Cartoons: a evolução do cinema com bonecos
Numa crónica sobre um debate moral entre o que deve ou não deve ser um desenho animado, conto-te um pouco do percurso dos bonecos animados e as transformações pelas quais passaram.
Cartoons ou, na tradução portuguesa, desenhos animados ou animações, marcam a vida de quase todos os seres humanos. Alguns em períodos mais embrionários da sua estadia no planeta terra, já outros guardam consigo rotinas deste hábito de consumo. Claro que o conceito de cartoon mudou com o tempo e hoje em dia é muito mais do que uma mera ilustração por meio da qual é possível produzir-se efeitos humorísticos, de sátira e caricatura. A indústria evoluiu e hoje em dia há propósitos variados e públicos diversos.
Comecemos pela origem de tudo: a ideia começou a ser implementada durante a Idade Média, as motivações eram essencialmente de criar um chamado “fresco”, desenhos apenas no papel ou através de têxteis. Só chegados ao início do século XIX é que começou a surgir a urgência de retratar a classe política e outros players da vida social e mediática de forma caricatural. Em 1841 o panorama político-social britânico tornou possível o surgimento de uma revista avant-garde chamada “Punch, or The London Charivari”, uma revista semanal de humor e sátira conduzida pelo conceituado jornalista e advogado Henry Mayhew – a Magazine fica na história por ter sido a introdutora do estilo Cartoon para efeitos de humorismo e de sátira política, essencialmente.
Felix, The Cat – em 1919 – foi um dos filmes animados com maior sucesso no início do século XX. Seguiram-se estrondosos êxitos de bilheteira como Steamboat Willie em 1928 e, posteriormente, o intemporal Popeye, um ano depois. Betty Boop, Pato Donald, A Branca de Neve e os Sete Anões, Bugs Bunny, “Tom e Jerry, Bumby e The Flintstones são clássicos que transcendem a sua dimensão de argumento e marcam a cultura das gerações.
Os desenhos animados tiveram imensa adesão por parte de pessoas de todas as classes etárias e o deslumbramento com o novo formato durou praticamente sessenta anos, até que atingiu uma estagnação e o público-alvo juvenil tornou-se, sem margem para dúvidas, o alvo prioritário. Se és nascido/a nos anos 90 ou mesmo no início do novo século, provavelmente já reparaste que os desenhos animados de hoje em dia nada têm que ver com aquilo que existia noutros tempos. Os cartoons são um pouco o reflexo da nossa sociedade, com a única diferença de que podem ser controlados e a filtragem é devidamente feita. A sociedade atual tem preocupações maiores com questões relacionadas com o sexo, drogas, racismo, homofobia, entre outras. Esse estado de consciência tem impacto direto sobre as narrativas, as personagens, os diálogos e a representação estética dos bonecos animados contemporâneos.
Os cartoons refletem as mudanças na nossa sociedade da mesma forma que evoluem com ela. Algumas formas de desenhos animados estão profundamente conectados e são de tal forma inspirados na nossa vida que acabam por nos ensinar algo, mesmo até em fases da vida nas quais não esperávamos que acontecesse. Talvez seja possível dizer que os cartoons transformaram-se de um género mais sério, factual e dramático para representações mais irrealistas, cómicas, surreais e leves. A mudança começou a ser feita, porventura, no início do século. Para isso contribuiu a Disney com uma abordagem mais cómica e suave das histórias, mantendo alguns princípios base e ensinamentos necessários: a mensagem mais ou menos evidente.
Na atualidade, os cartoons estão a tornar-se mais capazes de produzir entretenimento para as famílias, criam todo um envolvimento que permite que não se sinta um vazio geracional tão acentuado como antigamente – pais e filhos desfrutam de narrativas que conseguem prender o espetador e atingir os diferentes estratos etários, por vezes com recurso a piadas com várias camadas de entendimento: caso das sagas “Shrek” e “Madagascar“.
Agora coloca-se a questão: será que faz sentido recorrer-se aos desenhos animados para passar mensagens de outra ordem, orientadas para problemas sociais e, até, para questões de saúde mental? Um espetador mais conservador dirá que não, que é perigoso, porque por vezes os pais podem estar pouco informados e por negligência, ou mesmo porque não conseguem estar sempre a vigiar os filhos, podem abrir caminho para que as crianças tenham contacto com cartoons para adultos. Vai na volta e o Martim e a Madalena estão há meses a ver o “Family Guy”, “South Park”, “American Dad” e, potencialmente mais confuso, “BoJack Horseman”, que retrata muito a vida boémia e questões relacionadas com depressão e adição a tabaco, álcool e outras drogas.
Um espetador liberal achará, provavelmente, que um cartoon é cinema e o cinema é livre, e olhará para as componentes da animação, o design e todas as componentes do cartoon como artifícios e complementos para criar um meio envolvente que definirá o filme: arte pela arte e comédia com o sentido estrito de fazer rir. Deixo este debate para reflexão.
Artigo redigido por Gonçalo Borbinha
Artigo corrigido por Ana Janeiro
Fonte da imagem de destaque: The Verge
AUTORIA
O meu sonho, para além de conseguir aprender a jogar xadrez, é tornar-me num homem dos sete ofícios da área da comunicação. Para além do jornalismo, tenho um fascínio enorme pelo entretenimento, representação, guionismo, realização e literatura. O cinema é a forma de expressão artística que mais me agita, juntar-lhe a escrita é aliar ao entusiasmo tresloucado um cubo de gelo refrescante e ponderado: o meu ying yang.