Literatura

Reversivelmente Irreversível

A morte é um mistério; o sepultamento, um segredo”, Stephen King

Esta é a frase com que, o contador de histórias de terror mais famoso do mundo, faz as honras para dar início à sua célebre obra Pet Sematary (1983).

Uma obra relativamente antiga, porém, faz-nos refletir e questionar, encorajando à introspecção no que diz respeito a temas intemporais – a morte e o luto.

Neste livro, em sincronia com a narrativa, o autor expõe, nos momentos oportunos, as visões de morte das personagens. Contamos com uma visão médica da parte da personagem principal (Louis Creed), uma visão traumática de Rachel (Mulher de Louis) e um olhar inexperiente e inocente da filha do casal (Eileen).

O que é a morte?

No século XIX, a morte era determinada pela paragem respiratória do indivíduo, algo que mudou graças à evolução da medicina.

O fim da vida parece o único evento indubitável que prevalece ao longo da nossa existência e, em simultâneo, possui inúmeras questões.

À parte da sua definição superficial (o termo da vida), a morte acaba por ser um tema subjectivo, adquirindo simbolismos e significados distintos nas diferentes culturas e religiões.

No catolicismo a morte é descrita como uma tranquila caminhada em direção à eternidade, enquanto que no cristianismo o fim da vida é um fenómeno natural. Ao morrer, o corpo e a alma separam-se.

A reencarnação é uma necessidade para evoluir”, Allan Kardec. No espiritismo, a morte é retratada como apenas uma passagem para o plano espiritual, sendo reencarnada em seguida.

Filosoficamente falando, a morte é um ritual de passagem sem retorno. Dá-se a morte do sujeito ao passar da infância para a adolescência e da adolescência para a idade adulta.

O enredo

A família Creed encontra-se num processo de mudanças para um meio rural. O casal, os dois filhos e o seu gato de estimação, Church.

Com o passar dos dias, a família estabelece uma relação com os seus vizinhos da frente, os Crandall. Louis e Jud Crandall tornam-se amigos, apesar da idade avançada deste último.

Nos arredores da casa dos Creed é onde está todo o enredo. Jud apresenta à nova família um cemitério de animais de estimação, localizado nas profundezas da floresta, algo aparentemente inofensivo de início.

Com o decorrer das ações, Jud acaba por revelar um lado oculto desse mesmo cemitério a Louis, de modo a “consertar os estragos”.

A morte para Louis

Louis, médico, detém uma visão sólida e totalmente técnica relativamente à morte, mas é algo que mudará.

Com a morte acidental de Church, Louis entra em pânico, pois teme a reação dos filhos e acaba por recorrer à ajuda do seu vizinho da frente.

Jud leva Louis para sepultar Church no lado oculto do cemitério dos animais, para este poder ter um local digno de descanso, supostamente, eterno.

Antes de Rachel e os seus filhos regressarem da viagem, Church reaparece na casa dos Creed, surpreendendo Louis. Jud explica o que aconteceu a Church, pedindo a Louis para nunca mais voltar àquele lugar.

Cada vez mais a morte faz-se sentir na família Creed. Mais tarde, com a morte do seu filho mais novo, Louis enlouquece. O cemitério de animais parece a solução para tudo e Louis acaba por ceder à tentação, ignorando o facto de que o que é enterrado naquelas terras não retorna exatamente como era.

Estes eventos só contribuem para o fortalecimento da bola de neve de insanidade de Louis. Com a morte da mulher, o processo repete-se, cada vez de uma forma mais mecânica.

Louis deixa de encarar a morte como algo natural e irreversível, começando a vê-la como algo reparável, entrando neste ciclo vicioso, apenas para não se ver obrigado a lidar com o luto.

Reflexões finais

O facto de Louis não querer lidar com a perda juntamente com o conhecimento do poder que tem em mãos fá-lo-á sucumbir à tentação de não se desprender dos seus entes queridos, apesar de todas as agravantes.

A morte é um fenómeno inevitável, consequencial e certo.

Ninguém consegue afirmar, com total certeza, o que, no caso de estar na situação de Louis, acabaria por fazer.

Se vale a pena viver e se a morte faz parte da vida, então, morrer também vale a pena…”, Immanuel Kant.

Fonte da capa: Amazon Prime

Artigo revisto por Madalena Ribeiro

AUTORIA

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Um misto de curiosidade, de muito trabalho e determinação é o de que é feito Tomás Delfim. Gosta de desporto, ciência e, principalmente, de se comunicar e fazer ouvir. A falta da sua visão nunca foi um obstáculo no seu caminho, o que apenas o tornou mais determinado.