Editorias, Opinião

Trunfo

Há algo a admirar no magnata Donald Trump – numa eleição recheada de candidatos hipócritas (leia-se aqui Hillary Clinton e Ted Cruz) que planeiam minuciosamente todos os seus movimentos, gestos e palavras, fingindo serem mais estúpidos do que aquilo que são na realidade, de forma a apelar ao menor denominador comum, Trump é uma verdadeira brisa de ar fresco. Este tem a coragem, digamos assim por falta de uma palavra melhor, de palrear toda e qualquer barbaridade intelectual que lhe venha à cabeça. O homem não tem filtro. Aquilo que pensa diz, sem exceção. Isto é simultaneamente uma qualidade e um defeito político.

John Cleese, o ex-cabeça dos Monty Python, dizia e bem que há indivíduos tão estúpidos que não possuem a capacidade de perceber o quão estúpidos são. É o caso claríssimo de Donald Trump, uma verdadeira prostituta mediática que aprendeu a velha regra de que “não há má publicidade”.

As campanhas políticas são, já desde o tempo do “Príncipe” de Maquiavel, ou, se quisermos recuar ainda mais, do “Commentatorium Petitionis” de Cícero, máquinas oleadas, onde uma série de engrenagens tenta servir um fim comum. Uma fachada, se lhe quisermos chamar assim. O candidato deve ser apelativo e simpático, deve saber o nome das pessoas e deve evitar discutir as políticas. Vender um político é tal e qual como vender um sabonete.

Estas regras aplicam-se a todos os candidatos mainstream, exceto a Donald Trump – como o próprio disse numa conferência: “posso disparar sobre alguém em plena 5ª avenida de Nova Iorque e não iria perder um único voto”. Mesmo sendo o pináculo da arrogância e da estupidez, Trump está cada vez mais próximo de assegurar o lugar de candidato oficial à Presidência dos Estados Unidos da América pelo Partido Republicano. Como se justifica isto? Como pode alguém ser uma besta, e ao mesmo tempo incrivelmente popular?

Trump, como, até certa medida, Ronald Reagan o era no passado, é uma figura pública. Esse fator visibilidade fornece-lhe, logo à cabeça, uma quantidade substancial de votos. Mas é na correlação entre a ignorância popular e retórica pobre que se encontra a fava.

A demagogia grátis (recuso-me a dizer barata) de Trump é, admita-se, altamente apelativa para indivíduos iletrados, rurais e/ou praticantes da sexualidade consanguínea, incapazes do mais microscópico cogito. Imagino que o processo seja algo análogo a “eu conheço este tipo da televisão e ele diz mal daqueles porcos árabes terroristas. Tem o meu voto.”.

Talvez se deva finalmente ponderar a abolição do voto universal, mutando-o de direito inato para direito adquirido – apenas aos indivíduos capazes de passar no teste de cidadania do seu país será concedido o poder de escolherem os seus representantes, uma ideia controversa que eu próprio defendo há alguns anos.

No fundo o que eu quero dizer é que Donald Trump é o Tino de Rãs americano. Isto é, se o Tino de Rãs fosse um bilionário nazi islamofóbico com cabelo de guaxinim.

Este artigo é escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico

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