Opinião

A objetificação do corpo da mulher no desporto é um problema social

A sexualização do corpo feminino está enraizada na nossa sociedade e parece que não existe uma grande reflexão por parte das pessoas acerca deste tema.

A objetificação do corpo da mulher está presente na nossa cultura, no nosso quotidiano. Muitas vezes, o corpo da mulher surge como um simples objeto de desejo e de consumo, o que acaba por alimentar os princípios do machismo. A mulher é, por vezes, valorizada, não pelas suas capacidades intelectuais, desportivas, psicológicas, mas pelos atributos físicos.

No desporto, por exemplo, o voleibol de praia feminino transformou-se num produto comercial de espetáculo no mundo. As transmissões desta prática desportiva utilizam enquadramentos televisivos que focam o corpo das atletas, sendo este o principal ponto de atração escolhido. O espetáculo deste desporto é muitas vezes associado não às habilidades das atletas no jogo, mas ao corpo das mulheres.

As mulheres têm conseguido alcançar enormes sucessos ao longo do tempo, bem como tornarem-se profissionais desportivas nas mais diversas áreas. O espaço conquistado pelas mesmas no desporto cresceu imenso, no entanto, ao mesmo tempo que se foram afirmando, também o modo como são destacadas pôde ser fortemente reprovado.

O corpo da mulher tem sido alvo de objetificação por parte dos meios de comunicação social, sobretudo pela televisão. Será que isto acontece porque as pessoas acreditam que o desporto feminino não vende tanto quanto o desporto masculino se não for através da utilização do corpo da mulher para gerar espetáculo? Se assim for, então há muita coisa errada.

Continua a existir uma desvalorização do desporto praticado por mulheres nos dias de hoje. Muitas alternativas são discutidas para dar reconhecimento às mulheres nos desportos em que competem: iniciativa à prática, financiamento, patrocínio, visibilidade dos media. Contudo, apesar de estas ideias serem boas e necessárias, a aparência da mulher continua a ser mais reconhecida do que as próprias capacidades desportivas.

Algo que se torna preocupante neste tema são também os uniformes exigidos às atletas. O maior símbolo disso é, sem dúvida, o maiô das ginastas, enquanto os ginastas usam uniformes mais cobertos. O mesmo acontece em desportos como o voleibol. Se o motivo de as jogadoras usarem calções tão curtos é para terem uma maior flexibilidade, então porque é que os homens não usam também?

Esta mentalidade também é válida para o público que gosta de assistir a estes desportos associados à sua espetacularidade. Será que estas exigências são feitas no sentido de agradar ao público masculino e atrair audiência pelos motivos errados? A própria Serena Williams, a maior tenista de todos os tempos entre homens e mulheres, foi proibida de usar calções para jogar.  Foi forçada a usar saias, recebendo uma advertência por essa razão. Esta é uma atitude repugnante, discriminatória e muito pouco profissional por parte dos órgãos reguladores de ténis.

No final de maio de 2018, Serena Williams voltou à competição após o fim da licença de maternidade. Com o nascimento da sua filha, a tenista ficou afastada por um ano da prática desportiva e retomou a atividade para disputar o torneio de Roland Garros. A tenista optou por utilizar uma roupa totalmente fora do padrão para o seu primeiro jogo na grande competição.

Serena in catsuit "Voel me een superheld in dit pak" | Foto | hln.be
Serena Williams a usar o novo uniforme no torneio de ténis Roland Garros.
Fonte da imagem: EFE

Viveu momentos complicados durante a sua gravidez e precisou de realizar uma cesariana de emergência. Após o parto, Serena apresentou problemas de coagulação sanguínea.

Doze dias após o nascimento da sua filha, Serena divulgou um vídeo com momentos da sua gravidez e reforçou as dificuldades que enfrentou no pós-parto. O seu regresso ao desporto teve um valor imenso e o uso do novo uniforme também foi simbólico por esse motivo. O mesmo procurou ser o reflexo de toda a luta da atleta em vencer um problema de saúde, de uma adaptação às mudanças do corpo impostas pelo parto, de uma preparação física para jogar em alto nível. Assim, vestiu a roupa ideal que a fazia sentir-se o mais confortável possível no momento que estava a viver.

A roupa utilizada por Serena foi alvo de polémica. O presidente da Federação Francesa de Ténis, Bernard Giudicelli, na altura, disse numa entrevista à revista Tennis Magazine que as calças e camisa pretas usadas pela tenista não seriam mais aceites. Frisou ainda que as roupas das atletas seguiriam um código mais rígido e a direção precisaria de aprovar previamente os designs dos uniformes antes de serem usados. Em declaração à agência Associated Press, Giudicelli afirmou que “o traje desrespeita a tradição do jogo”.

Além da sua roupa, também o corpo das mulheres é alvo de comentários. O facto de algumas atletas terem corpos mais musculados é visto de uma forma negativa. Se o corpo da mulher se torna mais forte, fruto do seu trabalho, isso não significa que seja menos mulher ou menos feminina do que as outras.

As atletas femininas já provaram muitas vezes que conseguem fazer exatamente o mesmo que os homens. À sua maneira, com as suas limitações físicas, com o que o seu corpo lhes permite fazer.

German athlete Sarah Voss praised for wearing bodysuit to protest  sexualisation of female gymnasts | The Independent
Sarah Voss no Campeonato Europeu de Ginástica Artística.
Fonte da imagem: EPA

Sarah Voss, ginasta alemã, usou no Campeonato Europeu de Ginástica Artística um macacão de corpo inteiro e desafiou as convenções. Até agora, as atletas só tinham coberto as pernas em competições internacionais por motivos religiosos.

Sarah disse estar orgulhosa da sua decisão e foi apoiada pela federação do seu país. Duas companheiras de equipa fizeram o mesmo na competição em Basel, na Suíça, que terminou no último mês de março.

Elisabeth Seitz, também da Alemanha, disse que com o novo traje tinha uma coisa a menos com o que se preocupar, porque não havia risco de mostrar sem querer alguma parte do seu corpo. A ginasta afirmou, segundo a BBC, que os atletas e as atletas treinam sempre com fatos de corpo inteiro e que começaram simplesmente a questionar-se por que razão não podiam usar os mesmos fatos nas competições.

Ainda segundo o mesmo órgão de comunicação, também a federação de ginástica da Holanda louvou a decisão, tendo um porta-voz a afirmar que muitas vezes os juízes de determinadas provas deram pontuações mais baixas a atletas que tentaram competir com fatos mais confortáveis.

Kim Bui no Campeonato Europeu de Ginástica Artística.
Fonte da imagem: GETTY IMAGES

A ginasta alemã Kim Bui também competiu com o novo uniforme. Ela ter-se-ia apresentado inicialmente com um maiô tradicional, mas disse que queria dar o exemplo em representação da equipa.

A federação alemã afirmou que as atletas estão a posicionar-se contra a sexualização na ginástica, acrescentando que a questão se tornou ainda mais importante para prevenir o abuso sexual.

É preciso analisar as escolhas destes uniformes. É importante questionar se as escolhas dessas roupas são para melhorar realmente a capacidade atlética ou se é para sexualizar as atletas. Afinal de contas, o foco não deveria ser o talento? A roupa utilizada não devia ser um tema de discussão, uma imposição, e, se tivesse de ter um motivo de escolha, esse deveria ser o grau de conforto e de bem-estar das atletas e não o destaque do corpo da mulher.

A luta das atletas pelo reconhecimento nas suas áreas de desporto continuará a existir, mas temos de trabalhar a mente para evitar que estas coisas continuem a acontecer. Nenhuma mulher quer ser reduzida à sua aparência. As mulheres são muito mais do que isso.

Fonte da imagem de destaque: iStock

Artigo revisto por Ana Sofia Cunha

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Iniciou o seu percurso na ESCS Magazine, porque sempre procurou ter liberdade para escrever sobre a realidade à sua volta e para partilhar a sua opinião com as outras pessoas. A paixão pela escrita sempre esteve presente na sua vida. Agora, enquanto editora de música procura fazer-se ouvir através das suas palavras!