O Joey é a pior personagem do Friends! Change my mind…
Friends foi uma série americana criada por David Crane e Marta Kauffman, exibida de 1994 a 2004, que segue a vida de 6 amigos e as suas aventuras semi-realistas enquanto jovens-adultos em Nova Iorque. A chave do seu sucesso duradouro? As suas personagens – Monica, Chandler, Rachel, Ross, Phoebe e, o objeto de análise deste artigo, Joey.
Quero começar por dizer que não odeio o Joey. Aliás, gosto dele o suficiente para o conseguir ver e defender contra o tratamento que teve enquanto personagem. Não só foi longe do que merecia enquanto pessoa, como ainda mais distante daquilo que fazia sentido com o que nos foi dado como 10 anos de «evolução».
Eu sei que existem imensos fãs do programa que adoram o Joey e com isto não estou a tentar atacar o vosso preferido ou a criticar o vosso gosto… Porém, acho que até o mais fanático pelo ator/amante de sanduíches de almondegas consegue encontrar situações que lhe fizeram questionar a sanidade dos escritores ao planearem a sua história.
Sendo que nem é a personagem principal de que menos gosto, porque é que ele acaba por ser a pior personagem principal da série? Metam-se confortáveis que eu vou explicar!
Síndrome de Peter Pan
Quando conhecemos o Joey, rapidamente percebemos que o seu sucesso está assente em 3 bases: a sua beleza, a sua burrice e o seu coração. E isto não é necessariamente negativo – Joey pode não ser a personagem mais intelectual, mas é perspicaz e a pessoa mais genuína do grupo. Enquanto a maior parte das personagens se foca nas suas dificuldades, Joey é o que mais se diverte, em parte, porque é o único que não procura ativamente a ideia de felicidade como os outros, acabando por ser, na sua maneira especial, o mais inteligente do grupo.
Ele é feliz com a sua vida, com o seu trabalho, com a sua vida amorosa (em 80% da série) e acaba por representar a tese do programa que os amigos são as nossas almas gémeas. Tanto gozamos com os seus comentários pouco brilhantes num momento como invejamos a facilidade que ele sente com coisas tão simples, como comer uma sanduíche. É este espírito infantil que o torna fácil de adorar, mas aquele que também condiciona sua narrativa ao longo da série.
Qual é o emprego que uma criança escolheria caso tivesse a oportunidade? De acordo com um inquérito feito pelo The Sun em 2017,‘ator’ é a quarta profissão mais popular (tendo em conta que o 1º e 2º lugar é youtuber e vlogger, é seguro assumir que em anos anteriores era uma escolha mais popular ainda) e não deve ser coincidência que este seja o tipo de profissão que Joey escolheria. Para além disso, e tendo em conta que a sua vida se resume a típicos comportamentos infantis, como ver televisão, comer, divertir-se com amigos e dormir com mulheres (algo que aconteceria caso a impulsividade de uma criança fosse misturada com as hormonas de um adulto), é seguro assumir que Joey é uma criança presa num corpo de um homem de 30 anos.
E, tal como disse anteriormente, isto não é necessariamente mau. Penso que já nos foi dito ou dissemos que a vida seria mais fácil se voltássemos a ser crianças. Uma vida simples e livre de inseguranças. Mas é aqui que existe um problema…. Sim, a vida de uma criança é invejável, em parte porque não existem responsabilidades, uma coisa que, quer queiramos, quer não, vem com a idade adulta.
É por esta razão que acho que Joey sofre do que é chamado síndrome de Peter Pan. A síndrome de Peter Pan, termo (não uma doença psicológica) criado e estudado por Dan Kiley e inspirado na personagem que lhe empresta o nome, consiste na incapacidade de um adulto de se identificar com comportamentos adultos. Isto significa não ter capacidade de lidar com responsabilidades adultas, como dinheiro ou cuidados básicos, e também uma visão simplificada de coisas, como sexo e relações. Também é caracterizado por algumas atitudes egoístas, como a dificuldade em partilhar, e birras quando as coisas correm mal. Soa familiar?
Joey depende em grande parte da série do apoio financeiro de Chandler; fica falido após não saber gerir o seu dinheiro; recusa-se a falar com Chandler devido ao facto de ele tentar avisar da possibilidade de o trabalho dele correr mal em Las Vegas (mesmo sabendo que acaba por ter razão); recusa-se a partilhar comida; depende em grande parte de Mónica para comer; perde um emprego por insultar os escritores da sua telenovela; dá uma aula de representação sem ter as capacidades, chegando até a lutar contra um dos alunos por um papel.
Para não falar de como trata as mulheres, assediando constantemente até as suas amigas mais próximas, de ter comportamentos que não seriam aceites se ele não fosse tão atraente, como as entrevistas que fez para arranjar companheiras de casa, e do seu comportamento inicial quando Janine começa a viver com ele que incluiu tirar as cortinas do chuveiro.
Eu tenho noção de que isto é uma série de comédia que não deve ser levada 100% a sério e de que Joey compensa muitos destes comportamentos com o facto de ser uma pessoa muito querida, disposta a ajudar sempre os amigos e que os defende caso seja necessário. Contudo, o facto de ele não ser responsabilizado pelos seus comportamentos vem do facto de ele ser adorável, da mesma maneira que não ficamos zangados com um miúdo de 10 anos por ter feito asneiras. É quase como se o vissem como um palhaço incapaz de evoluir, o que me leva para o próximo tópico.
Uma evolução decrescente
Eu sei que muitos devem pensar “Ah! O Joey pode não ser perfeito… Mas todas as outras personagens têm defeitos e fizeram coisas más!” e é verdade. A questão é que parte do programa se dedica à sua evolução, reconhecendo os seus erros e adaptando os diferentes eventos da série para crescerem.
Monica é forçada a lidar com as sua inseguranças e obsessão com controlo, acabando por ter tudo o que procura ao adaptar-se; Rachel consegue superar (a maior parte d’) as suas atitudes mimadas e ignorantes, ao encontrar humildade e satisfação pessoal com e no seu trabalho e vida pessoal; Chandler consegue lidar com os seus traumas de infância ao encontrar amor tanto em Monica como em si próprio; Ross aprende a lidar com as suas fantasias amorosas, aceitando a imprevisibilidade da vida como algo garantido, ainda que muitas vezes injusto; e Phoebe, finalmente, encontra felicidade com Mike, ao perceber que quer algo tradicional e normal, depois de uma vida cheia de aventuras fascinantes e traumáticas.
O que é importante sublinhar é que estas personagens não se tornam magicamente na melhor versão deles próprios – continuam a ter defeitos e traços de personalidade estáveis. Porém, todas estiveram numa viagem que os transformou da mesma maneira que 10 anos de erros e lições fariam qualquer pessoa mudar. Contudo, com a personagem de Joey as coisas estão praticamente iguais e o que está diferente piorou comparado com a primeira temporada.
A parte frustrante é que nem faz sentido, uma vez que passou por coisas que o deveriam ter mudado. Temos, por exemplo, a altura em que se apaixona por Rachel, que mostrou que a visão que ele tinha sobre relações estava a mudar para algo mais maturo e sério, mas, mesmo assim, termina com os mesmos hábitos mulherengos que no início; a sua evolução profissional em encontrar um propósito acaba por não ir a lado nenhum no últimos momentos da série, terminando no mesmo papel na mesma novela que representava nas primeiras temporadas; não mostra qualquer ambição ou motivação de mudar aspetos da sua vida como os seus amigos, ficando até frustrado por todas as mudanças da mesma maneira que uma criança ficaria.
O problema aqui não é tanto que Joey é má pessoa ou que não tem espaço para evoluir, é mais que os escritores ignoraram quaisquer desejos passados da personagem e escolheram duplicar tudo o que o fazia charmoso, ou seja, fizeram-no mais burro e mais infantil. É por isso que, enquanto outras personagens compram casas, adotam crianças, casam ou têm entrevistas de emprego, o ponto alto de Joey na última temporada é aprender a falar francês para um papel, reduzindo-o a um miúdo de 30 anos sem capacidade de repetir sílabas que está exatamente no mesmo lugar da sua vida que estava no primeiro episódio apenas com um emprego mais estável.
Crescer é inevitável e Joey não tinha de perder o que o fazia especial para o fazer, da mesma maneira que as outras personagens mantiveram os seus traços-base e apenas evoluíram. E não, Joey não teve aquele final por causa do seu spin-off, uma vez que foi a terceira escolha dos criadores. E é aparente o porquê… O programa só durou 2 temporadas, provando que uma personagem sem evolução e que já ‘encontrou felicidade’ não é muito cativante se não tiver um grupo de outras igualmente carismáticas com desafios pessoais à sua volta.
As lições que DEVERÍAMOS reter de Joey
Pondo tudo de parte, tal como todas as outras as personagens, há coisas que devemos aprender com Joey. Não devemos levar a vida sempre a sério, perceber que a felicidade está em todo o lado e que não podemos pôr o peso da nossa satisfação pessoal no que os outros esperam de nós. Claro que um bom emprego nos vai ajudar e que estabilidade financeira é algo que todos nós devíamos tentar ter, mas muitas vezes nós estamos no nosso mais feliz com as coisas simples, sejam elas jantar com um amigo, seja passar um dia inteiro a ver televisão. A vida às vezes é complicada e até o terrível se torna tolerável, se tivermos os nossos amigos ao nosso lado, e isto é algo que Joey, felizmente, nunca teve de aprender.
Contudo, se te identificas com o Joey, percebe que não és apenas um alívio cómico ou alguém sem capacidade para se tornar mais do que aquilo que os outros esperam de ti. Crescer é universal e uma das únicas verdades absolutas é que ninguém fica igual para sempre. Quer queiramos, quer não, temos de aceitar as responsabilidades da vida, de assumir os nossos erros e de ter ambição para sermos sempre a melhor versão de nós próprios.
Artigo revisto por Ana Rita Sebastião
Fonte da foto de capa: Friends Wiki
AUTORIA
Natural de Mafra, este estudante de jornalismo ainda não sabe o que quer ou vai fazer mas pode garantir que vai procurar respostas nas artes visuais. Amante de cinema, gostaria de um dia trabalhar em algo relacionado com a área, mas tal como foi dito anteriormente, ainda é uma incógnita… Talvez descubra no próximo filme! Gosta do escapismo e identificação que a arte nos traz, e acredita na importância de contar histórias sobre pessoas, quer seja numa série ou numa reportagem.