Editorias, Opinião

Se isto é uma família

Artigo escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

Muitas vezes torna-se extremamente difícil de perceber onde acaba a liberdade de expressão e onde começa o discurso de ódio; onde termina a opinião e começa o veneno. Portugal, devido a algum do seu background cultural e socioeconómico de apatia ovina, não é confrontado com muitos casos destes, mas por vezes surgem partidos de franja com mensagens políticas que incitam ao debate sobre onde se deve situar a separação legal dos dois termos, como nos controversos cartazes do PNR e do PCTP-MRPP, por exemplo.

Nos Estados Unidos da América, a conjugação da ausência total de cogito, de um fortalecido pathos e de um potencial discurso de ódio é bem exemplificada pela estrutura da Igreja Batista de Westboro.

A instituição é conhecida por fazer protestos com cartazes que dizem “God hates fags”, “Thank God for September 11” (referindo-se aos atentados terroristas do 11 de Setembro em Nova-Iorque) ou “Pray for More Dead Soldiers”. Muitas das vezes são as crianças da Igreja que levantam os cartazes e que disseminam esta ideologia. Para Shirley Phelps-Roper e o resto da sua família, todas as ações más no mundo são consequência da fúria de Deus pela imoralidade humana. A aceitação social da homossexualidade ou do aborto são motivo suficiente para o massacre de milhares, aos olhos destes.

A família Phelps-Roper também é conhecida por fazer visitas inflamatórias a funerais de soldados que serviram no Iraque, novamente afirmando que todos os atos de Deus devem ser celebrados e que a culpa destes acontecimentos é a rejeição humana das regras bíblicas. O Homem, ao permitir a proliferação de várias outras religiões que estes, naturalmente, consideram ser falsas, deve de ser punido pelos seus crimes perante Deus.

Vários debates jurídicos continuam a realizar-se sobre a legalidade ou não dos protestos, mas até agora a família Phelps-Roper não dá sinais de parar, tendo inclusive um horário predefinido de todos os seus futuros “eventos”, que é passível de ser consultado no fofíssimo site, godhatesfags.com.

Na mais extrema das ironias, vários membros da família são advogados de direitos civis de minorias raciais – “My dad (Pastor Phelps) and my mom have 13 children. 11 of us are attorneys. My dad spent 25 years pioneering civil rights for black people and women and the elderly in the Federal Courts, as THE leading civil rights lawyer of his day. We think what God says!”, disse esta numa entrevista ao Digital Journal.

O pathos usado pela família Roper é de tal forma aberrante que perde toda e qualquer capacidade persuasiva (não é por nada que estes são vulgarmente denominados de “A família mais odiada na América”). Os apelos da Igreja de Westboro elevam-se a algum tipo de chantagem emocional, e ultrapassam em muito o que é característico da argumentação através do apelo emocional – se o objetivo desta congregação é fazer o maior número de pessoas ver a luz e aceitar os verdadeiros caminhos de Deus, então, contando os seus atuais 40 membros, pode-se afirmar com segurança que estão a adotar uma má estratégia publicitária – estratégias emocionais e do medo, aliadas à presença de figuras carismáticas e messiânicas e uma quase total ausência de carne argumentativa são a receita da retórica religiosa atual.

A bancarrota do logos eclesiástico obriga à adoção de outras vias argumentativas para a obtenção de um maior número de conversões. Pena que muitas das vezes estas vias incluam as falácias de autoridade e os apelos emocionais. Julgando pelos números, a igreja tem de, se quiser sobreviver, rapidamente encontrar uma solução para o seu défice de carisma. Caso contrário, Cristo juntar-se-á a Zeus, Apolo e Thor.

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