A morte inevitável do cowboy gay
Gays morrem muito em filmes… Não sou o primeiro a reparar nisto, muito menos o primeiro a comentar. De facto, isto tornou-se algo tão comentado que já surgiu um cliché a satirizar este acontecimento. ‘Bury your gays’, ou, em português, ‘Enterra os teus gays’, que tem sido usado como base para discutir a representação da comunidade LGBT+ no mundo do entretenimento.
Uma variável menos falada desta trope será o foco desta análise – o cowboy. Porquê? Primeiramente, porque se existe uma maneira de analisar as implicações negativas da homossexualidade na vida de um homem comum, é através do cowboy (prometo que vou aprofundar). Mas também porque houve uma notável, mesmo que acidental, evolução desta personagem no mundo do cinema.
Como exemplos usarei dois filmes, Brokeback Mountain (2005) e o Poder do Cão (2021), dos quais retirei três personagens – Ennis del Mar, Jack Twist e Phil Burbank.
Todos os cowboys cantam uma música triste…
Ainda que o seu tom trágico não tenha envelhecido assim tão bem nos meus olhos, este filme é um clássico. Não só contou com Jake Gyllenhaal e Heath Ledger a fazerem de vaqueiros gays, o que em si foi revolucionário, como também deu a Ang Lee o Oscar de melhor realizador, fazendo dele o primeiro asiático a receber esta honra. A história é simples: depois de serem pagos para guardar um rebanho durante um verão, dois homens apaixonam-se, estendendo os poucos meses passados numa montanha numa relação sigilosa que irá continuar durante anos, mesmo após ambos criarem famílias. No final, Jack é morto por ser gay enquanto Ennis acaba a viver sozinho e para sempre assombrado pela morte do amor da sua vida.
Esta história de amor mudou a maneira como Hollywood e as audiências olhariam para relações homossexuais no futuro. E, honestamente, é difícil ignorar a sua genialidade. Sim, isto é extremamente melodramático, mas não deixa de estar agarrado à realidade. Quem seria um melhor exemplo para explorar a incompatibilidade de masculinidade e homossexualidade do que um cowboy, que na sua base incorpora todos os elementos de um ‘homem a sério’.
É poderoso ver duas pessoas presas num loop de expectativas impostas, limitadas pelo que acham que é certo e possível nas suas vidas. É ainda mais trágico ver as consequências de quem foge a essas expectativas.
Mesmo que muitos escolham excluir este filme da conversa atual sobre os problemas da representação LGBT+ no cinema, devido ao seu simbolismo e legado, muitos desses tópicos estão presentes na trama. Por muito que sejam complexos, tanto Ennis como Jack existem para morrer – Jack fisicamente e Ennis emocionalmente. Eles não têm muitas falhas a não ser aquelas que advêm da masculinidade tóxica e vida sigilosa que praticam, sendo necessárias para fazerem sentido enquanto personagens. No final do filme é claro que eles foram criados para criticar mentalidades retrógradas e exigir mudança, ou seja, serem vítimas e nada mais.
Repito, o filme é excelente e faz todo o sentido tendo em conta o que está a tentar representar, mas não deixa de ser limitador o facto de que a sua história seja apenas sobre eles serem aquilo pelo que estão atraídos, e perigoso para aqueles que queiram viver a sua verdade, mas que não o farão por medo.
Vítimas por azar, culpados por escolha…
No filme O Poder no Cão, Benedict Cumberbatch é Phil, um cowboy gay que se esconde numa ‘personalidade macho’, que foge à sua solidão ao atormentar a esposa do seu irmão e ao conectar-se com o filho da mesma na tentativa de criar uma relação genuína. A realizadora Jane Campion fez algo que mudou a trope completamente: fez de Phil um vilão, que mesmo influenciado pela sua homossexualidade, é tratado de forma justa e sofre as consequências das suas ações.
Sim, Phil tem uma história em que lhe é oferecida simpatia devido à maneira como a sua sexualidade influenciou a sua evolução pessoal, mas no final é usado para criticar a masculinidade tóxica que representa. Ele trata mal as pessoas à sua volta, tal como Ennis e Jack, devido ao estilo de vida a que foi forçado. A diferença está no facto de Campion fazer questão de não o defender, criando uma personagem, que independentemente da sua sexualidade, tem uma história em que as suas ações são dele enquanto uma pessoa complexa e não de uma vítima sem mais nenhum traço sem ser o facto de ser gay.
Este estudo feito em Phil, torna o cowboy gay numa história de aviso, em que é ilustrada a incompatibilidade da masculinidade tóxica com a condição humana, sem ser necessário apenas vitimizá-lo.
Humanos são criaturas complexas, muitas vezes vítimas de fatores externos, mas capazes de fazer atos incrivelmente maus. Contudo alguma da igualdade humana parte do facto de isto ser universal. A morte de Phil não representa a maneira como a sua sexualidade ditou o seu destino, mas sim como viver uma vida guiada por ódio, cego pela necessidade de ser um ‘homem a sério’.
Fonte da capa: NBC News
Artigo revisto por Miguel Tomás
AUTORIA
Natural de Mafra, este estudante de jornalismo ainda não sabe o que quer ou vai fazer mas pode garantir que vai procurar respostas nas artes visuais. Amante de cinema, gostaria de um dia trabalhar em algo relacionado com a área, mas tal como foi dito anteriormente, ainda é uma incógnita… Talvez descubra no próximo filme! Gosta do escapismo e identificação que a arte nos traz, e acredita na importância de contar histórias sobre pessoas, quer seja numa série ou numa reportagem.