Cinema e Televisão

April Fools’ Day – O filme que enganou toda a gente!

Nos tempos de hoje, existe um filme para qualquer altura do ano…. Temos centenas de filmes para nos assustar no Halloween, assim como milhares para colocarmos a dar durante um dia chuvoso em dezembro. Para além disso, temos longas-metragens para o Dia dos Namorados, Dia da Mãe, véspera do Ano Novo e até para a Páscoa, graças a Mel Gibson (se considerarem Paixão de Cristo um filme de Páscoa). Não devia, por isso, ser uma surpresa que tenhamos uma peça cinematográfica para o tão desvalorizado Dia das Mentiras, chamado (segurem o vosso queixo) O Dia das Mentiras.

O filme, realizado por Fred Walton, foi lançado em 1986, e, ironicamente, foi um dos três filmes de terror passados no dia 1 de abril que saíram este ano. Superficialmente, aparenta ser apenas mais um produto da sua época, um slasher que segue oito estudantes que vão passar um fim-de-semana à mansão de uma amiga numa ilha remota (o mais assustador está no mais realista). Um a um, vão ser adicionados à lista de óbitos, enquanto praticam o típico comportamento de jovens adultos num filme de terror nos anos 80, como jogar futebol; explorar os demónios do passado de amigos em nome de partidas violentas e traumatizantes; julgar demasiado breguilhas abertas; entre outras atividades apropriadas…

Deborah Foreman como Muffy. Fonte: Film School Projects

Contudo, este filme acaba por se separar de outros do seu tempo, devido ao seu tom satírico e consciente e a um twist responsável pelo seu falhanço, mas também pelo seu status de cult classic que tem crescido ao longo dos anos. Põe-te confortável (olha para o sofá antes de te sentares) e vamos revisitar este clássico!

(SPOILERS A PARTIR DAQUI)

Explosão na fábrica de cabeças decapitadas falsas – O filme

O filme inicia-se com os nossos protagonistas Harvey, Nikki, Rob, Skip, Nan, Chaz, Kit e Arch à espera do barco que os vai levar até à mansão da amiga Muffy. No final da viagem de barco, uma partida feita por dois dos amigos corre mal, acabando com um dos trabalhadores a perder um olho. Isto abala tanto um dos envolvidos, Skip, que acaba por escolher trocar o jantar entre amigos pela garrafa, enquanto fica na parte de fora de casa a uivar para o céu, porque… trauma? Na mesa de jantar, Muffy faz algumas partidas básicas, porém, quando cada inquilino chega ao seu quarto, começa a reparar em coisas estranhas, especialmente Nan, que fica particularmente abalada com uma gravação de um bebé no seu quarto.

A calma antes da tempestade… Fonte: Villain News

Na manhã seguinte, as coisas parecem diferentes: a Muffy, que na noite anterior parecia extrovertida e carismática, parece mais tímida, assustadiça e com um aspeto mais conservador, e ninguém faz ideia de Skip! Por muito assustador que isto seja, não impede o nosso casal maravilha, Kit e Rob, de, após procurarem em conjunto com o grupo o seu amigo desaparecido, apreciarem alguns momentos a sós numa cabana da casa que se encontra diretamente acima do lago. Uma rude interrupção ocorre quando Kit vê a cabeça decapitada de Skip entre as faixas do chão.

O grupo reage surpreendentemente bem e fecha-se dentro de casa, onde percebem que não há água a sair das torneiras. Nikki e Harvey vão juntos ao poço da casa buscar água, onde encontram os membros corporais, incluindo as cabeças decapitadas de mais duas vítimas, Arch e Nan . A partir desta parte, cada um dos amigos começa a desaparecer dentro da casa, sobrando apenas o nosso casal favorito que finalmente consegue desvendar o mistério.

A atriz que fez de Nikki, Deborah Goodrich, passou tanto tempo dentro de água suja que terminou as gravações com uma infeção no ouvido. Fonte: Nine18Pictures

Aparentemente, Muffy tem uma irmã gémea chamada Buffy (agradeço, pelo menos, mais uma personagem cujo nome tem mais do que uma sílaba), que se estava a passar por ela. Buffy é instável; mais especificamente, o tipo de instável que fez com que ela fosse internada num manicómio, do qual escapou com intenções violentas e homicidas. As suspeitas dos sobreviventes confirmam-se quando encontram a cabeça decapitada de Muffy.

Após serem perseguidos por Buffy pela casa, Kit é encurralada e consegue escapar de uma facada, dando-lhe tempo suficiente para abrir a porta para a sala de jantar onde está… todo o grupo, aborrecido e, mais importante, vivo. Rob, que arranjou maneira de ser trancado numa divisão, ainda não sabe disso e é confrontado com o trabalhador do início do filme que retira o efeito especial que lhe dava o aspeto de alguém que perdeu um olho.

O casal preferido de toda a gente, Kit (Amy Steel) e Rob (Ken Olandt). Fonte: PopSugar

Sim… foi tudo uma partida elaborada feita por Muffy, para testar uma ideia que pensou para manter a casa que a mãe lhe deixou de herança – uma aventura de terror e mistério que os eventuais convidados terão de resolver, consensualmente. Quanto às 200 cabeças decapitadas que vemos ao longo do filme, obras do suposto trabalhador sem olho que na verdade é um especialista em efeitos especiais. Ah! O Skip é, verdadeiramente, o irmão gémeo de Muffy e sabia de todo o plano, o que faz o uivar dele uma escolha artística ainda mais questionável!

Buff…quer dizer, Muffy revela o seu plano. Fonte: Nine18Pictures

Todo o grupo festeja o sucesso da experiência sádica e violenta de Muffy, porque é isso que os amigos fazem! Todos menos Nan, que ainda estava afetada com a cassete do bebé. Porquê? Nunca nos é explicado… Mas quando a festa acaba, Nan aparece no quarto da anfitriã e corta-lhe o pescoço… Nop, outra partida. Créditos finais.

Supostamente, havia um final alternativo, em que Skip tenta matar Muffy pela herança, porém é salva por alguns dos amigos que tinham ficado na ilha com a intenção de lhe pregar uma partida de volta. O estúdio optou por um final mais feliz, infelizmente.

Nan (Leah Pinsent) engana Muffy de volta. Fonte: See-Aych

Apreciação de alguém que gastou 5 euros neste filme

Quando o filme foi lançado, a receção foi mista, com muitas pessoas a sentirem-se desiludidas com este esforço que veio dos mesmos estúdios dos filmes da ‘Sexta-Feira 13’. Walton culpou a receção crítica do filme nas técnicas de Marketing de Paramount Pictures, que publicitou o filme como um slasher comum. Mesmo assim, com um orçamento baixo, o filme fez números razoáveis comercialmente e a quantidade baixa de violência permitiu-lhe ser exibido num bom horário de televisão, facilitando a criação de uma base de fãs.

“Os amigos tornam os momentos maus bons e os bons momentos inesquecíveis.” Fonte: This is Horror

Quanto a mim, a primeira vez que o vi, odiei. Achei o filme aborrecido e sem propósito, com personagens pouco memoráveis, o que era surpreendente porque quase nenhuma tinha mais do que uma sílaba no nome, e com um final revoltante. Para alguém que tinha crescido a ver a caixa de DVD com aquela capa icónica que para uma criança era bastante assustadora, descobrir no final que ninguém morre foi, e digo isto com todo sadismo possível, uma desilusão. Contudo, em honra deste artigo, decidi rever e fui positivamente surpreendido!

O guião era mais engraçado do que me lembrava e as personagens eram, na verdade, bastante interessantes, o que acabou por me fazer apreciar mais o final. Destaco também o elenco, especialmente as performances cómicas de Deborah Goodrich , que tinha mais material e, objetivamente, a melhor personagem do filme; Nikki, interpretado por Thomas F. Wilson, que traz carisma a uma personagem que facilmente podia ser esquecida; e também Deborah Foreman, que vende as duas personagens que interpreta, Muffy e Buffy.

Contudo, o facto de o filme não dedicar mais tempo a estudar a dinâmica das personagens, e saltar logo para a sátira dos filmes de terror da altura, fez-me perder interesse, especialmente porque a violência acaba por ser pouco explicita ou divertida, devido às limitações do final. É compreensível que o estender das personagens para além dos arquétipos que representam derrota o prepósito do filme, que é a satirização dos slasher dos 80’s, porém acabam por desperdiçar as duas melhores armas a seu favor: o guião e os protagonistas.

A suposta cabeça decapitada de Muffy. Fonte: Nine18Pictures

Para além disso, o terceiro ato é demasiado confuso e dei por mim a pegar num telemóvel na parte em que devia estar mais agarrado à trama. Não posso, também, deixar de comentar a última cena do filme, que não fez sentido com o tom do resto do enredo e pareceu apenas que foi colada para manter a tradição do último susto que os filmes em que se inspira tanto usam. Mesmo assim, aprecio filmes que brincam com as expetativas de quem os vê e que tentam trazer algo diferente e fresco para a discussão e esse filme fez isso bem. Muitos consideram que sem ele não teríamos outros clássicos como o “Gritos” (1996), de Wes Craven.

Em suma, o filme é bom? Mais ou menos. O seu único traço de personalidade é o seu final? Praticamente. É um comentário interessante à cultura dos filmes de terror dos anos 80 e, por isso, uma peça cinematográfica essencial de se ter numa coleção? Absolutamente! Perguntei isto, em parte, porque gastei 5 euros nele? Talvez…

Artigo redigido por Bernardo Campos

Artigo revisto por Lurdes Pereira

Fonte da imagem de destaque: Letterboxd

AUTORIA

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Natural de Mafra, este estudante de jornalismo ainda não sabe o que quer ou vai fazer mas pode garantir que vai procurar respostas nas artes visuais. Amante de cinema, gostaria de um dia trabalhar em algo relacionado com a área, mas tal como foi dito anteriormente, ainda é uma incógnita… Talvez descubra no próximo filme! Gosta do escapismo e identificação que a arte nos traz, e acredita na importância de contar histórias sobre pessoas, quer seja numa série ou numa reportagem.