Música

Enterrar “Vinte Vinte”

Uma homenagem a todas as pessoas que viveram a escuridão que 2020 trouxe. Na esperança de dias melhores, pedimos aos céus que nos devolvam a luz, o ar e o amor que o passado ano nos tirou. Enterremos o que passou, para ver nascer o que virá.” – É com esta mensagem que começa o videoclipe da música “Vinte Vinte” (Pranto), uma colaboração entre três grandes artistas da música nacional: Conan Osíris, Ana Moura e Branko. As palavras estão escritas tanto em português como em inglês, o que nos remete para o contexto global da situação em que vivemos.

Este tema foi lançado no dia 3 de Janeiro de 2020 e surgiu como uma obra sobre morte e renascimento centrado na esperança. Tal como todos nós, os autores julgaram que o ano passado ia ser bastante diferente daquilo que realmente foi, graças à pandemia devastadora que nos abalou a todos. Mais de um ano depois, o videoclipe é lançado a 26 de março. Com letra escrita por Conan Osíris, que canta ao lado da fadista Ana Moura, e produção de Branko, a canção apresenta-se agora como um abandono dos tempos vividos, sendo que o videoclipe transparece um ambiente fúnebre. No comunicado oficial do lançamento é dito que “a canção precisava de se resolver, com uma tradução visual que a arrumasse no seu tempo, mas que também nos dissesse que algo de novo está prestes a chegar”. Este é “um filme para arrumar um tempo. Um filme para nos resolver o futuro“.

BRANKO e Ana Moura
Créditos: Pedro Leote

O cenário são as ruas de Alfama. O enredo foi pensado por Pedro Mafana e a realização ficou a cargo de Irish Favério.

Após a mensagem de abertura, vemos Ana Moura totalmente vestida de preto, com um véu, perto de uma igreja, acompanhada por alguns figurantes num ambiente um tanto pesado e melancólico. A partir do primeiro minuto, é possível observar os mesmos a andar pelas ruas enquanto carregam um caixão, sendo isso uma metáfora direcionada ao “velório” do ano de 2020.

“Vi a minha vida na boca de um lobo / Vi a despedida no bico de um corvo” – Excerto da letra de “Vinte Vinte”.

É na marca dos dois minutos e catorze segundos que entra a voz de Conan Osíris. Este aparece totalmente vestido de branco, contrastando com o vestuário da fadista. Não é somente no vestuário que os dois protagonistas contrastam: enquanto Ana Moura se encontra sempre num plano mais baixo, Conan Osíris surge no cimo de uma varanda. Tal poderá ser interpretado como o contraste entre os tempos negros e traumáticos (vestuário negro e posição inferior) e a esperança para um futuro melhor (vestuário branco, posição superior).

Conan Osíris e Ana Moura
Créditos: Pedro Leote

Toda a restante duração é ocupada pelo desfile fúnebre ao longo das ruas mais tradicionais de Lisboa.

Tanto o vídeo como a própria música fizeram imenso furor nas redes sociais e receberam comentários bastante positivos por parte de outras figuras do mundo da música portuguesa, como Dino D’Santiago. “Dos encontros mais fortes que a música portuguesa teve até hoje. Tal como em 2020, parece que 2021 encontrou o seu momento cultural.”, escreve o cantor.

Importa agora continuarmos com os devidos cuidados relativamente ao período conturbado que estamos a ultrapassar, para que o cenário arrebatador que nos é possível visualizar neste vídeo não se repita. Para além do número trágico de vidas que se perderam devido à COVID-19, o setor da cultura foi um dos mais afetados pelos diversos períodos de confinamento e restrições.

Acho que a mensagem deste vídeo pode também simbolizar isso mesmo, considerando que aos três minutos e 29 segundos surge um novo figurante acompanhado por uma guitarra. A “morte” de inúmeras figuras do mundo do espetáculo chegou de repente ao verem-se sem trabalho e sem forma de sustento. Foram os primeiros a abandonar o barco e, provavelmente, serão os últimos a retomar o rumo das suas vidas.

Logo de seguida, aparece ainda em cena uma outra presença, desta vez alguém no pequeno café. É do conhecimento geral que, a par do setor da cultura, o setor da restauração foi também um dos setores que mais consequências sofreu.

Concluo com votos de um futuro mais gentil. A quem tanto se preocupa e se dedica a entreter-nos, a nós público. Não só aos artistas, mas também aos técnicos. Apoiemos a cultura neste momento tão difícil. Apoiemos o setor da restauração. Apoiemos aquilo que é nacional.

Ana Moura via YouTube

Artigo por: Joana Salvada

Imagem de capa / Créditos: Ana Moura via YouTube

Artigo revisto por Miguel Tomás

AUTORIA

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A Joana encontra-se na junção do perfeccionismo e da ambição. Natural de Beja, sempre quis ter um papel ativo na indústria da música. Mudou-se para Lisboa para estudar Publicidade e Marketing, adaptando os conhecimentos adquiridos à sua área de interesse. Claramente não deixou para trás o seu amor pela escrita, fazendo convergir as duas paixões na secção de música da ESCS Magazine.