O Poder do Cão – Cão que morde e não rosna
Com o final do ano a chegar, é natural começar a manter um olho aberto para os filmes que vão dominar a época de prémios. Se eu fosse a Jane Campion ficaria bem confiante que teria lugar marcado em quase todas as cerimónias que estão para vir. Já com uma forte prestação no New York Film Critics Circle Awards, no qual foi honrada em conjunto com Benedict Cumberbatch (justamente), Campion e o seu filme, O Poder do Cão, prometem uma forte presença em qualquer discussão cinematográfica nos próximos meses.
Eu acredito que existem dois tipos de bons filmes: aqueles que têm um impacto imediato, seja por conexão pessoal, sentimental ou visual; e aqueles que se estranham no nosso inconsciente e que fazem o clique após uma análise profunda dos temas e mensagens que muitas vezes são perdidas pela confusão sentida em tentar decifrá-los numa primeira visualização. Este filme pertence ao segundo grupo e é definitivamente uma das experiências mais estranhas que tive a ver um filme.
O primeiro terço do filme é bastante forte, mas também o mais fácil de entender e digerir. Após um segundo mais confuso, senti-me tentado a desligar a televisão e ver algo que não me fizesse questionar todas as decisões tomadas por Campion. E, não totalmente sua culpa, nunca me conectei muito com estética suja e seca de westerns. Não digo que este filme tenha quebrado essa tradição, mas fez um esforço notável.
Se foste uma das pessoas que, como eu, terminou o filme a questionar-se sobre o porquê de estar a ter tantas reviews positivas (e o que foi aquele final), estou aqui para esclarecer e ajudar-te a entender a subtileza brilhante de um filme que, queiras ou não, vai estar em todos os espaços cinéfilos.
Enredo
Phil, um cowboy carismático, é forçado a lidar com a ideia de perder o seu irmão quando ele se apaixona e casa com uma viúva chamada Rose.
Entre banhos de lama e muitas cavalgadas, este consegue torturar psicologicamente a sua cunhada ao ponto de esta se tornar alcoólica. Contudo, quando Peter, filho de Rose, encontra as suas revistas pornográficas, Phil começa a passar mais tempo com ele, acabando por se conectar pelo facto de, tal como ele próprio e Bronco Henry (o seu mentor), também Peter conseguir ver o cão nas sombras das montanhas.
Infelizmente, Peter aproveita-se dos seus conhecimentos de medicina e da proximidade com Phil para causar uma infeção que o mata, vingando a sua mãe no processo.
A masculinidade tóxica e o sigilo entram num bar…
Em qualquer outro filme do género o protagonista Phil seria tratado de maneira diferente. E não é chocante… No papel apresenta as características base de qualquer herói de um western – duro, engraçado, carismático, um saco de testosterona capaz de fazer tudo aquilo que um ‘homem a sério’ deveria ser capaz de fazer.
Mas todas estas qualidades são incompatíveis com o segredo que este é forçado a esconder. Phil é gay, e, como tal, é incapaz de se conectar com alguém à exceção de Bronco Henry, o seu mentor e amante que morreu, e o seu irmão George, que vê para além do seu carisma e evita muitos contactos.
Peter, por outro lado, consegue lidar com toda a negatividade que recebe dos outros homens do rancho e é confiante na sua inteligência, mesmo que seja apresentado como mais fraco a nível de masculinidade. Esta ideia de coragem e força não serem ligadas à masculinidade é muito importante e representa uma base do filme. Phil vive numa mentira, sozinho e preso pelas pressões tóxicas. O facto de apenas ele, Bronco e Peter serem capazes de ver o cão nas sombras da montanha indica que apenas eles sentem o poder do mesmo. Para perceber temos de prestar atenção ao verso da Bíblia que dá o nome a este filme. Para poupar leituras: resumidamente, o cão representa os nossos inimigos, aqueles que nos atormentam.
Ao contrário de Phil, Peter não muda e rende-se às ideias que os ‘cães’ lhe tentam forçar, e, como tal, é capaz de vencer Phil no final ao manter-se fiel à sua verdadeira força e coragem. Phil, por outro lado, arca com as consequências da sua fraqueza e crueldade ao ser morto numa atividade de rotina.
O facto de acharmos surpreendente a vitória de Peter mostra a maneira como caímos na ilusão de força e controlo. Phil, na verdade, não passa de uma casca que esconde um homem frágil e mal resolvido. Peter consegue dominá-lo, sem depender de atuações superficiais, mas sim daquilo que o torna especial e diferente aos olhos dos cães.
Fonte da capa: Collider
Artigo rvisto por Catarina Peixe
AUTORIA
Natural de Mafra, este estudante de jornalismo ainda não sabe o que quer ou vai fazer mas pode garantir que vai procurar respostas nas artes visuais. Amante de cinema, gostaria de um dia trabalhar em algo relacionado com a área, mas tal como foi dito anteriormente, ainda é uma incógnita… Talvez descubra no próximo filme! Gosta do escapismo e identificação que a arte nos traz, e acredita na importância de contar histórias sobre pessoas, quer seja numa série ou numa reportagem.