A insustentável beleza humana de um Robot
Spielberg pegou no projeto de Kubrick e deu ao mundo um dos mais belos filmes da sua cinematografia – uma dança dramática entre a crueldade e o amor humano num mundo cheio de máquinas.
Durante mais de 18 anos, Stanley Kubrick pensou e preparou uma estória de um Pinóquio dos tempos modernos – centrada na luta pela humanização da máquina e na possibilidade de esta ter emoções e contradições que a tornassem num verdadeiro ser humano. O projeto não seria concluído pelo realizador de 20001 Odisseia no espaço, sendo que a sua última obra acabaria por ser De Olhos Bem Fechados (emaranhado de amores do casal sensação da altura Cruise|kidman). Profundo admirador da obra de Steven Spielberg, em especial do “seu” ET, Kubrick deixou nas mãos do todo poderoso realizador a tarefa de terminar a sua obra.
Recorrendo a uma breve síntese, AI Inteligência artificial traz-nos a estória de David – um menino-robô, de apenas 11 anos, criado para ter emoções, que quer ser de carne e osso – num contexto de crescente celeuma entre humanos e robôs. David, interpretado por Joel Osment, é adotado por uma família, mas não consegue conquistar o afeto dos seus pais. Sonha, por isso, encontrar a Fada Azul, que será capaz de o tornar num ser humano real e, assim, ser aceite pelos seus pais.
Temos ecos de outras obras de Spielberg. É, certamente, impossível não relembrarmos o grandioso Imperio do sol, onde um pequeno Christian Bale faz uma jornada pela segunda grande guerra. No entanto, em AI, há uma comoção permanente e diferente que o distingue do épico de guerra. Há uma obsessão pelo “negro” e pelo cenário apocalíptico (o que explica a magnífica sequência de destruição de múltiplos robôs numa arena futurista de gladiadores). No argumento, voltamos aos dramas familiares, que marcaram presença em quase todos os filmes do realizador de A Cor Púrpura, sendo um dos temas“spielberguianos” mais presentes no filme. É, também, um filme dos inadaptados, numa clara relação com a infância sofrida do realizador norte-americano – que sofreu tanto com o preconceito de ser de família judaica como com a separação dos seus pais.
As prestações de Joel Osment e Jude Law, no papel de brinquedo sexual de humanos, Gigolo Joe, são de enaltecer. Osment (menino prodígio de O Sexto Sentido) transmite ao espectador uma permanente comoção e simpatia. No caso de Law, o britânico tem o papel da sua carreira numa dança entre o escárnio e a cumplicidade.
E o fim? Ora, uma ascensão de Osment a uma subaquática Manhattan – onde espera pelo amor da sua mãe, num misto de religião e filosofia. Dá-se, ainda, uma quebra das leis físicas alcançando um novo mundo quântico quando uma “força exterior” oferece à personagem de David uma derradeira oportunidade de conseguir um dia de amor com a sua mãe, tornando-o naquele que acabaria por se tornar num dos mais comoventes fins de filme da história do cinema americano.
Artigo revisto por Bruna Gonçalves
AUTORIA
Olá, sou o Luís, tenho 27 anos e nasci em Cascais. Vivo desde, quase sempre, em Sintra e sinto-me um Sintrense de gema. Adoro cinema - bem, adorar não é a palavra adequada, venerar parece-me um adjetivo mais justo - e sou também obcecado por política e relações internacionais. Gosto também muito de desporto.