Os melhores podcasts sobre Literatura
Errata: este artigo não mencionará nenhum podcast.
Estamos a assistir a uma indomável revolução na informação que já se repercute no ensino. Fazem parte dessa revolução os formatos audiovisuais que açambarcam com pujança o mercado e o tempo de todos. E, de entre eles, os podcasts adquiriram um lugar privilegiado. São divertidos, intuitivos, leves e educativos. Quer dizer, educativos nem sempre. O formato é tão plural que abarca tanto pessoas que nada têm a dizer sobre nada, como pessoas que procuram transmitir o seu conhecimento sobre alguma matéria. Nessa ótica, os podcasts são educativos quando não entendemos nada do assunto em questão; é justo reconhecer. No entanto, não serão os podcasts a munir quem quer que seja de opiniões sobre esse assunto, claro está, porque muitas vezes os próprios locutores não são especialistas na área.
A Literatura não escapou à ditadura dos podcasts, pelo que, em conluio com o Instagram e com o YouTube, existe uma oferta considerável de “conteúdo” sobre Literatura. Assim sendo, e assumindo uma posição de deliberada autoridade moral no assunto, trago aos leitores da ESCS Magazine uma listinha bonita sobre os meus podcasts preferidos na área da Literatura. Nota: nestes aprende-se mesmo alguma coisa, pelo que este dado pode afastar alguns interessados.
– A Vida Breve, Antena 2: diariamente, Luís Caetano seleciona um poema de referência, atual ou não, lido, preferencialmente, pela voz do próprio autor. Acompanhado pela belíssima composição para piano e cordas de Schubert, é a introdução ideal para quem se quer aventurar nos podcasts sobre Literatura, sendo que, neste caso, não há comentário ao poema.
– O Som que os Versos Fazem ao Abrir, Antena 2: contrariamente ao anterior, neste programa, à leitura de um poema (por vezes também excertos de ensaios ou de ficção, embora mais raramente) segue-se um comentário crítico na voz da tradutora e professora Ana Luísa Amaral, especialista em Literatura inglesa da Universidade do Porto. Luís Caetano coordena a conversa. É um privilégio a presença de uma especialista da área na rádio pública em permanência, pelo que será o melhor programa em Portugal sobre poesia. As análises envolvem muitas vezes a comparação com outras obras, o que motiva o ouvinte a pesquisar essas referências e a chegar às suas próprias descobertas.
– Última Edição, Antena 2: neste programa, também com a narração de Luís Caetano (todos os programas de Literatura da Antena 2 têm a sua narração), a ideia é dar a conhecer, como o próprio nome indica, lançamentos de novos livros com a chancela da Antena 2. Para tal, são convocados a estúdio os editores dos livros para uma curta entrevista, muitas vezes bastante reveladora do autor, da obra e das circunstâncias de publicação. Este programa combina a educação literária e a educação para o mundo editorial, ajudando os ouvintes a perceber por que determinado livro é publicado e outro não, ou por que razão determinada obra está a ser reeditada. Como a articulação com a música é fundamental na rádio, este programa abre e fecha com Shostakovich e a sua refrescante composição “Jazz Suite Waltz No. 2”.
– Paraíso Perdido, Antena 3: para um segmento diferente, Isabel Lucas e Mariana Oliveira falam semanalmente de um livro. A tendência classista é menor, o que se compreende, tendo em conta o público-alvo da rádio. No entanto, não é por isso que a curadoria merece menos crédito. Sendo um programa curto, a profundidade não é possível. Em contrapartida, a abordagem jovial das locutoras funciona como gatilho eficaz para ler as obras mencionadas. Destaca-se também o ecletismo das escolhas e a convocação de figuras que não são, em primeira instância, escritoras – como músicos, pintores, filósofos, etc. É provavelmente o melhor programa de Literatura no segmento jovem.
– À Volta dos Livros, Antena 1: um programa semelhante ao Última Edição, mas com menor duração. Só que, neste caso, Ana Daniela Soares tem como convidados os próprios autores, porque o programa nunca incide, ao que pude apurar, em reedições. Assim, acaba por funcionar como uma espécie de entrevista aos autores em que podem ser revelados pormenores sobre as obras, de forma a aguçar o apetite. Mais uma vez, a curadoria é bastante profissional e ancorada em critérios rigorosos, pelo que, por exemplo, Raul Minh’alma pode esquecer o privilégio de aparecer no programa. Infelizmente, devido ao menor fluxo de publicação de inéditos no período covídico, a emissão passou de diária a semanal.
– A Páginas Tantas, Antena 1: semanalmente, com a moderação de Fernanda Almeida, Inês Pedrosa, Patrícia Reis e Rita Ferro discorrem durante cerca de uma hora sobre um grande tema da Literatura ou sobre um autor. Um programa riquíssimo em referências, Literatura comparada, histórias pessoais das locutoras – ideal para quem quer passar um bom bocado e, ao mesmo tempo, ouvir na voz de quem sabe curiosidades, perspetivas, insights sobre o universo literário. É de notar que, ao contrário de Ana Luísa Amaral, académica na área, nenhuma das comentadoras tem currículo científico na área. Porém, o facto de todas serem escritoras premiadas confere mais do que um carimbo de qualidade suficiente.
– A Força das Coisas, Antena 2: voltando à Antena 2, este é talvez o programa mais exigente desta grelha. Duas horas, às vezes mais, de puras aulas sobre Literatura, arte e cultura no geral. Normalmente, o programa é dividido em duas partes, dedicadas a temas diferentes. Na voz de Luís Caetano e com banda sonora escolhida a dedo para a ocasião, o ouvinte pode ouvir excertos das obras abordadas no programa, seguidos ou antecedidos do sempre necessário contexto, de histórias insólitas, de factos desconhecidos, de opiniões de outros autores, etc. Deixei para o fim, porque é o melhor de todos, embora reconheça que não é um programa para entreter, muito pelo contrário. De qualquer forma, se fosse para entreter, recomendava o Maluco Beleza. Outro obstáculo é o facto de este programa não ter convidados, o que acaba por monopolizar a voz de Luís Caetano durante bastante tempo. Por vezes, o locutor convoca áudios de autores ou de outras personagens do universo literário. No entanto, para os padrões de atenção contemporâneos, francamente sub-humanos, tal pode ser considerado insuficiente.
– Aleixopédia, Antena 3: embora seja, em primeiro lugar, um programa de humor, não posso deixar de mencionar a crónica semanal de Bruno Aleixo com os caretos do costume, Busto e Renato Alexandre, quando a edição atual é sobre Literatura. Aqui, podemos ouvir as constantes chico-espertices de Bruno, contracenadas com a pesquisa honesta de Busto, constantemente interrompido quando pretende dar informações sobre as obras, e Renato, cuja preferência por cinema face às obras fica patente.
Com o advento do novo e do irrelevante, não estou certo de que estes programas durarão muito mais tempo. Aliás, se não fosse o facto de passarem em emissora pública, certamente já não existiam. De qualquer forma, o novo não é necessariamente melhor do que o antigo – como provam estas escolhas. Numa altura em que se finge que se lê para parecer culto e é considerado equivalente ler Otelo ou O Senhor dos Anéis, porque “o importante é ler“, é meu dever, na suma autoridade por mim mesmo atribuída, trazer, pelos meios que estão ao meu dispor, a real qualidade no que respeita ao segmento da Literatura. O resto, como se costuma dizer, é paisagem, entretenimento e tempo perdido. E o tempo se encarregará de o provar. Boas leituras, boas audições e não se esqueçam: lede as obras.
Fonte de Imagem de Capa: Better Reading
Artigo revisto por Andreia Custódio
AUTORIA
Um indivíduo que o relembra, leitor, de que os livros e as opiniões são como o bolo-rei: têm a relevância que se lhe quiser dar. O seu maior talento é insistir em fazer coisas que não servem para nada: desde uma licenciatura em literatura luso-alemã, passando por poemas de qualidade mediana, rabiscos de táticas de futebol (um bizarro guilty pleasure) ou ensaios filosofico-autobiográficos, sem que tenha ainda percebido porque e para que o faz. Até porque já ninguém sabe o que é um ensaio.