Memórias de uma vida feliz: Agatha Christie
15 de setembro de 1890, Torquay, Inglaterra. Agatha Mary Clarissa Miller, mundialmente conhecida como Agatha Christie, foi uma escritora, poetisa e dramaturga britânica eternizada pelas suas obras policiais.
Aos 75 anos, Agatha toma a decisão de escrever uma autobiografia onde detalha o seu percurso de vida: de uma alegre criança ao fenómeno literário que conhecemos.
Infância
“Fui chamada Mary, porque era o nome de minha avó; Clarissa, porque era o nome de minha mãe; e Agatha surgiu posteriormente, sugerido já a caminho da igreja.” (pág. 23)
Agatha Miller foi agraciada por uma infância feliz e estável. Vivia com a família em Torquay, numa casa tipicamente vitoriana com os seus dois irmãos, Madge e Monty, e os pais, Clara e Fred Miller, que eram os pilares de sustentação da família. Agatha, a mais moça dos três filhos, via-se obrigada a brincar sozinha e a recorrer ao poder da imaginação. “Todas as minhas brincadeiras eram de faz-de-conta. Desde que me lembro, tive vários companheiros que eu própria inventava. Os primeiros, de quem já mal me recordo, exceto do nome que lhes dava, eram os “gatinhos”.” (pág. 20)
Agatha Christie
À época, era comum as casas acolherem várias governantas, o que não indicava necessariamente que a família era desafogada. Os criados eram, inclusivamente, tratados de uma forma bastante cordial e respeitosa.
Com apenas quatro anos, Agatha começou a nutrir um interesse genuíno pelos livros. Então, aprendeu rapidamente a ler, mais tarde a escrever e a estudar aritmética incentivada pelo pai.
Aos seis anos, ela já dominava a leitura. Nesse momento, os negócios de Fred iam de mal a pior e a economia da família deixou de ser o que era. Por essa razão, Agatha e os pais viajaram para o sul de França por seis meses, de modo a recuperar algum dinheiro através do arrendamento da casa.
Os pais decidiram matricular Agatha em várias escolas de música, de canto e de dança. Somente aos nove anos é que ela começou a frequentar uma escola comum, adquirindo todo o seu conhecimento até então através de livros.
Uma catástrofe abalou a família económica e psicologicamente quando Agatha tinha 12 anos. Após longos períodos doente, Fred Miller veio a falecer, deixando a família enterrada em problemas financeiros.
Começo da vida adulta
Com 20 anos, Agatha já possuía capacidades como pianista e como cantora, mas nenhuma destas carreiras se mostrava promissora. Tinha um certo gosto pela escrita, de modo que, uma vez ou outra, enviava alguns poemas para o The poetry review, e alguns chegaram a ser publicados. Por outro lado, não era fácil que as editoras aceitassem os seus escritos. O seu primeiro romance, intitulado Neve sobre o deserto, fora prontamente recusado; contudo, desistir nunca foi uma opção.
Com o irromper da Primeira Guerra Mundial, Agatha voluntariou-se para ajudar os soldados feridos nos hospitais locais. Foi devido a isso que conheceu Archibald Christie, com quem acabou por casar.
Agatha Christie
Durante os seus períodos de repouso na enfermaria, Agatha começou a imaginar o seu primeiro livro policial, mais tarde tornado realidade pelo nome de O misterioso caso de Stiles. “Foi assim que comecei minha carreira. Nessa ocasião, não suspeitava que viria a ser tão longa! A despeito da cláusula sobre meus próximos cinco romances, pensava que essa seria para mim uma experiência única e isolada.” (pág. 331)
A obra, além de trazer o nome de Agatha Christie para a boca do mundo, imortaliza o carismático detetive belga. “Não sei por que me decidi por Poirot. Se fui eu própria quem o inventou, ou se o vi em algum jornal, ou escrito em algum lugar, não sei – mas assentei que seria esse o nome. Combinava bem, não com Hercules, com ‘s’, mas sim com Hercule — Hercule Poirot.” (pág. 306)
Anos mais tarde, Agatha e Archi têm uma filha, Rosalind.
O casamento, embora feliz durante a maior parte dos 14 anos, chegou ao fim graças a um caso extraconjugal de Archi. Agatha, incrédula, sentiu a necessidade de viajar sozinha pelo mundo para se redescobrir.
O Expresso do Oriente
Deixando tudo e todos para trás, Agatha embarca no Expresso do Oriente em direção a Bagdade e mergulha numa viagem pela Europa que viria a mudar a sua vida para sempre. Conheceu várias pessoas, viajou pelo deserto e fez excursões a montanhas. Foi no Iraque que Agatha conheceu Max Mallowan, um arqueólogo. Após dois anos de uma amizade genuína, em 1930, Agatha e Max casam-se, apesar de Agatha ser mais velha que ele, o que era de certa forma mal visto. Durante todos estes anos, a fama literária de Agatha Christie era crescente a cada livro publicado.
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, Agatha retornou à sua missão nos hospitais, no entanto, sem nunca pôr de parte a sua escrita. “Ao contrário do que algumas pessoas pensaram, nunca tive, durante a guerra, dificuldade em escrever. Suponho que isso se deve ao fato de eu ter criado uma espécie de compartimento especial em minha mente. Eu podia viver dentro de meus livros, viver com as pessoas sobre as quais escrevia, murmurando as suas conversas e vendo-as caminhar pelo quarto que para elas inventara.” (pág. 594)
Quem é Agatha?
Com o objetivo de fazer uma retrospetiva, na sua autobiografia, Agatha lista pequenas coisas que a agradam e que a repudiam: “Gosto de sol, de maçãs, quase toda espécie de música, trens e ferrovias, tomar banho de mar, nadar, gozar o silêncio, dormir, sonhar, comer, cheiro de café, lírios-do-vale, a maioria dos cães e teatro.” (pág. 496)
“Não gosto de multidões, nem de me sentir esmagada de encontro a outras pessoas, vozes altas demais, ruído, conversas infindáveis. Para terminar, a coisa que detesto mais ferozmente — o sabor e o cheiro de leite quente!” (pág. 496)
Nos dias de hoje, Agatha Christie é um nome incontornável da literatura policial do século XX. A rainhca do crime presenteou o mundo com as suas obras intrigantes e intemporais, inspirando todos os que ousam aventurar-se pelos seus mais de 80 livros.
“Estou pronta, agora, a aceitar a morte. Fui singularmente feliz.” (pág. 644)
Título do livro: Autobiografia
Editora Nova Fronteira
1977 autora Agatha Christie
Fonte da capa: Flickr
Artigo revisto por Inês Moutinho
AUTORIA
Um misto de curiosidade, de muito trabalho e determinação é o de que é feito Tomás Delfim. Gosta de desporto, ciência e, principalmente, de se comunicar e fazer ouvir. A falta da sua visão nunca foi um obstáculo no seu caminho, o que apenas o tornou mais determinado.