As crianças na indústria do entretenimento
O aparecimento de crianças na indústria do entretenimento não é tão recente quanto parece. Tudo começou na época Vitoriana, na Inglaterra, onde as crianças eram postas à prova em concursos de talentos. Já nesta altura havia pensadores a demonstrar preocupação por estas crianças, visto que já havia algumas leis que as protegiam contra trabalho infantil e exploração.
Em Hollywood, uma das primeiras crianças prodígio que teve a atenção do público foi Shirley Temple, uma atriz de Hollywood que se estreou com apenas 3 anos, em 1932, no filme Red Haired Alibi. De fora, tudo parecia perfeito: a criança era adorada pelo público e até mesmo o presidente se considerava um fã. No entanto, anos depois, Shirley expôs o outro lado e contou-nos a sua experiência traumatizante: a mãe era impedida de entrar em set para não se conseguir opor ao tratamento por parte dos diretores. Uma das punições de que Shirley Temple se lembra chamava-se “the black box” (“a caixa negra”) e consistia em colocar as crianças dentro de uma caixa com um cubo de gelo e obrigá-las a sentarem-se nele ou na poça que este originava.
Ainda desta época temos o caso de Judy Garland, mais conhecida pelo seu papel como Dorothy na famosa peça O Feiticeiro de OZ, que, apesar de ser mais velha, conta também vários episódios que a afetaram e que levaram ao desenvolvimento de vícios em substâncias toxicodependentes.
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Por volta dos anos 90, surgem programas como o The All New Mickey Mouse Club, do qual saem nomes como Justin Timberlake, Britney Spears e Christina Aguilera. Quer por eventos dos últimos anos com a Britney, quer por entrevistas de ambos, podemos compreender que a exposição a um público tão grande desde a infância lhes trouxe diversas consequências, ao nível de contratos, assuntos legais, entre outros, potenciando distúrbios mentais.
Atualmente, dois dos casos mais conhecidos são os de Miley Cyrus e Macaulay Culkin. O que ambos têm em comum é o facto de terem sido associados — por um público muito alargado e desde muito novos — a uma persona que eles levavam a palco para atuar, mas que não representava quem eles eram. É durante a infância e a adolescência que o ser humano desenvolve a sua personalidade através de experiências que condizem com a idade, o que inclui um espírito de rebelião e exploração da identidade, algo que, com milhões de olhos em cima, não pode ser feito sem repercussões gigantes, acompanhadas de críticas do grande público.
A esta pressão causada pelo público acresce ainda a maneira como os pais lidam com a situação. Atores como Zendaya e Daniel Radcliffe, que também tiveram a sua estreia bem cedo, falam várias vezes de como os pais preocupados e exemplares foram um fator essencial para hoje se conseguirem sentir felizes numa carreira de que, apesar de tudo, gostam.
No seu livro intitulado Ainda Bem que a Minha Mãe Morreu, Jennette McCurdy — mais conhecida pelo seu papel em ICarly e Sam & Cat — fala-nos não só do abuso que ela e os colegas sofreram por parte do diretor Dan Schneider, mas também nos conta a forma como a mãe viveu o seu próprio sonho de fama através da vida de Jennette e de que modo isso a afetou. No livro, Jennette conta que, com 10 anos, a mãe a obrigava a descolorir o cabelo e a branquear os dentes; e que com 11 a introduziu ao conceito de contar calorias, o que levou a um problema alimentar duradouro. Adicionava-se a isto o facto de Jennette Mccurdy não gostar de atuar – ela menciona até que sentia uma diferença entre ela e aqueles que realmente gostavam do que faziam.
Jennette Mccurdy sobre o seu memoir
Hoje em dia, continuamos a apontar o holofote para várias crianças, não só no cinema, mas também na música — uma indústria onde ainda vemos muito isso é a do K-pop. Artistas como BoA e Taemin estrearam-se aos 13 e 14 anos, respectivamente, e ambos falam sobre como isso os impactou negativamente. BoA já disse, inclusive, que não deixaria os filhos seguirem o mesmo caminho, pela enorme pressão psicológica de uma indústria que idolatra pessoas normais e as coloca numa espécie de vitrine, sujeitas a ouvir todo o tipo de comentários.
Além disso, ainda existe uma cultura de dietas forte na indústria do entretenimento na Coreia do Sul, já para não falar dos conceitos e das músicas com temas adultos, muitas vezes atribuídos a menores. Isto é um tópico sobre o qual os fãs têm vindo a mostrar oposição nas redes sociais, mas as grandes empresas continuam com o que lhes dá lucro e, por isso, vemos grupos como New Jeans a debutar e a YG Ent. a planear lançar um grupo ainda este ano cuja integrante mais nova tem apenas 13 anos.
A história de BoA na indústria
Como podemos ver pelo histórico de crianças na indústria do entretenimento, esta é uma área que necessita de uma legislação mais apertada para impedir casos como o de Jennette McCurdy, e precisa também de uma maior consciência social por parte do público. É urgente que saiamos desta espécie de transe e compreendamos que as pessoas que idolatramos são apenas humanos – como nós – que escolheram uma carreira diferente da nossa, e que merecem, como qualquer outro, o nosso respeito. Parece simples, mas com a distância que as redes sociais criam entre nós, por vezes torna-se ainda mais complicado sair desta bolha, mas é o necessário para que não vejamos casos como os de Britney, Taemin e Miley a repetirem-se constantemente.
Fonte da capa: NBC News
Artigo revisto por Andreia Custódio
AUTORIA
Com interesses em várias áreas, a experimentação faz parte do currículo da Joana. Atualmente estudante de Publicidade e Marketing na Escola Superior de Comunicação Social, quer desenvolver o amor que tem pela escrita utilizando a Magazine como ponto de partida. Desde a música, passando pela política, filosofia e até ficção, são várias as áreas onde pretende deixar as suas palavras escritas.