Opinião

Sangue do meu sangue

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A geração dos 90 nasceu e cresceu marinada em apatia. Poucas questões sociais restam para conquistar. A maioria das minorias está perto de atingir, ou já atingiu, a plenitude da igualdade de direitos. Não há motivação que sobreviva, quando não há nada pelo que lutar. Bom, mesmo assim, há um assunto do foro social que já se arrasta faz alguns anos. À medida que os pilares centrais da nova constituição populacional são eretos, há um aumento do foco de atenção dado a estes temas algo mais periféricos. Comparativamente com as restantes ex-disputas de realidade vs. preconceito esta é um pouco mais bicuda, no entanto. Falo da problemática acerca da proibição de doações de sangue de homossexuais. Temos de pôr tudo em pratos limpos e analisar a questão de forma mais empírica e menos estatística. Sim, de facto a incidência do HIV/SIDA é superior em homens que têm relações sexuais com outros homens e, de facto, o Center for Disease Controle o Food and Drug Administration (FDA), dois dos mais importantes blocos de saúde dos Estados Unidos, concordam com esta exclusão. Os dados estão do “seu lado”, mas a interpretação que estes órgãos fazem deles é falaciosa e sub-repticiamente ideológica. Reparem: o FDA empilha todos os homossexuais masculinos na categoria de mais elevado risco, a mesma categoria onde estão colocados os utilizadores de drogas intravenosas (estilo heroína) e os indivíduos que passaram mais de 5 anos num país vítima da doença das “vacas loucas”. Mesmo que o homossexual em causa tenha exames e/ou diagnósticos médicos feitos recentemente e seja absolutamente demonstrável que tem uma “tábula rasa” de saúde, o uso do seu sangue é potencialmente considerado de maior risco do que o de um heterossexual que foi medicamente tratado para clamídia, sífilis, gonorreia, verrugas e herpes genital no passado ano. Sim, até mesmo se este tiver tido esta salganhada venérea ao mesmo tempo.

Na América, os homossexuais estão banidos de dar sangue em perpetuidade. Se forem um homem que teve sexo com outro homem, uma única vez, há 30 anos atrás, estão barrados para sempre, sem exceções. Curiosamente, em 40 estados americanos, um homem pode doar sangue imediatamente após ter feito uma tatuagem. Pode até doar sangue depois de ter relações sexuais com uma prostituta (com um fofinho período de latência de 12 meses). O FDA acha, portanto, a utilização do sangue de um promíscuo heterossexual menos arriscada do que a de um celibato gay.

Estas leis draconianas foram postas em prática nos inícios de 1983. A 1º metodologia de procura celular do vírus no sangue ou plasma sanguíneo só foi descoberta em Março de 1985. A fiabilidade destas, no entanto, era altamente reduzida. Por pressão social e política, os homossexuais, enquanto classe de risco, foram banidos de dar sangue pelo FDA. Poderíamos argumentar que, nessa altura, tal proibição faria um quê de sentido, dado a primitividade científica. Hoje em dia, os testes são quase tão precisos como a proteção sexual fornecida por um preservativo. Estas leis são arcaicas e perpetuadas por corporativistas com interesses secundários, mas deixo esse aprofundamento para outro dia.               Pergunto aos leitores se são a favor de um double standard no sistema de saúde mundial. Se não, então aponto para os seguintes exemplos: na Espanha e na Itália não há qualquer restrição aos homossexuais. Curiosamente, a incidência do HIV/SIDA na população geral manteve-se estática. Na Austrália, no Brasil e no Japão passámos a ter um tempo de espera de 1 ano entre relações homossexuais, em vez da proibição vitalícia. Muito recentemente o Reino Unido e os próprios vizinhos dos americanos, o Canadá, rasgaram a perpetuidade e seguiram para um ano e cinco anos, respetivamente. Um passo na direção certa.

Para além dos governos já apontados há três órgãos gigantes contra as políticas do Food and Drug Administration: a Cruz Vermelha, a American Association of Blood Banks e a maior rede de sangue não-governamental americana, a America’s Blood Centers. O que os une é simples: todos percebem que a falta de sangue é um problema exponencial comparativamente com o microscópico risco presente em toda a classe homossexual de doadores.

Em jeito de conclusão, não nos podemos esquecer de que o objeto de que falamos é um ser humano. As pessoas não são fiáveis e os questionários feitos estão muito provavelmente cheios de imprecisões. De tal forma a palavra humana não é de confiança, que o testemunho pessoal é o nível mais baixo de prova judicial. Seja sem intenção ou intencionalmente todos se enganam. Todos os tipos de exames laboratoriais são feitos, já contando com estes problemas. Seja um santo ou um pecador, o sangue é testado com o mesmo nível de precisão.

É mais um caso de manipulação da interpretação de dados para estes encaixarem numa dita ideologia. Não se esqueçam: os números também mentem, mas os microscópios não.

AUTORIA

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João Carrilho é a antítese de uma pessoa sã. Lunático, mas apaixonado, o jovem estudante de Jornalismo nasceu em 1991. Irreverente, frontal e pretensioso, é um consumidor voraz de cultura e um amante de quase todas as áreas do conhecimento humano. A paixão pela escrita levou-o ao estudo do Jornalismo, mas é na área da Sociologia que quer continuar os estudos.