Preservar a inocência
Todas as crianças têm o direito à inocência e à ignorância. No entanto, esse direito tem-lhes vindo a ser retirado pelos conteúdos mediáticos a que são expostas. Deviam existir mais diretrizes e políticas de controlo dos media a fim de afastar os mais novos de conteúdos para adultos.
Houve um tempo em que a RTP exibia uma canção infantil com animação no início do serão, geralmente a seguir ao Telejornal, para mandar os meninos para a cama. Só depois de os filhos estarem deitados começava o serão dos pais. Os programas para adultos passavam a uma hora mais tardia, o que deixou de acontecer com o aparecimento dos canais internacionais por cabo. O avanço tecnológico e as plataformas de streaming vieram piorar ainda mais esta situação: hoje a exposição das crianças a conteúdos violentos acontece com pouca ou nenhuma mediação. Um bom exemplo disso é a série Squid Game, lançada pela Netflix em 2021. A série está classificada para maiores de 16 anos, mas a história que retrata jogos infantis transformados em jogos violentos chamou a atenção de crianças e adolescentes. O sucesso da série foi tão grande que as crianças começaram a imitar os jogos de Squid Game nas escolas, preocupando as autoridades de vários países, incluindo as portuguesas. Este caso é um exemplo de que as crianças não estão prontas para receber e processar certo tipo de informações.
É importante entender que o cérebro da criança é diferente do cérebro do adulto pois a autonomia intelectual para distinguir o que é realidade e o que é fantasia está em formação em crianças com menos de 12 anos. Por isso, ainda não conseguem analisar o efeito das escolhas que fazem, nem mesmo têm a capacidade para interpretar esses conteúdos de modo que não tragam prejuízos para o seu processo de desenvolvimento.
Para a psicanalista e psicopedagoga Cristina Silveira, os meios de comunicação social são uma ferramenta poderosa no que se refere à adultização. “Nas TVs, nas redes sociais e em outros tipos de mídia, o público infantil é exposto diretamente a conteúdos invasivos, muitos deles fugindo à capacidade emocional e ao arcabouço psíquico da criança para entender e elaborar tais informações. Mas tais mensagens são passadas de forma que valorizam determinados comportamentos adultizados, o que leva a criança a desejar e repetir tais atitudes na sua vida quotidiana, mesmo não dando sentido ao que está a fazer”. (https://rebrinc.com.br/destaques/infancia-especialistas-falam-dos-prejuizos-da-exposicao-a-conteudos-adultos/)
As crianças têm de ser um grupo protegido. É normal que se sintam atraídas pelo proibido e queiram ver filmes para “crescidos”. Não podemos esperar que elas tomem boas decisões sozinhas sem a orientação de adultos. Por isso deveria haver um melhor controlo da exposição de crianças e jovens a conteúdos audiovisuais violentos e pornográficos. Apesar de poder ser difícil, existem maneiras de as proteger, basta que se definam melhor os horários para determinado tipo de conteúdos na rádio e na televisão e que se force as redes sociais/plataformas de streaming a reduzirem o alcance de conteúdos violentos.
Implementar estas medidas tem sido difícil visto que as empresas de media e os criadores de conteúdo se descartam de qualquer responsabilidade, dizendo coisas como “quem tem de controlar são os pais”. Parece-me ridículo achar que os únicos responsáveis são os pais, que trabalham oito horas por dia, mas que empresas bilionárias não têm quaisquer deveres. É claro que os pais devem acompanhar e orientar os filhos, mas mesmo os mais presentes não estão o dia todo com os filhos. Os pais têm de lutar sozinhos contra as televisões, as rádios, as redes sociais, vídeo-jogos e aquilo que o colega da escola mostrou. Empresas como a Netflixe o TikTok têm as ferramentas necessárias para ajudar, se não o fazem é porque não querem, pois sabem que este tipo de conteúdos é mais aditivo.
(Vídeo: -8:32 até -7:13)
É o nosso papel enquanto consumidores, mas sobretudo enquanto cidadãos, boicotar produções mediáticas e exigir mais destas empresas.
Fonte da capa: Dinheiro Vivo
Artigo revisto por Maria Batalha
AUTORIA
A Catarina tem uma paixão enorme pela escrita e pela criação, estando a licenciar-se em jornalismo na ESCS. Gosta de juntar palavras para contar histórias e estima ver as suas ideias em tinta e papel. Juntou-se à ESCS Magazine para fazer o que mais ama.