Cinema e Televisão

A Representação do Jornalismo no Cinema

O cinema, como todas as formas de arte, influencia a percepção do público acerca da realidade, até mesmo sobre a nossa relação com os jornais e o que entendemos que é o jornalismo. O académico Brian McNair – especializado em estudos sobre o jornalismo – afirma no seu livro Journalist in Film: Heroes and Villains (2010) que a nossa sociedade vive uma “esquizofrenia cultural” no que diz respeito aos media. Tanto nas opiniões populares como no cinema, o autor defende que os jornalistas podem ser tanto vilões como heróis nas narrativas. Desta forma, podemos analisar, através da sétima arte, vários retratos da realidade jornalística, dependendo daquilo que os realizadores e guionistas decidem pintar. 

EXEMPLOS PARA A VIDA REAL

Os primeiros filmes a serem citados são baseados em factos reais. De tão fidedignos, são até mesmo citados constantemente pelos profissionais da área e servem como exemplos nas aulas de jornalismo. A ética é exemplar e as histórias são cativantes e animadoras acerca daquilo que o jornalismo é e pode ser. Nem o medo nem a falta de recursos os detém. A ameaça dos poderosos não é suficiente para travar investigações e divulgação de informações. 

Desde desvendar grandes crimes, até contar histórias únicas, os jornalistas que vivenciaram aquilo que é narrado merecem a representação positiva que têm. Podemos citar a este respeito obras como: “Todos os Homens do Presidente”; “O Caso Spotlight”; “The Post”; ou “Os Gritos do Silêncio”.

No filme “Todos os Homens do Presidente”, os jornalistas Bob Woodward (Robert Redford) e Carl Bernstein (Dustin Hoffman)
Fonte: cinemadebuteco.com.br

Poder-se-ia dizer que estes são os jornalistas heróis, porém há demasiada realidade e sobriedade nas suas personagens para que se diga algo tão fantasioso a seu respeito. Heróis não são exemplos para a vida, mas fontes de inspiração e de entretenimento básicos.

CANETA NA MÃO CAPA NAS COSTAS

Os professores poderiam defender que jornalismo sem ética é apenas contar histórias. Na mesma lógica, romantizar a profissão é preparar os aspirantes a jornalistas à pura desilusão. Há pessoas ainda hoje que acreditam que os jornalistas são heróis e que o seu dever é defender os outros, ao invés de falarem pelos outros. Este imaginário certamente foi reforçado por uma série de personagens fictícias que, nas horas vagas (como se um jornalista tivesse muitas horas livres), exercem um jornalismo desleixado, porque seu chamado principal é salvar o mundo. 

No filme “Homem-Aranha” (2002), Peter Park (Toby Maguire) trabalhando para o jornal da escola
Fonte: pinterest.com

Homem-Aranha, Super-Homem, Tintim e Roxanne Ritchie (Megamind) são exemplos perfeitos deste caso. Não representam o jornalismo, mas a sua preocupação com a humanidade é pura e louvável! Críticas e fábulas à parte, eles são uma representação mais positiva por serem, pelo menos, inspiradores em outras áreas…

ROMANCES NA VIDA E NA IRRESPONSABILIDADE

Comédias românticas nunca se propuseram a ser realistas. Entretanto é muito comum que o fictício chegue a tal ponto em que coopera com a desinformação (algo que o próprio jornalismo despreza). Há este padrão em realizações do estilo de “Como perder um Homem em 10 Dias”, “Sintonia de Amor” e “Nunca Fui Beijada”. As personagens principais exercem práticas jornalísticas condenáveis, como se aquela fosse a fórmula do sucesso. 

No filme “Como Perder um Homem em 10 Dias”, a jornalista Andie Anderson (Kate Hudson) começa a contactar o alvo e personagem principal de sua mais nova matéria.
Fonte: elitedaily.com

O trabalho funciona na mesma lógica dos romances retratados: os fins justificam os meios. A arte fica distante da realidade, até mesmo na impunidade destas personagens. Mas é de pontuar que elas pelo menos não cometem erros com o objetivo de causar o mal, nem mesmo são conscientes da falta de competência e cuidado com que agem. 

VILÕES

Não há necessidade de separar os maus jornalistas reais dos fictícios pois deles só se pode recolher visões negativas do jornalismo e todos com intenções nada honráveis. São personagens e pessoas que difamam uma das mais importantes profissões à manutenção da nossa democracia!

Recentemente, o jornal The Guardian realizou um trabalho, intitulado “The Dirty Dozen”, acerca dos “vilões” do aquecimento climático. De entre eles está Rupert Murdoch: o acionista maioritário do News Cooperation, um dos maiores conglomerados de empresas midiáticas do mundo. Empresas estas que, como a Fox News e o Washington Post, são conhecidas por espalharem desinformação acerca do assunto e por darem voz a negacionistas. 

Murdoch pode ser considerado o William Hearst dos dias atuais, pelo menos na visão de Orson Wells e Mankiewicz ao criarem “Citizen Kane: O mundo a seus pés”. Neste que é considerado um dos maiores filmes de sempre vemos uma analogia da vida de Hearst. Kane é um homem extremamente poderoso, por deter uma série de meios de comunicação social, e que tem poder suficiente para moldar a realidade e até mesmo criar seu próprio país. Com mais uma pitada de poder e cria-se a personagem de Jim Carrey em “Bruce: O Todo Poderoso”. 

Hearst também está presente em “Mank”, mas como ele próprio e com as verdades que inspiraram o roteirista a criar este antagonista expostas. 

Charles Foster Kane (Orson Wells) em cima de uma pilha de jornais de que é dono
Fonte: liveabout.com

Deve-se citar também Stephen Glass, que é interpretado por Hayden Christensen no filme “Verdade ou Mentira”.  No melhor estilo Rita Skeeter (“Harry Potter”), Glass foi um jornalista que moldava suas histórias para torná-las mais atrativas. Ao trabalhar com escândalos e descobertas que não fez, Glass construiu uma grande carreira até ao momento em que toda a verdade veio à tona. Podemos receber dele também uma grande inspiração para Alan Krumwide (Jude Law) em “Contágio”. 

No filme “Harry Potter e o Cálice de Fogo”, a jornalista Rita Skeeter (Miranda Richardson) toma notas em tribunal 
Fonte: Harry Potter Wiki

A grande conclusão acerca destes vilões é que a má representação do jornalismo no cinema teve inspiração factual. Contudo, é animador perceber nos filmes sobre a profissão um cuidado em mostrar que há esperança na ética jornalística e que se pode confiar nos media. Respeitar os jornalistas e valorizá-los é importante, mas o público dar credibilidade às informações nos media e não vilanizá-los é mais importante ainda. Por isso, a formação no imaginário público – através da sétima arte – daquilo que é jornalismo tem tamanho significado. 

Fonte da capa: newyorker.com

Artigo revisto por Lara Alves

AUTORIA

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A curiosidade e o questionamento são naturais desde que se lembra. Da História até às artes, sempre tomou gosto por se informar e por compartilhar com outros as suas descobertas. Assim, ao mesmo tempo que o conhecimento e a comunicação surgiam como um estilo de vida, os caminhos jornalísticos e pelo mundo da comunicação social se apresentavam como os melhores a se trilhar.