A Decadência da Música
Uma das discussões mais atuais e presentes sobre a indústria da música é a decadência da qualidade da arte mediante o lucro que esta traz. Muitas vezes, este fenómeno é atribuído ao aparecimento de plataformas digitais como o TikTok, que potencializam a fácil viralização de melodias, mas pouco se olha para a origem destas opiniões e mudanças através de outras lentes.
Não é de agora que é feita a distinção entre “boa” e “má” música pelos ouvintes. Na verdade, isto é algo que acontece com arte no geral, em qualquer forma. Estes ataques são normalmente feitos à música Pop, ou música mainstream no geral. Porquê?
Algo que podemos notar cada vez mais a crescer na sociedade é o espírito individualista, de que cada um de nós é único – ou melhor, tem de ser único. Isto porque, com o aparecimento das redes sociais, todos nós nos tornámos pequenas marcas a lutar para nos diferenciar e oferecer algo, supostamente, diferente. O sistema capitalista alimenta e é alimentado por este espírito, oferecendo marcas e produtos que nos vendem a ideia de unicidade. Ao mesmo tempo, rapidamente satura essa mesma coisa e precisa de oferecer outra que substitua e reforce o sentimento de ser único. Com a música não é diferente e o melhor exemplo deste ciclo em funcionamento nesta indústria é quando uma música viraliza no TikTok e temos uma parte específica de público a lamentar o “estrago” que foi feito a uma faixa que estes ouviam até ao momento, na esperança de mostrarem que são diferentes da grande massa que ouve agora a música.
Este tipo de pensamento pode levar à opinião de que música mainstream é má porque é repetitiva, foi feita a pensar no lucro, tem letra vazia, pelas melodias básicas, etc. Há críticas válidas, a nível teórico, que podem ser feitas, mas a realidade é que não há problema em ouvir uma música com melodia simplista, com letra vazia ou repetitiva. Gostos variam e não é necessário intelectualizar tudo aquilo que ouvimos.
Podemos obviamente discutir também o afastamento do artista da arte, entrar no tópico de que agora os artistas ou agências só pensam em viralizar os seus sons e que isso distancia a música dos sentimentos, daquilo que é a sua origem artística. Há quem argumente até que aqueles que não compõem ou escrevem aquilo que cantam não são, de facto, artistas. Mas, a meu ver, este tópico facilmente se resolve. Afinal, vivemos na melhor época de sempre para ouvir música.
Nunca foi tão fácil ouvir os nossos artistas favoritos: estão à distância de uns cliques no nosso telemóvel, de graça, mais acessíveis que nunca. A era em que eram necessários CD’s, cassetes ou vinis acabou para a maior parte da população e, em consequência, também nunca foi tão fácil produzir música. Então, se o meu problema é achar que a música que toca no rádio é vazia, facilmente pesquiso no Spotify e no Youtube artistas que sejam do meu agrado, e a probabilidade de encontrar a sonoridade perfeita é gigante porque há cada vez mais artistas no mercado.
Pessoalmente, prefiro quando a música fala para mim de alguma maneira, através de instrumentais ou letras, de sentimentos, sonoridade ou de algum fator incompreensível; mas isto não me impede de ouvir músicas comerciais se me entretêm de uma maneira satisfatória. Até porque acredito que uma música pode ser comercial ou do agrado da grande massa e, simultaneamente, ter valor artístico. E acho, de facto, um tanto triste o lucro ser mais valorizado do que a música pela parte das grandes gravadoras, mas esse é um problema atrelado ao nosso sistema económico que acaba por estar relacionado com outros fatores. Mas, acima de tudo, acho que devemos olhar para o facto de já não sermos obrigados a ouvir apenas aquilo que passa na TV, na rádio, ou os CDs que compramos.
Quando temos uma infinidade tão grande de música ao nosso dispor e insistimos na narrativa de que a qualidade tem vindo a diminuir, estamos a ignorar esta panóplia variada na qual temos artistas que falam de sentimentos, experiências, vivências, que utilizam melodias para comunicar, que percebem a teoria por detrás de tudo e dão atenção ao mínimo detalhe. Arrisco a dizer que ignorá-los, e manter a narrativa em vez de os enaltecer, pode ser aquilo que, de facto, inicia a real decadência da música.
Fonte da capa: Kill the DJ
Artigo revisto por Sofia Santos
AUTORIA
Com interesses em várias áreas, a experimentação faz parte do currículo da Joana. Atualmente estudante de Publicidade e Marketing na Escola Superior de Comunicação Social, quer desenvolver o amor que tem pela escrita utilizando a Magazine como ponto de partida. Desde a música, passando pela política, filosofia e até ficção, são várias as áreas onde pretende deixar as suas palavras escritas.