Crítica a The Politician
A descrição “comédia dramática” nunca havia sido tão bem aplicada antes. The Politician, uma das mais recentes apostas da Netflix, traz fortes emoções, para além de um grande elenco. Ryan Murphy, Ian Brennan e Brad Falchuk, os também criadores de Glee e Scream Queens, acharam que estava na hora de tornar mais acirrada as competições de listas académicas do secundário. Assim, em setembro deste ano, surgiu a primeira parte da série: 8 episódios, alguns com 50 minutos e outros com 40 minutos de duração cada, com muita intriga, privilégio, cartazes e mesadas.
Ben Platt é o protagonista e apresenta-nos Payton Hobart, um jovem que decidiu muito cedo que gostaria de se tornar o presidente dos Estados Unidos. Desde a sua infância analisa cada passo que dá com muito cuidado para que alcance este objetivo. Ter sido adotado por uma família de multimilionários transforma o sonho da Casa Branca de devaneio em questão de estratégia – e é aí que entram os seus melhores amigos e equipa de campanha, McAfee Westbrook (Laura Dreyfuss) e James Sullivan (Theo Germaine).
Como todo o presidente que se preze vem acompanhado de uma primeira dama, a fiel companheira Alice Charles. Mas os ricos de Santa Barbara, Califórnia, são como os imaginamos em qualquer outro lugar: muito do que fazem e dizem não passa de uma mera manutenção de aparências. Mesmo o politicamente correto do protagonista e as demais personagens que, como bons Gen Zers, têm mente aberta, escondem as suas verdades.
Logo no piloto é possível prever que os criadores de The Politician queriam experimentar algo novo. As palmeiras e mansões que fazem parte do imaginário do que é a Califórnia estão lá. Mas são o cenário para uma nova geração da classe alta, com novos caprichos. Payton Hobart é um exemplo de menino mimado que decidiu que queria um brinquedo – a presidência do grémio estudantil – e faria de tudo para o conseguir. Até mesmo espernear com o amor da sua vida e usar uma paciente de cancro – Infinity Jackson, interpretada por Zoey Deutch – como vice-presidente.
O protagonista descobre tarde demais o que é que ele quer. E, depois de o fazer, ainda tem tempo de se decidir novamente. As personagens menos afortunadas que vamos conhecendo têm apenas o desespero de ser pobres em recursos e em intelecto – uma escolha de narrativa um tanto peculiar. O mundo de Hobart e da sua rival, Astrid Sloan (Lucy Boynton), é colorido, coeso e doce como um musical. Por vezes, chega a ser um musical. É uma pena que à Infinity não tenha calhado nem a sorte da saúde, nem a da inteligência, ou muito menos a dos belos papéis de parede florais.
Os cinematógrafos, Nelson Cragg e Simon Dennis, fizeram o excelente trabalho de transformar um roteiro exasperado de adolescente em imagens dignas de comparação à filmografia de Wes Anderson. Como só se pode aguentar ou muito das notas bem conseguidas de Ben Platt, ou os longos trechos de passeios no carro igualmente desprovidos de sentido, uma parte dos belos cenários são impiedosamente passados à frente. Se calhar foram as lágrimas de Payton num contexto totalmente confuso, ou os pretensiosos vazios que eram alguns dos seus companheiros, mas The Politician tem um começo que pede para ser ignorado.
Sim, de facto torna-se uma série interessante por volta do quarto ou quinto episódio. Talvez porque, por esta altura, já estás mais habituado ao privilégio servido com drama que é a ementa deste show. A vida de jovens ricos é algo que provoca curiosidade, obviamente. Mas em certos momentos perguntamo-nos: “Qual é o propósito disto agora?”; “Porquê tão cínico?” ou ainda “Será que era mesmo preciso chorar de novo?”.
O último episódio é, mais uma vez, um monte de clichês numa embalagem de muitas promessas. A localização muda e os tempos são outros. A segunda parte de The Politician tem a estreia prevista para o verão de 2020. A esperança é a de que, ao longo destes próximos meses, os criadores tenham tempo para conhecer o mundo real e se apaixonar por ele na mesma dose de exagero.
Artigo revisto por Lurdes Pereira
AUTORIA
Michelle tem 20 anos e faz muitas perguntas desde que se conhece por gente. Criou o primeiro site numas férias de verão enquanto criança e apaixonou-se por escrita e fotografia. Algum tempo e vôos internacionais depois, entrou em Jornalismo na ESCS, a escolha acertada para si. Não limita os seus assuntos, secções e cantinhos a visitar. Teve na Magazine um megafone enquanto Editora de Opinião.