Cinema e Televisão

Até os mendigos precisam de roupa lavada

Wong Kar-Wai filma Hong Kong em ritmo alucinante e desenfreado. Um belo desmame da conceção clássica de filme de ação.

Wong Kar-Wai, cineasta natural de Hong Kong, não é, certamente, o nome mais conhecido do cinema mundial. É, contudo, bastante apreciado pelos que conhecem a sua obra. Nasceu para o internacional com o seu eloquente ChungKing Express, devaneio da sua Hong Kong natal. Anjos Caídos é, de certa forma, a continuação dessa eloquência vibrante que invade os poros de uma das mais cosmopolitas cidades do mundo.

Anjos Caídos aborda as histórias de um assassino profissional e de um rapaz solitário que procura o amor da sua vida. 

Leon Lai interpreta o papel do assassino profissional em descrédito pela vida que leva, querendo superar os sentimentos que nutre pela sua colega e abandonar a sua profissão.

Já Takeshi Kaneshiro é um mudo que tenta, das formas mais originais, encontrar a mulher dos seus sonhos. É com o pano escuro da descrença masculina que Kar-Wai “pinta” a sua obra.

Vamos aos minúsculos apartamentos de Hong Kong, numa maravilhosa claustrofobia ensaiada; entramos “porta adentro” pelos espaços sujos e loucos da cidade. O trabalho de filmagem é notável. A câmara aperta-nos, cola-nos, dá-nos a ansiedade das personagens e com elas aumenta o nosso suspense. 

A certa altura ouvimos uma das personagens dizer “que não precisa de roupa lavada porque é um mendigo”. É com ela que nos agudiza para o caos que é colocado no filme, e nos obriga a refletir. Serão os preços doidos dos apartamentos de Hong Kong o motivo? Será a complexa teia capitalista que deixou para trás muitos que nela não conseguiram vingar? São opções, mas o mais notável é que essa reflexão não nos é, descaradamente, imposta. A reflexão fica para quem a quiser fazer; é nos dada a liberdade, e isso é terrivelmente agradável.

As cenas de ação protagonizadas por Leon Lai são um belo exemplo da ansiedade criada pelo realizador. Uma bela desconstrução do modelo clássico do cinema de ação; uma bela aula para o espetador habituado ao pueril cinema de ação de boa parte de Hollywood. Esqueçamos por momentos o formalismo clássico, Kar-Wai não quer nada disso, para ele o “tremido” é a forma correta de comunicar neste filme.

Wong filma como poucos. Membro destacado da nova vaga do cinema de Hong Kong, onde podemos também encontrar nomes como Eddie Fong ou Stanley Kwan, faz do seu cinema poético imagem de marca. Ele que já indicou que irá encerrar a trilogia de In the Mood for Love, talvez o seu mais conhecido filme, e a obra-prima 2046.

Anjos Caídos é uma corrida desenfreada pela selva de metal. É crítica social pertinente, mas não condescendente. É um bom filme, feito da forma certa e por alguém que ama o cinema e o usa de forma apaixonada e descomplexada.

Fonte da capa: acmi.net.au

Artigo revisto por Ana Janeiro

AUTORIA

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Olá, sou o Luís, tenho 27 anos e nasci em Cascais. Vivo desde, quase sempre, em Sintra e sinto-me um Sintrense de gema.  Adoro cinema - bem, adorar não é a palavra adequada, venerar parece-me um adjetivo mais justo -  e sou também obcecado por política e relações internacionais. Gosto também muito de desporto.