Vkei, a Subversão do Género e o Enaltecer da Estética
Aparecimento e conceito
Foi nas décadas de 80 e 90 que a cultura popular japonesa começou a ganhar forma com a popularização da animação japonesa (anime), das bandas desenhadas narrativas (mangá), da cultura de cosplay e com o negócio de videojogos em expansão. Foi, também, por volta desta altura que surgiu, da cultura do Japanese Rock (J-rock), o Visual Kei – ou Vkei –, sendo agora uma das partes mais importantes da música popular japonesa.
A fundação do género é atribuída maioritariamente à banda X (エックス), que se popularizou com as melodias de metal power ballads, mas também com o visual feminino e cross-dressing, sendo esta última parte a que mais viria a definir o Vkei no futuro. Com estética inspirada nas correntes Goth, Punk e Glam Rock, o género vai também buscar influências a mangás japoneses, anime e jogos para criar algo único que viria a marcar a cultura do país.
Tempo vai, tempo vem, apareceram bandas como a Glay, Luna Sea e L’Arc-en-Ciel, que popularizaram ainda mais o estilo, nomeadamente no estrangeiro. Atualmente, o Visual Kei já saiu da esfera da música, contando com uma rede de lojas de roupa, salões de beleza, revistas especializadas, clubes e discotecas.
A questão é: o que é que pode ser considerado de tão único no Vkei? E a resposta, apesar de tudo, é complexa, pois às componentes visuais, conceptuais e sonoras, juntam-se a fanbase e a comercialização; a apresentação e a performance, que tornam o Visual Kei culturalmente mais complexo de definir do que um simples género musical.
Género e Performance
“Eu quero expressar, através de mim, tudo o que pode possivelmente ser expressado por uma pessoa, independentemente do sexo ou género.”
Shindō Wataru, baixista dos CRAZY PUNK KID
Apesar de ser uma arte com base na música, não foi este o foco de desenvolvimento e popularização do género, mas sim a performance e a estética.
Ao contrário do que acontece no Ocidente, no Japão há uma maior ambiguidade e liberdade para o imaginário comunitário das definições associadas à pureza e autenticidade, que conectam diretamente com a expressão de género e que permitem a abertura para transcender o binário entre masculino e feminino. Considerando isto, quando o estilo musical começou a emergir, viram-se nele subversões visuais que davam espaço para perceber e explorar a identidade de género.
Com o aparecimento de músicos que adotavam um visual feminino ou andrógeno, o Japão viu um aumento de revistas de lifestyle, cortes de cabelos, maquilhagem e salões de beleza direcionados à população masculina. O conceito de beleza expande então os seus limites e é redefinido o conceito de masculinidade, principalmente na população mais jovem que cada vez mais vê estigmas a desaparecerem.
Além disso, o género musical ganhou um extenso público feminino que mostrava êxtase em não ser alvo do olhar e desejo masculino. Em vez disso, podiam, agora, explorar o que lhes agradava, identificando-se com (e desejando) o visual da banda. No fundo, podemos dizer que o Vkei é um género que apela maioritariamente ao chamado female gaze.
“Não procuro essencialmente apelar ao meu lado feminino, apenas quero ser visto como bonito”
Mahiro, vocalista dos PureQ&A
Quando temos cantores que se identificam com o género masculino a utilizar roupa, elementos, linguagem e expressões que por norma são associadas ao género feminino, o Visual Kei ajuda ainda a expor o quão frágeis e não naturais são as normas de género e o binário estabelecido pela sociedade entre feminino e masculino.
Sonoridade e Liricismo
A nível sonoro, é um género que se deixa guiar maioritariamente pela guitarra, pelo baixo e pelas baterias, combinadas com instrumentos orquestrais e piano com arranjo clássico. Assim, combinam-se elementos do metal e do punk com música clássica e melodias características do J-Pop e J-Rock. A partir da década de 90, e à medida que o Visual Kei ganhava popularidade, foram-se experimentando e adicionando outras sonoridades, desde o eletrónico ao jazz. Esta sonoridade junta-se muitas vezes a letras simbólicas e introspetivas para criarem algo que se parece a uma balada.
Os próprios nomes das bandas costumam ter alguma simbologia ou significado que lhes dá uma certa profundidade emocional, associada a uma tristeza específica. Até na sonoridade podemos muitas vezes notar a transgressão de normas, quando temos melodias clássicas e pop que se juntam a elementos de heavy metal e punk, temos uma performance que cruza a subversão de género com uma certa subversão musical e que desafia noções simplistas de género e de identidade.
Artigo revisto por Miguel Nascimento
Fonte da capa: Yahoo News Singapore
AUTORIA
Com interesses em várias áreas, a experimentação faz parte do currículo da Joana. Atualmente estudante de Publicidade e Marketing na Escola Superior de Comunicação Social, quer desenvolver o amor que tem pela escrita utilizando a Magazine como ponto de partida. Desde a música, passando pela política, filosofia e até ficção, são várias as áreas onde pretende deixar as suas palavras escritas.