proteger a sua imagem, o Partido Comunista da União Soviética escondeu a verdade dos cidadãos e bloqueou os usuais protocolos de segurança, enquanto as autoridades russas tentaram cobrir os danos ao controlar a difusão de informação.

Não obstante, nada travou a transmissão do gás radioativo pela Europa fora. As consequências da catástrofe não se deram somente a nível físico, como também psicológico. Para além do surgimento de milhares de casos de cancro da tiróide, devido à exposição à radioatividade, manifestaram-se na sociedade ucraniana vários distúrbios mentais face aos traumas.

Os animais também sofreram inúmeros efeitos colaterais causados pela radiação, nomeadamente em relação ao desenvolvimento do sistema nervoso, como a redução do tamanho cerebral e fracas habilidades cognitivas. Várias mutações foram diagnosticadas. As poucas aves que sobreviveram apresentaram anormalidades, como bicos e patas deformadas e plumagem albinística. Por outro lado, a quantidade de invertebrados que viviam ao redor de Chernobyl diminuiu significativamente, prejudicando todo o ecossistema.

Estrutura abandonada na Zona de Exclusão de Chernobyl.
Fonte da imagem: Getty Images

Chernobyl nos dias de hoje
A catástrofe de Chernobyl é o primeiro acidente nuclear classificado com pontuação máxima (nível 7) na Escala Internacional de Acidentes Nucleares. No entanto, é possível visitar a área da explosão desde 2012.

A zona de exclusão com cerca trinta quilómetros ao redor da Usina e da cidade de Pripyat encontra-se inabitável, mas aberta ao turismo. Várias agências organizam passeios de duas horas, desde Kiev até à Central de Chernobyl. Três décadas após a tragédia, é proibido tocar nos objetos abandonados dos prédios em ruínas, porque esses ainda se encontram altamente contaminados pela radioatividade.

Nos últimos anos, o número de turistas disparou devido ao interesse gerado pela minissérie Chernobyl (2019), que retrata em cinco episódios o acontecimento dramático. Segundo o criador, Craig Mazin, não houve exageração na dramatização, porque a verdade de Chernobyl já é horripilante na sua essência.

Imagem da minissérie Chernobyl (2019), disponível na HBO.
Fonte da imagem: Tecnoblog

A importância atual de Chernobyl reside na sua função como agente estimulador das manifestações do século XXI contra a utilização de energia nuclear, visto que esta se tornou controversa na Europa, na sequência do desastre. Embora a legislação da União Europeia vise melhorar as normas de segurança das centrais nucleares, cada Estado-Membro é responsável pela decisão de incluir, ou não, a energia nuclear no seu cabaz energético. 

Energia nuclear: sim ou não?
Segundo a SFEN, cerca de 80% da eletricidade da França provém da energia nuclear. Em oposição, a Alemanha decidiu abandoná-la até 2022 e confirmou que a última central de carvão alemã encerrará em 2038. Entre os motivos apresentados, salienta-se a valorização das energias renováveis.

Nem sempre as energias renováveis são suficientes face à necessidade energética de determinado Estado-Membro. Um país raramente depende só delas para a produção de eletricidade. Apesar de a energia nuclear não ser renovável, é considerada uma energia limpa, porque não polui diretamente o meio ambiente, excluindo o risco de poluição radioativa.

Muitos países apostam na energia nuclear devido ao baixo custo em comparação com outros combustíveis, como o petróleo. Outros fatores decisivos são o aumento da competitividade, uma vantagem económica, e a forte rentabilidade: uma pequena quantidade de urânio é suficiente para aprovisionar uma cidade.

Cabe a cada Estado-Membro decidir até que ponto quer ser dependente da energia nuclear, relembrando Chernobyl e considerando a diminuição da pegada ecológica e a segurança dos cidadãos face a potenciais acidentes, de modo a respeitar os valores da União Europeia.

Fonte da imagem de destaque: La Verdad

Artigo revisto por Ana Janeiro

AUTORIA

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Aspirante a jornalista, nasceu no coração da Europa e foi laureada com o diploma do European Baccalaureate. O amor pela escrita está sempre presente na sua vida, sob a forma de diários de viagem e artigos de opinião. Sonha em ser redatora, vive da curiosidade e da criatividade. Desde nova, dedica-se a experiências que abrem os horizontes do seu mundo pessoal e profissional.