Bruno de Almeida: O cineasta morcego que gosta de fazer filmes de tragicomédia, boxe e fado
Bruno de Almeida é um dos realizadores portugueses com mais sucesso a nível internacional no cinema independente. Já foi premiado em Cannes e nunca atingiu um patamar de grande relevo nacional. Não fez a escola de cinema e o conselho que dá aos jovens é venderem tudo aquilo que for possível para comprar um objeto valioso.
A paixão pelo realismo urbano e uma carreira recheada de prémios internacionais são algumas das componentes que associamos a Bruno de Almeida. O músico, produtor, argumentista, editor e realizador de 56 anos consegue produzir autênticas preciosidades tanto no documentário, como na ficção, sem ter uma notoriedade significativa no grande público.
Nasceu em Paris e chegou a Portugal ainda não tinha seis anos. Sempre quis fazer cinema, mas nunca soube como. Partiu para a descomedida Nova Iorque, cidade dos sonhos, para concretizar o seu – ser músico de jazz. Com o passar do tempo, e depois da experiência na banda The Graham Haynes & No Image, o luso-francês começa a trocar a música pela imagem. O então diretor de fotografia e montador abre uma produtora chamada “Arco Filmes”, sediada atualmente em Lisboa. A sua carreira tem sido uma mescla de português e inglês: depende muito do sítio onde o filme roda, quem é que o financia, onde é que se faz a pós-produção, mas é em Lisboa que se tem sentido melhor nos últimos anos. Depois de êxitos com a curta-metragem A dívida, que passou pelo menos em 85 festivais de cinema e foi premiada em Cannes, seguiu-se uma longa-metragem. On The Run teve a participação de estrelas como John Ventimiglia e Michael Imperioli, dois anos antes de explodirem na melhor série de drama de todos os tempos – The Sopranos, produção planetária e intemporal da HBO.
Bruno de Almeida continuou a realizar filmes e documentários com uma componente musical muito forte, fazendo justiça ao seu passado como músico e à sua ambição de unir a música ao cinema – realizou a versão película do documentário de Amália Rodrigues, uma longa-metragem – The Art of Amália, que se torna num grande sucesso nos Estados Unidos em 2000. O filme sobre a rainha do fado é visto em vários canais nos Estados Unidos, França e Portugal – é distribuído em DVD pela EMI Music, onde atinge dupla platina em Portugal nas primeiras duas semanas da edição. São seguramente mais de 20 trabalhos de sucesso internacional, sendo que, no plano interno, um dos filmes mais conhecidos é Operação Outono, um “sonho” para si, uma produção de maior dimensão que conta a estória do assassinato da mítica figura de Humberto Delgado, o “General sem medo”.
A esta altura do campeonato é natural o facto de o leitor se questionar se haverá algum motivo para que um cineasta português desta envergadura não seja mais vezes premiado em território luso? Com uma maneira de fazer cinema muito própria, com um currículo vasto e com documentários que atingiram uma dimensão mundial – caso de Amália, uma estranha forma de vida ou o mais recente Cabaret Maxime (que já foi transmitido na RTP1), Bruno de Almeida continua a ter muito menos pesquisas no Google do que Bruno de Carvalho. Talvez porque a lógica do mercado nacional continua extremamente polarizada – provavelmente faz mais sentido investir-se noutros formatos de maior rentabilidade. Os subsídios à cultura são servidos “on a silver plater” para um grupo semi-discreto e secreto, por isso, é melhor não contar com eles.
Os filmes de Bruno de Almeida são normalmente muito centrados numa narrativa verdadeiramente emocional. É dada relevância ao “ser humano” que tantas vezes é mencionado pelo realizador. A obsessão pela noite, pela vida boémia e libidinosa e pelo lazer da classe média é uma imagem de marca dos seus argumentos. Normalmente filma à noite, num ambiente nostálgico, saudosista, introspetivo, poético, existencialista e ultra realista – especialmente no caso de Lovebirds e Cabaret Maxime.
O boxe parece ser outra paixão – Bruno apresentou na cerimónia Doc Lisboa, em 2009, um filme sobre a vida de Bobby Cassidy, um pugilista nova iorquino com uma carreira extraordinária que teve uma vida sofrida e que confessou ser viciado em pancada, talvez por não ter conhecido outra realidade. Bruno de Almeida gosta de pensar no boxecomo uma metáfora para a vida, como um símbolo de resiliência, persistência e perseverança – pelo menos uma destas três.
Para os jovens que querem seguir os seus passos, Bruno dá um conselho simples, aquele que Bernardo Bertolucci lhe deu quando se cruzaram num restaurante em Nova Iorque, no qual Bruno de Almeida trabalhava: “Vende o que puderes e compra uma câmara”. A partir daí tudo se faz.
Sim, o realizador português com que mais me identifico é, até à data, Bruno de Almeida. Como se diz no bairro: “respect the old g”. E o/a teu/tua? Qual é?
Artigo redigido por Gonçalo Borbinha
Artigo revisto por Ana Sofia Cunha
Fonte da imagem de destaque: Arco Filmes
AUTORIA
O meu sonho, para além de conseguir aprender a jogar xadrez, é tornar-me num homem dos sete ofícios da área da comunicação. Para além do jornalismo, tenho um fascínio enorme pelo entretenimento, representação, guionismo, realização e literatura. O cinema é a forma de expressão artística que mais me agita, juntar-lhe a escrita é aliar ao entusiasmo tresloucado um cubo de gelo refrescante e ponderado: o meu ying yang.