Literatura

Dentro da mente de um assassino

Se tivesse a oportunidade de fazer uma pergunta a um assassino em série, qual seria?

Ted Bundy, Jeffrey Dahmer e Edmund Kemper são apenas alguns dos mais brutais, mais implacáveis e cruéis assassinos da história.

Acontece que o mundo do crime é repleto de mistérios, incertezas e perguntas sem resposta. Com a evolução das técnicas de investigação e o aprimoramento das ferramentas utilizadas pelas forças policiais, uma área que, mais recentemente, tem ganho mais notoriedade é a da ciência comportamental e a análise de perfis criminais.

John Edward Douglas

John Douglas nasceu em Brooklyn (Nova Iorque), a 18 de junho de 1945. O desporto sempre desempenhou um papel fundamental na sua vida, em particular durante a adolescência. Praticava beisebol e futebol americano, e foi neste último que, surpreendentemente, começou a nutrir interesse pela análise de perfis de personalidades.

Mais tarde, John recebeu uma carta que o convocava para o serviço militar obrigatório e acabou por entrar na Força Aérea.

Já em 1970, a sua vida começou a entrar nos eixos. Após diversas trocas de cursos, de atividades de voluntariado e de lugares para viver, faz amizade com Frank Haines, um agente federal que o encorajou a tentar a sua sorte. John decidiu arriscar e apresentou-se na academia do FBI, em Quantico, para ser posto à prova.

O começo do “caçador de mentes”

O direito penal, a análise de impressões digitais, os crimes violentos e de colarinho branco, as técnicas de detenção e armas e combate corpo a corpo são apenas alguns exemplos que integram a rigorosa preparação dos futuros agentes federais.

Terminado o curso intensivo de 14 semanas, John foi colocado em Detroit, uma das cidades com o maior índice de criminalidade dos EUA, com mais de 800 homicídios por ano na época.

Depois de vários anos a trabalhar como patrulheiro, investigador de pequenos delitos e agente da SWAT, ao terminar o seu mestrado em psicologia, John é surpreendido por uma oportunidade na área que mudaria a sua vida.

Na época, os campos da ciência comportamental e da psicologia criminal eram vertentes extremamente marginalizadas. Com apenas 32 anos, ao receber o convite para trabalhar na área, John possuía a difícil tarefa de mudar as mentalidades dos agentes mais antigos em relação a este campo. É então que, com o intuito de ser inovador e de modo a ganhar mais experiência, decide fazer algo nunca antes feito para a elaboração de perfis criminais.

Conversas com o diabo

Ed Kemper é um assassino em série responsável por dez homicídios nos anos 70. Ninguém melhor para primeiro alvo das pesquisas de John.

Numa prisão de segurança máxima, o objetivo de John passava por analisar o histórico de Ed, os seus comportamentos e motivos que o levaram a cometer tais atrocidades. “Os meus estudos e a minha experiência dizem-me que as pessoas são responsáveis pelos próprios atos. No entanto, na minha opinião, Ed Kemper é um exemplo de alguém que não nasceu assassino em série, mas foi transformado num.” (Douglas & Olshaker, 1995)

Este foi apenas o começo de uma jornada que revolucionou o campo da ciência comportamental. Depois de Kemper, seguiram-se nomes como Charles Manson, Richard Speck, David Barcowits, entre muitos outros que aterrorizaram o país.

Nos anos 80, com a massiva quantidade de entrevistas realizadas a criminosos, aliando à sua experiência no terreno, John, em conjunto com a sua equipa, era chamado a auxiliar investigadores por todo o país, oferecendo a sua análise do perfil do criminoso através da cena do crime. “(…) se queres entender o artista, olha para o seu trabalho. Tu não podes afirmar perceber ou apreciar Picasso sem estudar as suas pinturas. Os assassinos em série bem-sucedidos planeiam o seu trabalho com tanto cuidado como um pintor planeia a tela1

(Douglas & Olshaker, 1995)

O tipo de ataque, tal como o padrão ou grupo social, racial ou físico das vítimas, pode revelar a raça, a idade, a altura, o género, a profissão ou até se o responsável as conhecia. O tipo de crime e o modo como foi perpetrado podem, entre outros aspetos, indicar características psicológicas do criminoso (se é inseguro, tímido, sofisticado, audaz, etc.), como se sentia no momento em que cometeu o crime, o seu histórico e antecedentes criminais, se foi premeditado ou impulsivo, quanto tempo despendeu na cena do crime ou se o responsável possui algum distúrbio físico ou psicológico.

No entanto, a psique humana é algo mais complexo e rebuscado do que aquilo que parece. Como tal, é impossível, a partir de uma determinada cena de crime, aferir, com 100% de certeza, o perfil psicológico de um criminoso: “Analisar perfis é como escrever. Pode inserir todas as regras de gramática, sintaxe e estilo num computador, e, mesmo assim, ele não será capaz de escrever um livro.2 (Douglas & Olshaker, 1995)

Apesar de Mind Hunter ter sido publicado em 1995, os ensinamentos de John E. Douglas mantêm-se intemporais. Os seus estudos foram a faísca inicial que originou a expansão e a afirmação definitiva do campo das ciências comportamentais no FBI e, graças a ele e à sua equipa de investigação, a evolução da elaboração de perfis criminais para a solução de casos tornou-se indispensável.

Assassinos em série são, por definição, assassinos “bem-sucedidos”, que aprendem com a própria experiência. Precisamos apenas de ter a certeza de que estamos a aprender mais rápido do que eles.3 (Douglas & Olshaker, 1995)

Notas:

1Tradução da frase “(…) if you want to understand the artist, look at his work. That’s what I always tell my people. You can’t claim to understand or appreciate Picasso without studying his paintings. The successful serial killers plan their work as carefully as a painter plans a canvas” (Douglas & Olshaker em MINDHUNTER Inside the FBI’s Elite Serial Crime Unit. (1995). Pocket books. Pg. 100)

2 Tradução da frase “Profiling is like writing. You can give a computer all the rules of grammar and syntax and style, but it still can’t write the book.” (Douglas & Olshaker em MINDHUNTER Inside the FBI’s Elite Serial Crime Unit. (1995). Pocket books. Pg. 133)

3 Tradução da frase “Serial killers are, by definition, “successful” killers, who learn from their experience. We’ve just got to make sure we keep learning faster than they do.” (Douglas & Olshaker em MINDHUNTER Inside the FBI’s Elite Serial Crime Unit. (1995). Pocket books. Pg. 130)

Fontes: Douglas, J. & Olshaker, M. (1995). MINDHUNTER Inside the FBI’s Elite Serial Crime Unit. 1.ª edição. Pocket books.

Fonte da capa: Unsplash

Artigo revisto por Catarina Policarpo

AUTORIA

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Um misto de curiosidade, de muito trabalho e determinação é o de que é feito Tomás Delfim. Gosta de desporto, ciência e, principalmente, de se comunicar e fazer ouvir. A falta da sua visão nunca foi um obstáculo no seu caminho, o que apenas o tornou mais determinado.