Ser saudável sem dietas com a nutricionista Maria Gama
O Dia Mundial da Alimentação é celebrado a 16 de outubro por mais de 150 países em todo o mundo. A sua comemoração tem como objetivo alertar e consciencializar a opinião pública para questões relacionadas com a alimentação e nutrição.
E quem pensa que é apenas nos países menos desenvolvidos que existem esses problemas, está enganado. Também em países desenvolvidos, como o nosso, existem hábitos alimentares inadequados. Segundo o Programa de Alimentação Saudável da DGS, em 2017, a falta de hábitos de alimentação saudável era o 3.° fator de risco para a perda de anos de vida saudável em Portugal. No entanto, essa tendência tem vindo a sofrer alterações e existe uma crescente preocupação com aquilo que se come. Prova disso é a nutricionista Maria Gama, que conta com 132 mil seguidores na página de Instagram do seu projeto de alimentação saudável sem dietas: “Põe-te na Linha”. Para saber mais sobre este projeto e desmistificar alguns temas relacionados com a alimentação, a ESCS Magazine entrevistou a nutricionista.
Qual foi o curso que tirou e qual o interesse na área da nutrição?
Tirei Ciências da Nutrição. Comecei em Lisboa, na Egas Moniz, e terminei no Porto. Na adolescência tive excesso de peso e isso motivou-me a querer aprender mais e a aplicar em mim o que aprendi no curso.
Como é que começou o seu projeto e a sua jornada no digital?
O projeto “Põe-te na Linha” começou em 2015, depois de me ter despedido da empresa onde trabalhava. Queria ajudar as pessoas a perder peso sem fazerem “dietas malucas”, de forma a poderem comer de tudo um pouco. Foi essa a minha motivação. A jornada no digital também começou nessa altura, porque verifiquei que havia uma crescente preocupação das pessoas relativamente à alimentação saudável, e que a forma mais fácil de chegar até elas seria no digital. Comecei com um blog, que fiz todo de raiz, depois criei o Facebook e, mais recentemente, o Instagram.
Associado a isso, faço também workshops, tanto individuais como para grupos ou empresas, sobre a questão da reeducação alimentar, onde acabamos por planear as refeições para a semana. Gosto muito de falar para as pessoas. Além disso, temos desenvolvido também os ebooks, porque as pessoas gostam de ter sempre ideias de receitas. Em 2020, abri a minha clínica, o espaço onde posso dar consultas e fazer os workshops.
Como é que são as pessoas que procuram o projeto “Põe-te na Linha”?
O nosso público-alvo são pessoas que querem perder peso, mas que já pensam de forma diferente, ou seja, vêm ter connosco porque querem realmente reeducar os seus hábitos. As pessoas que vêm ter connosco já sabem como é o nosso trabalho e já trazem esse mindset.
Como é que as pessoas se comportam ao longo da jornada?
Depende muito das pessoas. Acaba por não ser muito fácil porque há pessoas que querem mudar e depois não conseguem manter. Há outras que já estão connosco há muitos anos e sabem que isto tem de ser levado com calma, de uma forma que faça sentido ao estilo de vida delas. Uma coisa que me faz muita confusão são as pessoas que deixam de ir a almoços, jantares e convívios sociais quando na verdade devem fazer exatamente o contrário e aprender a ir fazendo escolhas inteligentes.
A alimentação tem-se vindo a tornar um tema sensível, especialmente nas redes sociais, onde as pessoas expressam cada vez mais a sua opinião. Qual acha ser a razão para isto acontecer? Está relacionado com doenças como a anorexia ou a bulimia? 0u foi uma hipersensibilidade que se criou?
O facto de as pessoas expressarem muito a sua opinião pode ser visto como um problema. Primeiro que tudo porque a maioria das pessoas não são nutricionistas e muitas vezes acham-se donas da razão, opinando sobre tudo. Acho que não é bem por causa das doenças, mas muito pelas modas que surgem. As pessoas experimentam a dieta A, B ou C e resulta, depois vêm vender isso para as redes sociais.
Por norma as pessoas só vão ao nutricionista quando querem engordar, emagrecer ou porque têm algum problema de saúde. Qual a importância de ir ao nutricionista sem um objetivo concreto, apenas como rotina?
É uma verdade, no entanto já começo a observar nas nossas consultas que as pessoas já vêm ter connosco apenas porque querem melhorar a sua alimentação. Querem ser mais saudáveis, apenas como rotina. O papel do nutricionista é muito importante na vida das pessoas, porque independentemente de querermos engordar ou emagrecer, nós temos de nos alimentar bem. Considero que toda a gente, independentemente de ter ou não alguma patologia, devia tentar perceber que escolhas é que seriam melhores para a sua vida e arranjar estratégias para as suas dificuldades. Por isso, acho que seria importante todas as pessoas irem a uma consulta de nutrição para perceberem o que estão a fazer bem ou a fazer mal.
Qual o maior mito relacionado com a alimentação que já deveria ter sido “extinto” em pleno século XXI?
Eu acho que há muitos mitos. No entanto, o mais flagrante que continua muitas vezes a ser dito é ter de cortar os hidratos de carbono para perder peso. Isso é uma mentira. As pessoas podem comer hidratos de carbono (arroz, massa, batata, o que quer que seja), desde que seja nas quantidades certas e equilibradas, de acordo com as suas necessidades energéticas. Claro que tem de haver uma adaptação em consulta, mas isto pode continuar a fazer parte do dia a dia das pessoas. E há muito mais: a questão de que para perder peso tem de se passar fome, de que não se pode comer banana… entre outras.
Há a ideia de que fazer uma alimentação mais saudável é mais caro do que levar uma alimentação em que se come de tudo. Como é que se pode ultrapassar essa ideia? (de facto, cogumelos frescos custam mais do que cogumelos enlatados)
Antes de tudo, para mim, uma alimentação saudável é uma alimentação em que podemos comer de tudo, claro, com equilíbrio. Até fiz um post de seis pequenos-almoços até um euro. Temos muito a ideia de que ter uma alimentação saudável é mais caro, porque se calhar nunca metemos as mãos na massa para fazer contas. Claro que há coisas que são muito mais caras, como, por exemplo, sementes de chia ou frutos secos, mas estes tipos de alimentos não são obrigatórios para termos uma alimentação saudável. Nós podemos comer um pão com queijo e beber leite, que somos saudáveis na mesma. Os cogumelos frescos são mais caros que os enlatados, então comemos cogumelos enlatados. Não é por aí que deixamos de ser saudáveis. O problema não está no cogumelo enlatado, mas, se formos fazer as contas, as batatas fritas custam cerca de um euro e um pacote de arroz também. Contudo, são 500 gramas que dão para imensas vezes, enquanto um pacote de batatas fritas é capaz de dar para uma refeição. Alimentos como os legumes e as frutas são mais caros, mas podemos sempre arranjar estratégias para poupar nas compras: preferir sempre os legumes e as frutas da época; aproveitar as promoções; não ir tantas vezes às compras; optar por leguminosas a granel, que são mais em conta… isto também acaba por ser um mito, pois na realidade não é bem assim.
Qual a parte mais difícil na reeducação alimentar de uma pessoa?
O mais difícil é a pessoa perceber que tem de mudar esses hábitos alimentares para sempre e não de forma passageira. Eu quero reeducar a minha alimentação e, quem sabe, até perder peso. Para tal, tenho de perceber que é necessário alterá-la definitivamente. Os hábitos alimentares têm de ser mudados de raiz. Se agora vou trocar o iogurte de aromas ou de pedaços pelo natural, devo manter o iogurte natural e não vou voltar ao outro. Muitas vezes não é isto que acontece. As pessoas fazem uma mudança enquanto têm determinado objetivo e depois voltam aos seus hábitos anteriores. Aí acaba por ser desafiante porque as pessoas não percebem que têm de fazer esta alteração.
As pessoas acreditam que realmente é possível perder peso “sem dietas”?
Eu acho que já há pessoas que acreditam nisto, pelo menos os clientes que chegam até nós, e é o que eu promovo: ter uma alimentação saudável ou perder peso sem dietas, ou seja, sem dietas restritivas. Já acreditam nisso e percebem que conseguem perder peso mesmo comendo hidratos de carbono, pão, comendo a sua sobremesa, o seu gelado. Muitas vezes, as pessoas chegam à nossa consulta sem comer hidratos de carbono e saem da nossa consulta a comê-los. Na consulta seguinte acabam por perder peso. Mas também passa por nós, profissionais de saúde, continuar a passar essa mensagem. Fazer perceber que para perder peso não é preciso passar fome e restringir grupos alimentares. É sim preciso mudar os hábitos alimentares que já vêm de há muitos anos, e isso muitas vezes é um desafio.
Na alimentação, como em tudo, também há modas. Qual é a moda existente neste momento que considera que vai acabar?
Há muitas modas, é verdade. Eu acho que agora não há propriamente nenhuma mais flagrante. As grandes modas que existiram foram a do óleo de coco, que apareceu e muita gente passou a usar como substituto do azeite, a questão do grande consumo do abacate e também o jejum intermitente, diria eu.
Mesmo que vivamos num país desenvolvido, sem aparentes problemas de alimentação (ou falta dela), há um longo caminho a percorrer na jornada de hábitos de alimentação saudável na vida de cada um. O primeiro passo para esse caminho deve ser procurar um nutricionista que nos acompanhe.
Fonte da capa: Maria Gama
Artigo revisto por Beatriz Santos e Inês Moutinho
AUTORIA
Luísa Montez é redatora da ESCS Magazine desde novembro de 2020, tendo começado por escrever apenas para a secção de Moda e Lifestyle. Após o sucesso do seu artigo escrito, excecionalmente, para a secção de Grande Entrevista e Reportagem, decidiu aceitar o convite e fazer parte da mesma. Antes de entrar na ESCS já sabia que queria pertencer à revista, pois a escrita é um dos seus pontos fortes.