O regresso dos jovens à vida noturna
Mais de um ano e meio depois, os proprietários dos bares e discotecas viram-se finalmente livres para abrir os seus espaços sem quaisquer restrições. Nas ruas e becos do Bairro Alto, tão conhecidos pela maioria dos Portugueses, o ambiente era inacreditável: a música e a diversão eram vividas por todas as esquinas, os sorrisos tapados estavam agora visíveis e o sentimento mais presente era o de liberdade. Nunca o primeiro dia de outubro tinha sido tão desejado por proprietários de bares e restaurantes, mas também pelos jovens que viram as suas saídas noturnas restringidas durante 18 meses.
Se a ansiedade pela vida normal, especialmente a noturna, era praticamente certa, não tão certa era a reação dos jovens ao regresso da mesma. Vivia-se por parte de toda a gente, mas mais pelos proprietários dos bares e discotecas, um clima de incerteza. Estariam os mais novos prontos para este regresso às saídas à noite? Iriam aderir de forma massiva? Quais seriam as consequências a nível da saúde pública? Os episódios vividos nas semanas anteriores ao primeiro dia de outubro faziam antever que o fim das restrições ia ser acompanhado por uma enchente nas ruas das grandes cidades: grandes ajuntamentos de jovens junto aos miradouros da capital e às zonas de bares, onde a violência e a criminalidade se começavam a tornar um hábito. Acontecimentos estes, que juntando às já existentes dúvidas, deixavam grande parte das pessoas ainda mais apreensivas.
Para perceber de que forma a abertura dos bares e discotecas foi vista pelos atores principais da vida noturna, a ESCS Magazine foi ao encontro de vários jovens.
Como se sentem os jovens em relação à reabertura das discotecas?
Quando questionados sobre como se sentiam em relação à reabertura das discotecas, a resposta foi praticamente homogénea. Sentimentos de felicidade e otimismo invadiram o coração daqueles que viram a sua diversão suspensa por longos meses. Também a liberdade, que passou a ter um novo sentido depois da pandemia, foi bastante valorizada neste regresso à “quase normalidade”. Ainda que nem todos se sintam à vontade para sair, a liberdade paira no ar, pois ficar em casa é, neste momento, uma opção e não uma obrigação. No entanto, há quem se sinta com mais coragem do que outros para realmente voltar à antiga rotina. Se, por um lado, há quem confie nas vacinas e na percentagem de vacinação do nosso país, por outro, há quem afirme sentir-se “receoso” de estar sem máscara num espaço fechado e com medo de que estes comportamentos façam com que o número de casos “descambe”. No pacote dos receios vem ainda a questão da violência e criminalidade, que têm aumentado, principalmente, na noite das grandes cidades. Estas reações mais agressivas podem ser consequência de uma desabituação ao convívio em sociedade, causando desacatos entre grupos nas ruas. No que diz respeito à criminalidade, esta pode estar relacionada com carências a nível económico, agravadas pela crise da pandemia.
“Sendo Portugal o país com maior percentagem de vacinados, faz todo o sentido que voltemos a ter uma vida normal.”
Há quem opte por ficar em casa a ver, através das redes sociais, a multidão humana que tem enchido bares e discotecas, observando os efeitos que estes primeiros tempos podem ter na saúde pública. Não se sentem preparados para “deixar cair” a máscara dentro de um espaço repleto de pessoas.
No entanto, há aqueles que, mesmo a medo, se atreveram a ir a um estabelecimento de diversão noturna nesta era pós-pandemia e confessaram ter sentido alguma estranheza, que rapidamente se desvaneceu no interior da pista de dança. O controlo dos certificados de vacinação à entrada dos edifícios confere alguma segurança aos jovens. Ainda assim, alguns deles optam por entrar de máscara, acabando por a tirar depois mesmo não se sentindo 100% à vontade. Para isto contribui também o álcool, que acaba por descontrair os jovens e fazer com que se esqueçam durante algum tempo da existência de um vírus.
“Usei máscara até à entrada, mas depois de ver as pessoas sem ela acabei por tirar, mesmo não me sentindo seguro.”
Ainda que se tente ao máximo entrar nesta nova onda de normalidade, há que manter presente algumas medidas que salvaguardem a saúde de todos, como evitar partilhar bebidas ou cigarros, coisas que habitualmente se faziam na vida noturna antes da pandemia.
Este alívio das restrições melhorou as relações interpessoais?
Quer queiramos, quer não, as relações interpessoais saíram bastante afetadas desta pandemia. Não há ecrã que substitua um olhar nos olhos ou que mate a saudade de um abraço. Precisamos tanto do físico quanto do psicológico para a nossa sobrevivência, e essa necessidade foi tão restringida que, nos dias de hoje, até parece estranho fazer o que antes era parte do quotidiano. Existe, no nosso corpo, quase que uma repulsa às emoções, que nos faz recuar quando queremos cumprimentar alguém. Vivemos em modo piloto automático, na rotina do “toca – desinfeta – toca – desinfeta – tenta não tocar – afasta – mete a máscara”. Contudo, o ser humano é tudo menos um robot programado para agir, por isso é impossível que deixemos de ser alimentados, em grande parte, pelos afetos.
Para os mais calorosos, é nesse sentido que assentam as suas respostas em relação às amizades: podem, finalmente, abraçar os seus amigos sem receio.
“Tornou-se melhor no sentido em que agora já podemos ter contacto físico com eles, já podemos dar os afetos que antes não dávamos. Já para não falar de que já podemos estar mais descontraídos sem pensar «será que tem covid?»”
A amizade continuou, durante a pandemia, a existir, pois ela não depende dos afetos. No entanto, eles completam-na, fazendo com que as pessoas ganhem mais intimidade entre si. Porém, para aqueles que são menos calorosos e mais racionais, as relações com os amigos não foram necessariamente afetadas com a pandemia. Na era em que as novas tecnologias fazem parte do nosso dia a dia é possível manter um contacto próximo com aqueles de quem mais gostamos.
Nos últimos meses, a maior disponibilidade de testes rápidos de diagnóstico à Covid-19 fez com que muitos grupos de amigos se juntassem em ocasiões particulares de forma mais segura. Facto que não seria possível no período homólogo do ano passado, em que a incerteza e falta de meios era bastante maior. A diferença está na regularidade com que os ajuntamentos acontecem, sendo que agora é mais elevada graças ao alívio das restrições e à vacinação
“Não é necessário ir a uma discoteca ou a um bar para nos divertirmos em conjunto.”
Como é que os números de casos reagiram?
Impossível falar-se na reabertura das discotecas sem se questionar a evolução do número de casos no nosso país. Por muito pouco claros que sejam esses valores na totalidade dos fatores que influenciam a incidência do vírus, as pessoas continuam a dar demasiada importância a isso. No que aos jovens diz respeito, não parece haver grande preocupação com isso, talvez por serem mais informados e conscientes em relação à evolução da pandemia, pois sabem que não contam só os novos casos, como também os internamentos, as mortes e até os recuperados. Há quem considere o aumento normal, numa onda de conformismo em relação a esta situação. É inevitável que, ao circularmos mais, as infeções aumentem. Evitáveis são os efeitos mais negativos da infeção, que levam a internamentos ou até à morte, e para isso dispomos da segurança da vacina já administrada a 8,83 milhões de pessoas em Portugal. É importante referir também que as discotecas não são caso único, logo não se deve atribuir as culpas apenas à sua reabertura das mesmas, mas ao levantamento de todas as restrições.
“Acho que estamos cada vez menos preocupados com os números, porque, embora haja casos, não existem tantos internados, e mesmo as mortes penso que diminuíram. Não acredito que seja dos bares e das discotecas, até porque as pessoas juntavam-se todas antes de se abrirem os estabelecimentos.”
No que apenas diz respeito ao número de casos, é possível verificar que durante o mês de outubro tem havido uma evolução crescente do vírus, no entanto, a nível global e desde o início da pandemia, este não é um dos meses mais caóticos. No que diz respeito ao número de internamentos, segundo o site da Direção Geral da Saúde, no dia 24 de outubro de 2021 registaram-se menos cinco internados do que no dia anterior.
Será que vamos voltar à normalidade?
A pergunta que se impõe, no fim das contas, é se realmente vamos voltar à normalidade ou não. Mas, afinal, o que será isso da normalidade de que tanto se fala? Não será o “normal de 2019” diferente do “normal de 2021”? Não estaremos, então, perante um “novo normal”?
Persiste ainda, por parte de todas as pessoas, uma certa teimosia em se conformarem com a noção de normalidade nos dias de hoje. Passados tantos meses continuam na esperança de que o futuro seja parecido com o passado, e é nesse sentido que os jovens movimentam as suas respostas em relação a esta questão. A maior parte deles afirma positivamente que vamos voltar à normalidade, mas não já, pois existe ainda um vírus que circula por aí, altamente contagioso e para o qual as vacinas não são 100% eficazes. No entanto, há vestígios que vão permanecer, e bem, nas regras do nosso dia a dia, como por exemplo, a utilização de máscara em locais mais propícios à propagação do vírus, como os hospitais.
O medo e a insegurança fazem agora parte dos nossos dias, fruto das experiências que a pandemia nos trouxe a nível psicológico. O desafio é, nestes últimos tempos, conciliar uma vontade de “aproveitar a vida” com uma responsabilidade social de nos mantermos seguros e os que nos rodeiam, tendo em conta que andamos mais expostos a um vírus que pouco conhecemos. É por isso que a boca “tremelica” quando a população responde à pergunta “Vamos voltar à normalidade?”, pois, de um dia para o outro, o aparecimento de uma estirpe pode alterar em 180 graus a nossa nova rotina. Enquanto isso, os mais jovens e corajosos focam-se em recuperar o tempo perdido.
Fonte da capa: Notícias ao Minuto
Artigo revisto por Ana Damázio
AUTORIA
Luísa Montez é redatora da ESCS Magazine desde novembro de 2020, tendo começado por escrever apenas para a secção de Moda e Lifestyle. Após o sucesso do seu artigo escrito, excecionalmente, para a secção de Grande Entrevista e Reportagem, decidiu aceitar o convite e fazer parte da mesma. Antes de entrar na ESCS já sabia que queria pertencer à revista, pois a escrita é um dos seus pontos fortes.