O Cinema de Guerra: a Segunda Guerra Mundial
Com o conflito na Ucrânia a dominar a conversa atual, um olhar retrospectivo sobre a guerra e as suas implicações têm surgido de maneira a perceber e racionalizar o que é para muitos, algo incompreensível. Como tal, a interseção entre arte e a guerra tem sido uma das várias combinações discutidas durante este período. De que maneira é que estas se influenciam uma à outra? E qual é o papel da arte no desenvolvimento e memória da guerra?
Neste artigo, dividido em duas partes, buscaremos explorar esta interseção no cinema. Analisaremos como certos filmes retratam a Segunda Guerra Mundial e os conflitos no Médio Oriente. De que forma eles influenciaram/influenciam a opinião pública. E qual foi a extensão de sua influência durante os confrontos.
Mrs. Miniver (1942)
Winston Churchill destacou este filme como um dos esforços mais importantes na mobilização dos americanos na luta contra os nazis. Para entender o seu impacto é relevante perceber a maneira como a História e o poder de Hollywood colidiram para que este filme tivesse o maior impacto possível.
No início da guerra, muitos países não decidiram qual posição tomariam face à ameaça nazi. Os EUA não foram exceção. Mesmo mostrando apoio aos aliados, Hollywood tentava não atacar os nazis, com receio do que uma posição antagonista pudesse trazer para o país. Porém, tudo mudou com Pearl Harbor. O desejo por filmes anti-nazis cresceu de um dia para o outro. É aqui que Mrs. Miniver entra…
O filme relata a história da família Miniver e o trauma que passaram com a invasão nazi na Grã-Bretanha, com destaque à figura maternal e a sua perspetiva. Esta foi interpretada por Greer Garson, que, apesar de não ser muito relembrada hoje, dominou os anos 40 – tanto a nível crítico como financeiro -, o que trouxe de imediato um interesse ao filme e uma heroína que as audiências estariam dispostas a apoiar. A perspetiva doméstica tomada pelo filme, mais o carisma e fama de Garson, fizeram deste um dos mais marcantes símbolos da guerra e das pessoas que se identificavam não só com o sofrimento, mas também com a necessidade de lutar pela sua família.
O filme dominou 1942, quebrando recordes de bilheteira. Juntando a isto as tours feitas por atores para apoiar as tropas durante este período, Hollywood tornou-se numa máquina de propaganda anti-nazi e anti-guerra, com Mrs. Miniver no centro dos seus esforços. Surpreendendo ninguém, a longa foi protagonista dos Óscares de 1943, com a estatueta de melhor filme ganha e com ambas as categorias femininas vencidas, com Teresa Wright (melhor atriz secundária) e, mais importante, Greer Garson a saírem quatro quilos mais pesadas da cerimónia.
O Grande Ditador (1940)
Alguns anos antes de Mrs. Miniver se tornar um fenômeno e quase todos os países do ocidente se unirem contra o eixo, um dos maiores diretores da história do cinema previa os contornos que a guerra tomaria. Charles Chaplin em 1937, dois anos antes do início da Segunda Guerra Mundial, começou a escrever e produzir a sua primeira longa-metragem sonora: O Grande Ditador. Sua grande inspiração era Adolf Hitler, que já na época se revelava como um governante problemático e cheio de tendências ditatoriais.
O filme, que veio a público em 1940, conta a história de Adenoid Hynkel – interpretado pelo próprio Chaplin – ao assumir o governo de Tomainia. Como Hitler, ele acreditava numa nação perfeita, formada apenas por pessoas arianas. Tal ideia o leva a perseguir sobretudo a comunidade judia em seu país e a tentar invadir países vizinhos, como Osterlich. Além disso, mantém relações amigáveis com um ditador da nação vizinha – Bacteria – Benzino Napoli (Jack Oakie), a personagem caricatura de Mussolini. Para apresentar o lado dos perseguidos, é também desenvolvida a história de um barbeiro judeu (também feito por Chaplin). Este é expulso do hospital onde sua amnésia estava a ser tratada. Após batalhar na Primeira Guerra mundial, por ser judeu, passa a viver num gueto.
O filme não é apenas importante por conta de sua grande qualidade e pela sua crítica sócio-política, apreciadas até hoje, mas também por ser o primeiro filme a satirizar um governante, criticando-o. Chaplin conseguiu, com maestria, ridicularizar e denunciar o governo nazi, assim como a figura de seu líder (carismático, mas maníaco) de maneira que criou uma tradição que se segue até hoje. É por conta deste filme que hoje vemos produções como O Ditador, A Morte de Stalin ou A Entrevista. Contudo, a genialidade por trás da produção não foi reconhecida na época.
Era óbvio que o governo Nazi não deixaria que a longa fosse exibida em nenhuma parte da Alemanha, mas foi do Governo americano e britânico que as maiores críticas e ameaças de censura vieram. Durante a produção, Chaplin recebeu mensagens da United Artists e do escritório de seu estúdio na Inglaterra, alertando-o de que talvez o filme não fosse exibido em lugar algum. O próprio presidente Franklin D. Roosevelt interveio pessoalmente, pedindo-lhe que não se exaltasse muito nas críticas. Todo este receio fazia parte da tática de apaziguamento dos países ocidentais citada anteriormente.
As advertências e reticências não foram suficientes para impedir o diretor, porque, para ele, aquele projeto era um caso humanitário. Ele desejava chamar a atenção para aquilo que o nosso mundo poderia vir a se tornar se fosse governado por alguém como Hitler, além de chamar atenção à crise judaica que já se vivia. Em vários veículos de comunicação Chaplin era chamado de o “Moisés do ocidente”, por promover a retirada de milhares de judeus do território nazi.
Sua persistência fez resultado e o filme foi a maior bilheteria de 1941, nos EUA, sendo aclamado por conta de seu humor inteligente mesclado com doses sombrias de drama. Na verdade, se os governantes ocidentais tivessem visto e se atentado para esse filme mais cedo, Hitler poderia ter sido detido com mais antecedência. Isso porque Chaplin revelou uma incrível presciência acerca da psicologia do ditador. Historiadores até hoje impressionam-se com o facto de Chaplin ter entendido a cabeça dele antes mesmo dos líderes mundiais. E ele não só leu o austríaco, como representou todos os tiranos seguintes. Podemos ver nuances do “fanfarrão” (adjetivo amado por Chaplin) que Hitler era em fanfarrões dos dias de hoje.
Fonte da capa: Siga a Cena
Artigo revisto por Ana Sofia Cunha
AUTORIA
A curiosidade e o questionamento são naturais desde que se lembra. Da História até às artes, sempre tomou gosto por se informar e por compartilhar com outros as suas descobertas. Assim, ao mesmo tempo que o conhecimento e a comunicação surgiam como um estilo de vida, os caminhos jornalísticos e pelo mundo da comunicação social se apresentavam como os melhores a se trilhar.
Natural de Mafra, este estudante de jornalismo ainda não sabe o que quer ou vai fazer mas pode garantir que vai procurar respostas nas artes visuais. Amante de cinema, gostaria de um dia trabalhar em algo relacionado com a área, mas tal como foi dito anteriormente, ainda é uma incógnita… Talvez descubra no próximo filme! Gosta do escapismo e identificação que a arte nos traz, e acredita na importância de contar histórias sobre pessoas, quer seja numa série ou numa reportagem.