Cinema e Televisão

O cinema, o streaming e o (des)confinamento

Na passada segunda-feira, dia 19 de abril, com o avançar do plano de desconfinamento em vigor, reabriram os cinemas, os teatros, os auditórios e as salas de espetáculos. Esta reabertura, ainda que com restrições de horário, é um pontinho brilhante após três longos meses de escuridão para os amantes de cinema e da cultura no geral.

Com isto não quero dizer que a cultura parou durante este último confinamento – afinal, continuamos a ter acesso a plataformas de streaming (e nada de sites pirata! Cultura e entretenimento não são e nunca foram de graça). Mas será uma tarde no sofá a ver um filme na Netflix igual a todo o processo de ir ao cinema?

Todos sabemos que a arte e a cultura têm extrema importância no nosso desenvolvimento enquanto pessoas – está comprovado que são grandes estímulos para o nosso cérebro. Ao estarmos expostos a isso, ainda que de forma inconsciente, vamos arrecadando conceitos, refletindo sobre o que se passa à nossa volta (coisas bonitas, mas também grandes problemáticas não só do nosso tempo como também do anteriormente) e aprendendo sobre variados temas. O leque de emoções que a arte é capaz de nos proporcionar e o conjunto de pensamentos que nos surgem enquanto estamos perante a mesma são de uma enorme beleza. O que seria de nós sem a arte?

A minha preferida é, sem dúvida, a sétima arte, ao ponto de todos os dias precisar de ter um tempinho para ver ou ler sobre filmes – é o meu momento de paz. E, claro, como cinéfila que sou, já sentia muita falta de uma ida ao cinema. No entanto, não considero que isto seja apenas um passatempo ou uma hora e meia bem passada. Encaro como um momento de aprendizagem, reflexão ou mesmo um momento de amor-próprio, pois estou a fazer algo que me deixa extremamente feliz e ao mesmo tempo a cultivar o meu intelecto. Toda a atmosfera do cinema, os estímulos visuais, os cheiros, os sons. Sempre que vou ao cinema (e acreditem que já fui muitas vezes) sinto-me como se estivesse lá pela primeira vez e a experiência nunca é igual. Adoro observar as reações das pessoas à minha volta e até aquele momento, enquanto passam os créditos, em que fico a processar tudo o que acabei de ver.

No entanto, nada disto nos foi possível nos últimos tempos e, infelizmente, isso traz consequências não só para quem está envolvido em todo o processo de produção de filmes, peças de teatro, etc., mas também para nós, espetadores. Para os criadores acarreta despesas e (imagino eu) desânimo por ver o seu processo criativo a não dar frutos ou completamente parado; a nós, que estamos do outro lado da tela, fomenta um sentimento cíclico de aborrecimento, propicia o isolamento – deixamos de ter aquele momento que tanto nos era querido desde vestir e arranjar para sair de casa, passando por estacionar à porta do cinema, comprar o bilhete, pipocas e coca-cola, até nos instalarmos confortavelmente nas tão belas cadeiras revestidas pelo macio tecido encarnado.

Fonte: Observador

Mas e o streaming? Hoje em dia temos tudo à nossa disposição no conforto da nossa casa a pagar muito pouco ou até mesmo a custo zero!” Sim, é verdade. Mas, ao comprarmos um bilhete, estamos a comprar toda uma experiência e não apenas a ir ver um filme. É muito mais fácil ligar o computador e carregar no play, mas prefiro não ser eu a ter esse controlo. Ao ver um filme em casa, a escolha que fazemos é descuidada. E porquê? Porque não pagamos mais por iniciar um filme e se, passados cinco minutos, não estivermos a gostar, clicamos na cruzinha e iniciamos outro filme.

Já quando vamos ao cinema, há todo um processo de escolha: vemos quem o realizou, lemos a sinopse, procuramos o género, a classificação e às vezes até a sua duração. Isto tudo porque ninguém quer perder o seu tempo e o seu dinheiro num filme sobre o qual não faz ideia de que se trata e consequentemente se vai gostar do mesmo ou não. Para além disso, numa sala de cinema temos um rigor que nas nossas casas é inexistente: o facto de vermos o filme do início ao fim sem o pausarmos, no mínimo, trinta vezes. É claro que quando estamos sentados no nosso sofá com o comando na mão é quase impossível não parar o filme. Recebemos uma notificação – pausa. Depois, a nossa mãe chamou – pausa. A seguir apetece-nos comer aquelas bolachas Oreo que temos ali no armário e claro que depois temos sede. Todas estas pausas cortam a experiência que é suposto ser transmitida pelo filme. Por algum motivo, no cinema há apenas um intervalo de, no máximo, dez minutos para as pessoas irem a correr ao WC, comprar pipocas e checar o WhatsApp e o Instagram. No fundo, ao escolhermos ver um filme no cinema, estamos a escolher a experiência completa, sem distrações. Escolhemos estar apenas envolvidos naquele momento com tudo a que temos direito, ficando a nossa vida à porta da sala (mais dentro do filme do que isto só mesmo estando presente nas gravações!). É um bocadinho mais caro? Sim! Mas vale a pena.

Fonte: Europa Cinemas Blog

A crescente utilização destas plataformas de streaming culminou na banalização dos filmes, retirando todo o impacto que estes poderiam ter em nós e reduzindo o seu potencial. No entanto, não estou com isto a dizer que ver filmes online é totalmente dispensável, o que seria de nós durante estes três infindáveis meses sem poder ver um único filme?

Fonte: Comunidade Cultura e Arte

Sempre que conseguirem, apoiem a cultura, especialmente a nacional, pois é a forma como podemos agradecer pelo trabalho de todos os artistas por este mundo fora. Sem a cultura não somos nada.

Ir a um cinema, a um teatro ou a um concerto não nos coloca numa posição de risco. Estão a ser tomadas todas as medidas e precauções necessárias neste momento. É a realidade em que estamos a viver e temos de nos adaptar, assim como temos de lidar com ela, aproveitando o que de melhor e mais belo a vida tem para nos dar.

 E, quando tiverem um tempinho nesta correria que é a nossa vida, voltem a presentear-se com uma bela ida ao cinema.

Artigo redigido por Filipa Amaro

Artigo revisto por Constança Lopes

Fonte da imagem de destaque: Centro Vasco da Gama

AUTORIA

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Quase ingressou no curso de cinema aquando do início da sua jornada no ensino superior, porém, à última hora, decidiu que afinal queria enveredar pelo mundo do jornalismo. Veio da área dos números, mas após a sua entrada na ESCS Magazine - que tomou como um desafio - descobriu um gosto imenso pela escrita. Agora, enquanto editora da Secção de 7ª Arte, ambiciona proporcionar o conforto que sentiu quando entrou na Magazine a todos aqueles que, tal como ela, são apaixonados por cinema.