Música

É Só Harakiri, Baby — uma história de autodestruição

Nunca antes o indivíduo se deparou com tanta facilidade em consumir conteúdo dos quatro cantos do mundo, e isso não muda quando falamos da indústria da música. Obviamente temos grandes artistas no estrangeiro, liricistas, músicos e produtores, que encantam o público português com as suas melodias, mas também é certo que os artistas portugueses acabam por ficar ofuscados no meio de tanta oferta. Há uma certa desvalorização da arte portuguesa por parte do público nacional, e penso que o primeiro passo para levantar esse problema aos poucos é falar sobre lançamentos nacionais. Sendo assim, hoje dou a conhecer É só Harakiri, Baby, o mais recente álbum de João Borsch.

O álbum começa pelo Fim, literalmente – uma faixa instrumental que nos oferece uma sneak peek do resto do álbum e que nos transiciona para Ele Morre no Fim, a música que inicia a narrativa que vamos continuar a ouvir. Ao longo do disco, vamos ter o espaço e o tempo moldado, conhecemos arquétipos de personagens irónicas, brincalhonas, escandalosas e destruidoras, sendo o personagem principal da história um hedonista que se faz acompanhar dos seus vícios, problemas e inseguranças numa viagem não linear entre a Terra e o Inferno. 

Nesta história são explorados vários sentimentos e temas, como por exemplo na faixa Apaz, onde a vulnerabilidade, ou melhor, a dificuldade em ser vulnerável é o tema central. Além da diversidade de temas, esta faz-se acompanhar de uma diversidade em termos de construção musical, uma reflexão direta dos gostos diversos do artista.

O melhor exemplo desta diversidade é a comparação entre as faixas Jardel e F Doido (Reprise), onde uma delas parece diretamente saída de um teatro musical, enquanto a outra poderia facilmente enquadrar-se no metal, ou na categoria de “música de berros”, e, por mais estranho que isto pareça, ambas as músicas se enquadram perfeitamente na peça como um todo.
A melancolia e amargura com que Eu Não Te Mereço nos atinge é esquecida quando somos introduzidos por Fósforo? à sequência de Pólvora! e Deixa-me em Paz (Chagas), onde passamos pela euforia, caos e, de um certo modo, aflição do personagem principal. Diria que, de todas as músicas do álbum, Pólvora! é, sem dúvidas, a que mais tem potencial de cativar o público geral através do seu instrumental, que entra no cérebro (e que se recusa a sair durante um tempo), e das melodias vocais, que fazem jus ao sentimento de êxtase da música.

Depois de voltarmos ao tema da dificuldade em expressar sentimentos e do quão contraditórios estes podem ser, Deixa-me Em Paz (Chagas) segue-se de F Doido, que ajuda o personagem, com o seu instrumental um tanto alucinógeno, a falar sobre os seus vícios. Com estes claramente expostos, temos  em Por Favor, Deixa-me Tentar e em Nunca Consigo Recusar reflexões do personagem principal não só sobre os vícios, mas também da inevitabilidade que sente em relação a estes e as consequências que as suas decisões lhe trouxeram – ainda que isto seja contado ao ouvinte disfarçado de uma certa ironia.

Agora que demos a volta ao álbum todo, podemos compreender o título É Só Harakiri, Baby. “Harakiri”, muito resumidamente, era uma forma de suícidio específica utilizada pelos samurais japoneses quando preferiam morrer e preservar a sua honra e dignidade em vez de viver em desgraça. Acaba por ser uma maneira de autodestruição, e é isso que as músicas nos contam: uma história que passa por várias emoções e ações, onde todas elas têm algo de auto-destrutivo a transparecer.

O músico e multi-instrumentista madeirense amarra, assim, todas as pontas da história que conta através de uma experiência imersiva, uma verdadeira viagem emocional e musical que mostra o talento e originalidade que Portugal tem a descobrir e a valorizar.

João Borsch apresentou-se na mais recente edição do NOS Alive, e agora estará ao vivo dia 11 de janeiro no palco do clube b.eleza, muito provavelmente a apresentar não só músicas do seu álbum mais recente, mas também do anterior – Uma Noite Romântica com João Borsch. Além disso, vamos ainda poder contar com a sua presença no Festival da Canção, em 2024.

Fonte: Instagram

Fonte da capa: ET AL.

Artigo revisto por Andreia Batista

AUTORIA

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Com interesses em várias áreas, a experimentação faz parte do currículo da Joana. Atualmente estudante de Publicidade e Marketing na Escola Superior de Comunicação Social, quer desenvolver o amor que tem pela escrita utilizando a Magazine como ponto de partida. Desde a música, passando pela política, filosofia e até ficção, são várias as áreas onde pretende deixar as suas palavras escritas.