La Dolce Vita: a festa do vazio
É um monumento de Fellini. O filme que mais lhe granjeou fama, especialmente em Hollywood. É muito mais do que a cena de Ekberg na Fontana di Trevi – Mastroianni é um monstro na tela.
Há quem diga que A Doce Vida, de 1960, é mais autobiográfica do que Oito e Meio, de 1963. Fellini saiu da sua rimini natal. Em Os Inúteis, filme de 1953, a gosto pessoal talvez o seu melhor filme (o que o torna, obrigatoriamente, num dos melhores filmes de sempre), ensaiou Roma em casa – rumou à cidade eterna em 1939, onde trabalhou num jornal satírico da época. É nessa inspiração como jornalista que Fellini monta a personagem Marcello Rubini, interpretada por Marcello Mastroianni. Quanto ao filme mais autobiográfico do italiano, somos obrigados a tomar partido em favor de Oito e Meio, mas isso é conversa para uma outra oportunidade.
A cena inaugural de uma estátua de Cristo, presa a um helicóptero, a sobrevoar Roma rumo ao Vaticano é sublime. Logo ali já sabemos ao que vamos, o transporte de Cristo é feito quase como um espetáculo de variedades. É um Fellini mordaz e ébrio.
Fazendo um breve resumo da trama: Roma, início dos anos de 1960, o jornalista Marcello Rubini (Mastroianni) vive de perto a vida das celebridades e dos ricos. Num mundo marcado pela loucura humana, Rubini passa o seu tempo entre festas e cobertura de eventos mais ou menos extravagantes. O jornalista conhecerá a bela Sylvie (no corpo da maravilhosa Anita Ekberg) e os seus mistérios.
Há a maravilhosa cena de Ekberg a dançar dentro da mítica Fontana di Trevi; coisa do imaginário pop. É uma cena que continua a apaixonar gerações de curiosos. Mas o filme é muito mais do que isso. É um desfile do vazio existencial humano. Um ziguezaguear de personagens cheias de conteúdo; mas há uma que nos prende mais do que todas. Rubini de Marcello Mastroianni é um monstro. O ator encara de forma perfeita a impotência que toma conta da sua personagem; ele controla o filme todo, tem um poder imenso. É uma atuação incrível, uma aula de representação de um dos maiores atores de sempre.
Pode ver-se ares de fim do neorrealismo no cinema de Fellini. Estudiosos apontam A Doce Vida como o início do simbolismo na obra do italiano. O filme é, de facto, uma transição de estilos. Após a retumbante vitória, o cineasta teve uma crise de inspiração que viria dar lugar ao onírico e ainda mais extravagante Oito e Meio. Mais do que a tentação de o catalogar, A Doce Vida é um fresco de época, obra essencial para qualquer amante de arte, mais ou menos cinéfilo: «É um monumento, senhores!»
Artigo redigido por Luís Carvalho
Artigo revisto por Rita Asseiceiro
Fonte da imagem de destaque: Faculdade de Belas Artes do Porto (fba.up.pt)
AUTORIA
Olá, sou o Luís, tenho 27 anos e nasci em Cascais. Vivo desde, quase sempre, em Sintra e sinto-me um Sintrense de gema. Adoro cinema - bem, adorar não é a palavra adequada, venerar parece-me um adjetivo mais justo - e sou também obcecado por política e relações internacionais. Gosto também muito de desporto.